terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Adinnerised

O lanche ajantarado é uma prática com vários adeptos. Já jantar alancharado não é praticado por ninguém.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Inversão dos termos

«- Há um comentário de Georg Bernard Shaw que me parece apropriado nesta altura.
- Diga.
- Ele lembrava que os cisnes cantam antes de morrer. E depois acrescentava: «Certas pessoas fariam bem se morressem antes de cantar.» Que a morte se antecipe à prodigiosa desafinação, eis o meu comentário...»

O Torcicologologista, excelência, Gonçalo M. Tavares

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Alto

«- Há quem diga que se subirmos a uma torre bem alta e observarmos com atenção conseguimos ver o passado. Não é estranho?
- Uma torre alta?
- Sim. Altíssima.»

O Torcicologologista, excelência, Gonçalo M. Tavares

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Apelida

Ribeiro e ribeira são essencialmente a mesma coisa mas só o primeiro é normalmente usado como apelido.

sábado, 17 de dezembro de 2016

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

domingo, 11 de dezembro de 2016

Se o Poirot fosse jogador seria o Jardel.

How can Poirot be of your assistance? Já o imagino nas flash interviews: o problema do Poirot é que resolve muitos homicídios.

sábado, 10 de dezembro de 2016

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

e

Aprender precisa de mais um "e" para ser bem sucedido e passar a apreender.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

domingo, 4 de dezembro de 2016

Convencional

«Esta é a minha hipótese: humor, ou sentido de humor, é, na verdade, um modo especial de olhar para as coisas e de pensar sobre elas. É raro, não porque se trate de um dom oferecido apenas a alguns escolhidos, mas porque esse modo de olhar e de raciocinar é bastante diferente do convencional (às vezes, é precisamente o oposto), e a maior parte das pessoas não tem interesse em relacionar-se com o mundo dessa forma, ou não pode dar-se a esse luxo. Somos treinados para saber o que as coisas são, não para perder tempo a investigar o que parecem, ou o que poderiam ser.»

A doença, o sofrimento e a morte entram num bar, Ricardo Araújo Pereira

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Nome, sobrenome, prenom

Uma das coisas que me faz confusão no francês é o nom não ser o nome mas sim o apelido. O nome é o prénom, uma designação que parece pôr o nome numa posição inferior à do apelido, dá mais relevância a este último. Já nós usamos nome próprio, é verdade, como se o apelido fosse impróprio. Mas, à semelhança do surname e Nachname, dizemos sobrenome: ao contrário do francês, o apelido aqui parece subordinado ao nome (em inglês também temos o given name, como se no apelido não houvesse hipótese de escolha, é esse e pronto).

Esta relação hierárquica sempre me pareceu intuitiva. Aliás, está plasmada na forma como, na maior parte das vezes, dizemos e escrevemos: nome primeiro e apelido(s) depois (pronto, nem sempre e, por exemplo, os húngaros e os chineses são campeões a inverter esta ordem). O nome é algo que sinto mais meu, mais idiossincrático; o apelido associo a origens e raízes. É certo que sou a soma dos dois mas, lá no fundo, atribuo mais força à primeira: duas pessoas com as mesmas raízes podem ser tão diferentes.

Para acabar, como não podia deixar de ser, a incoerência: no dia-a-dia, na brincadeira com pessoas que me são mais próximas, uso frequentemente a fórmula (militar?) de chamar pelo apelido.

sábado, 19 de novembro de 2016

L'Embarras des richesses

Este artigo sobre o Facebook e, de uma forma mais geral, sobre o impacto da forma como as redes sociais gerem a informação. Esta entrevista que o Obama (finalmente) concedeu ao Bill Maher e, na qual, por duas vezes (mais ou menos entre os minutos 6-7 e 23-26) discute questões similares.

É uma espécie de um embarrassment of riches que transforma esta sociedade de informação numa de desinformação. Como o John Mayer explica tão bem no Gravity: twice as much ain't twice as good.

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

domingo, 23 de outubro de 2016

A análise geopolítica reinventada

Num programa de televisão, Felipe Pathé Duarte fala das relações da Rússia com os EUA e a Nato. A certa altura diz que a Rússia se sente invadida no seu espaço vital e, de seguida, faz uma tentativa de acrescentar o estrangeirismo "Lebensraum", no alemão que lhe deu origem. Infelizmente para ele e felizmente para todos nós saiu-lhe um bocado ao lado: disse "Liebestraum" (ou talvez mais "Liebenstraum" mas para o efeito não interessa), que não é nada mais do que um sonho de amor. A Rússia invadida no seu sonho de amor é das coisas mais românticas que já ouvi e, estou seguro, também Putin. Reminiscências de Franz Liszt e dos seus famosos sonhos de amor. Aqui fica o terceiro, pelas mãos de uma jovem que, para além de tocar sonhos, terá certamente a capacidade de os gerar em terceiros.

sábado, 15 de outubro de 2016

Pois bem

Os ministros do Brexit e Comércio manifestaram a sua confiança de que o resultados das negociações com a restante Europa não vai conduzir à forma mais extrema de saída do Reino Unido da Comunidade: na ausência de um acordo, com poucas disposições transitórias e numa reversão para as regras da WTO. A razão para isso é que os restantes países percebem que penalizar o Reino Unido tem um impacto negativo para as suas próprias economias. O argumento é lógico e racional mas é demasiado parecido a outro muito propalado até meados de Julho: os britânicos não vão votar no Brexit porque estão conscientes dos custos económicos envolvidos, vão votar com a carteira e não com o coração.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Um Difusor De Aromas Musicais Chamado Jan Garbarek

(Publicado originalmente aqui)

A funcionária do CCB sobe as escadas do Grande Auditório a correr, ao mesmo tempo que fala para o punho como nos filmes, qual agente dos Serviços Secretos encarregado de proteger o presidente americano. Prepara-se para ir rapidamente buscar mais um espectador ao topo da plateia e encaminhá-lo até ao seu lugar, numa altura em que a hora de início se aproxima perigosamente. No final de mais um trajecto, agita o panfleto relativo ao concerto em frente à face, tentado repelir o calor.

Já Jan Garbarek tem a campânula de um saxofone em frente à sua face, que tapa sensivelmente a metade inferior, na fotografia do outdoor do mesmo concerto. No canto inferior direito, num círculo vermelho, lê-se: «O CCB presta homenagem e dedica este concerto a José Duarte, por ocasião dos 50 anos do programa “Cinco Minutos de Jazz”».

É um dos nomes mais badalados do jazz escandinavo, com um percurso que já o juntou, entre outros, a Keith Jarrett, Gary Peacock e Charlie Haden. A Garbarek é associado um estilo de jazz ambiental, como se o saxofonista fosse uma espécie de difusor de aromas ou um pot-pourri. Há, inclusivamente, quem lhe atribua, nem sempre de forma elogiosa, um rótulo de new age, mormente aqueles mais ortodoxos que se identificam com uma corrente de jazz mais tradicional.

Se a inspiração no mundo da música popular escandinava é a nota dominante, a música de Garbarek não se cingiu apenas àquela sua região natal – está repleta de outras fontes – neste sentido, talvez o termo pot-pourri, na acepção musical, ganhe alguma aderência –, espelhadas nas inúmeras colaborações com músicos de outras latitudes, com especial destaque para a música indiana. E isso nota-se na composição do seu quarteto: Rainer Brüninghaus, pianista que o acompanha há muitos anos, o “nosso” baixista brasileiro Yuri Daniel e o indiano Trilok Gurtu na bateria e percussão.

Há uma certa solenidade latente nos gestos e nas posturas, da qual me lembrava da única outra vez que vi o músico norueguês há uns bons anos. Por exemplo, na forma como os músicos tomam os respectivos lugares e fazem uma vénia de agradecimento ao público de uma forma quase sincronizada, mais ou menos como as moças da natação nos Jogos Olímpicos. Uma espécie de vénia em uníssono, para usar a imagem musical equivalente e, desta forma, recorrer à sinestesia.

Mas essa quase formalidade e distanciamento não duraram muito, foram rapidamente desfeitos. Talvez para isso tivesse contribuído o ritmo, que parece ter ganho força à medida que o espectáculo foi progredindo: de um tema inicial, lá está, bastante ambiental, quase introspectivo, com notas longas e prolongadas, o set estava, pouco depois, repleto de elementos rítmicos e uma dinâmica que contagiou o público – será este fenómeno o equivalente musical das alterações climáticas?

Para isso também ajudou bastante a atitude quase paternalista de Garbarek que, qual chefe benevolente, inúmeras vezes ao longo do concerto deu todo o espaço possível para os seus músicos brilharem. Foram vários os solos sem qualquer acompanhamento, que arrancaram ovações ruidosas da plateia, e que ocuparam uma parte muito substancial das cerca de duas horas e pouco de concerto. Em particular, o baterista/percussionista, na última exibição, utilizou uma série de instrumentos, incluindo a sua voz e estalidos com a língua, assim como um balde com água: um milagre o microfone ter sobrevivido aos salpicos provocados pelas pancadas mais fortes. E isto sem deixar de fora um fabuloso solo de piano, que arrancou com sonoridades clássicas, passando pelo blues e ragtime, e outro de baixo, muito físico, com o Yuri Daniel, e o som crispy do seu baixo, a encher-nos de slaps, slides, legatos.

Nem por uma vez alguém dirige uma palavra que seja ao público. Não há lugar a apresentar os membros do quarteto. Nem sequer a um simples “obrigado”. Mas a comunicação não fica atrás de outros concertos em que as palavras abundam. Basta verificar as várias reacções efusivas do público, assim como a forma como se envolveu nas músicas, nos solos, batendo palmas mediante solicitação ou na ausência da mesma.

A camisa estilo lumberjack de Jan Garbarek leva-me até às paisagens nórdicas, com tudo o que têm de deslumbrante, assim como de selvagem e inóspito. Imagino-o sem o saxofone por um momento, a cortar lenha com um machado, um fjorde no horizonte a abrir um abismo daqueles de cortar a respiração, que dispensa quaisquer palavras. Talvez por isso o saxofonista norueguês seja pouco dado a utilizá-las. É que pensando bem, não são precisas para rigorosamente nada.

domingo, 9 de outubro de 2016

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Sandro Norton convida e Gary Burton faz-nos vibrar.

(Publicado originalmente aqui)

Esta é a crónica de um concerto que já deveria ter sido. Esteve agendado para 17 de maio e foi cancelado, por motivos de saúde de Gary Burton, o vibrafonista americano que era suposto ter vindo actuar no CCB a convite do guitarrista portuense Sandro Norton. Tive algum receio de males maiores, devo confessar: afinal sempre são 73 os anos do americano. Mas, felizmente, tudo se resolveu e Burton subiu mesmo ao palco do Grande Auditório, com o quinteto de Sandro Norton, que é constituído por Luís Trigo no violino, harmónica e acordeão, João Salcedo no piano, Carlos Barretto no contrabaixo e Mário Barreiros na bateria.

Um primeiro ponto prévio: o vibrafone não é um instrumento que, nos meandros do jazz, receba muita atenção nos dias que correm, não é coisa que se veja por aí aos pontapés. E foi a ele que Gary Burton se dedicou de corpo e alma. O americano tornou-se um dos nomes incontornáveis do vibrafone na década de 60 ao explorar uma forma de tocar com as quatro baquetas quando, na altura, era comum tocar-se apenas com duas. A técnica é hoje relativamente difundida – há até quem toque com seis ou use ainda métodos menos convencionais – e permite uma abordagem parecida à do piano, com um cariz multi-linear. O curioso que o grande ponto de atracção do concerto (e sem qualquer desprimor apra os restantes músicos) é um vibrafonista, o que parece estar em nítido contraste com o que de dizer sobre o vibrafone.

Um segundo ponto prévio: Sandro Norton seguramente poderá sentir-se como um privilegiado – ele confessa-nos exactamente isso. É que é apenas o terceiro guitarrista a quem Burton dá a honra de se juntar e os restantes nomes dessa restrita lista são, nem mais nem menos, do que Pat Metheny e Ralph Towner. A colaboração mais profícua foi a que Burton manteve com o pianista Chick Corea, com quem tocou durante longos anos, uma parceria que projectou a formação de duo no jazz e que rendeu a módica quantia de seis (!!) prémios Grammy, o mais antigo em 1979 e o mais recente em 2013.

Mas foquemo-nos no concerto. O set que este quinteto adicionado de um convidado nos traz é baseado, em grande medida, no álbum de Norton, “Flying High… At the Heart of It”. Os temas como “The storm” ou “At the heart of it” são bastante melódicos e sem grandes dinâmicas, quase uma espécie de música contemplativa. O repertório de Burton também deu o seu contributo com, por exemplo, o tema “Remembering Tano”, uma homenagem a Astor Piazzolla. Pelo meio, um tema em que Norton, sozinho, faz um número de guitarra percussiva que arranca possivelmente a maior ovação da noite, batendo com as mãos no corpo da guitarra, pisando as cordas e fazendo slides, usando tappings e harmónicos.

E depois veio o mais inesperado no miolo do concerto. Sandro Norton diz ao público que tem um segundo convidado. É caso para dizer que afinal havia outro. Trata-se de alguém que ele considera responsável por ter posto muita gente a ouvir jazz, ao ter feito uma fusão desse estilo com música popular. Apesar dos esforços para não avançar o nome antes de terminar a explicação da razão do convite, um deslize ao mencionar o nome próprio Pedro leva o público a perceber de imediato que se trata de Pedro Abrunhosa. E o que se segue, como é fácil de adivinhar, são três temas de Abrunhosa: “Ilumina-me”, uma versão repleta de dinâmicas e kicks do “É preciso de ter calma” e, finalmente, o interlúdio terminou com o “Se eu fosse um dia o teu olhar”.

Por esta altura, era já bastante evidente que o set tinha um espectro bastante lato e alargado, uma espécie de tutti frutti de repertório para agradar a gregos e troianos. Após este parêntesis motivado pelo segundo convidado, o registo anterior foi retomado. Neste bloco final, saltou à vista (ou ao ouvido) a intro fabulosa de Burton num dos temas. A terminar, um encore que trouxe o único momento em que se ouviu swing a noite toda.

“Eu próprio estou muito emocionado, vocês nem sabem”, diz-nos Norton que, segundo os meus cálculos, apresentou os membros da banda trezentas e sessenta e uma vezes. Sabemos, Sandro, sabemos. O Natal veio mais cedo este ano, não foi?

sábado, 1 de outubro de 2016

Straight from the heart/brain

Há uma associação tradicional entre, por um lado, aquilo que é razão e raciocínio e o cérebro e, por outro lado, o que é emoção e sentimento e o coração. Ora isto traduz-se numa sobrevalorização das funções do coração em detrimento de uma subvalorização das do cérebro. Porque os dois dossiers, no fundo, são geridos pela massa cinzenta. O cérebro é aquele tipo lá da empresa que se farta de fazer coisas, é pau para toda a obra, e que no fim vê o crédito do esforço ser roubado por outros órgãos.

Não me levem a mal: gosto muito do meu coração. E dá-me imenso jeito, sobretudo enquanto continuar a bater – assim que parar, far-me-á tanta falta quanto uma guitarra num enterro. Mas a César o que é de César. O meu coração não faz ideia por que razão está a bater mais e não partiu dele a iniciativa de o fazer. Mesmo que a causa seja tão óbvia como fazer desporto ou a miúda gira que está mesmo à frente do nosso nariz. Mas podem ter a certeza que o cérebro sabe isto de cor e salteado e está a tratar da ocorrência com a máxima diligência.

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

A idade dos porques

Donald Trump usa "because" como conjunção copulativa: liga frases (aparentemente) não relacionadas com a palavra. Umas atrás das outras. Há quem esteja não idade dos porquês; Trump, ao invés, está claramente na idade dos porques.

terça-feira, 27 de setembro de 2016

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Quarteto de Ricardo Toscano no OutFest

(Publicado originalmente aqui)

À hora marcada para o início do concerto só se vislumbra o segurança do parque Marechal Carmona em Cascais, que parece guardar os instrumentos abandonados em cima do palco, e um espectador mais fervoroso que colocou uma cadeira de lona estrategicamente direcionada para o palco. Uma volta ao parque e três bolas de gelado duma roulotte da Santini depois e finalmente vemos os músicos a preparar-se para começar.

Trata-se do festival OutFest, que pretende assinalar os dez anos de existência do OutJazz e que vai encher aquele parque de Cascais de música durante todo o fim-de-semana. A receita, se não é a mesma, é no mínimo muito parecida à de qualquer outro evento do OutJazz (com a excepção de a diferença fundamental da entrada ser paga): um palco em frente a um relvado (ou análogo) onde o público se senta ou estende ao comprido, com ou sem toalha por debaixo, com o sem um copo na mão.

O quarteto de Ricardo Toscano, o prodígio precoce do saxofone, dá o pontapé de saída no palco dedicado ao jazz – para além deste, há também o principal com uma programação eclética, e o Red Bull Silence Garden, onde um DJ toca para cada pessoa individualmente. Às primeiras notas, o público foi chegando, abandonando outras zonas do parque, outros palcos e seguindo a música, qual zombie enfeitiçado.

O set inicia-se em força, com o Scrapple from the Apple, um tema de Charlie Parker, a transbordar de bebop. Toscano faz-se acompanhar por João Pedro Gil ao piano, Romeu Tristão no contrabaixo e Marcos Cavaleiro na bateria, que nos levam num passeio por cerca de meia dúzia de standards. Destaco uma versão lindíssima da balada I don’t stand a ghost of a chance with you, encaixada no meio de um alinhamento maioritariamente composto por temas mais enérgicos.

Ouvir este quarteto é olhar para um futuro que se adivinha, à partida, risonho. É saber que o jazz nacional está bem entregue, em boas mãos, que vão cuidar dele lindamente. Nem é bem saber, é mais confirmar aquilo que já se sabia. Porque se a Toscano é atribuída uma participação nesse futuro afortunado, não é de agora a descoberta: já é porta-estandarte há algum tempo, fruto de uma maturidade a tocar, um savoir faire que normalmente são características de idades mais provectas. A boa notícia é que temos anos de música pela frente.

domingo, 25 de setembro de 2016

Instrução

Perguntou-lhe onde tinha aprendido a dançar assim. A ver o Pulp Fiction, respondeu-lhe

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

O litoral é interior

Fala-se do litoral e do interior de um dado país (não landlocked, claro). E depois fala-se do exterior do país. Mas parece-me difícil que alguma coisa possa não ser interior nem exterior: ou é uma ou outra. Não há nada que não seja ou interior ou exterior. Donde o litoral tem que ser ou interior ou exterior. Como é pouco provável que o litoral de um país possa pertencer ao seu exterior, atrevo-me a dizer que pertence ao interior. Donde se conclui que o litoral está no interior. Melhor: o litoral é interior.

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Abstracto

Para algo que deveria ser objectivo e concreto, os artigos científicos começam logo com um abstract.

terça-feira, 13 de setembro de 2016

La chute

«O racismo pode destruir não so o mundo ocidental mas toda a civilização humana. Quando os russos se tornaram eslavos, quando os franceses assumiram o papel de comandante da mão-de-obra negra, quando os ingleses se tornaram «homens brancos» do mesmo modo como, durante certo período, todos os alemães se tornaram arianos, então essas mudanças significaram o fim do homem ocidental. Pois não importa o que digam os cientistas, a raça é, do ponto de vista político, não o começo da humanidade mas o seu fim, não a origem dos povos mas o seu declínio, não o nascimento natural do homem mas a sua morte antinatural.»

As origens do totalitarismo, Hannah Arendt

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Quarteto

O saxofonista, à palheta com o pianista, comentou a sua fraca opinião sobre o baterista. Dizia, em surdina, que lhe faltava técnica, que é preciso unhas para tocar guitarra. O baixista ouviu a conversa. Confrontou-o e ele assobiou para o lado. Desagradado com a resposta (ou falta dela), o baixista deu com a boca no trombone ao baterista que se sentiu o bombo da festa e afinou de tal forma que queria ir aos fagotes ao saxofonista. O baixista ficou aflito e rapidamente se arrependeu, temendo pelo futuro do quarteto: um saxofonista com a boca aleijada faz tanta falta como uma guitarra num enterro. Que gaita! Foi preciso dar muita música ao baterista para que se acalmasse e enfiasse a viola no saco.

terça-feira, 6 de setembro de 2016

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

terça-feira, 30 de agosto de 2016

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Alguém que lhes explique, por favor.

Costumo ser interpelado com frequência na rua. As perguntas típicas: onde fica a rua ou um determinado local. Não me custa nada. A sério. Por vezes até saco do telemóvel quando não tenho certeza, ou quando me perguntam onde fica o número tal. Excepto quando vou a correr. Há qualquer coisa nos calções, nos ténis de corrida, nos auriculares nos ouvidos e, claro, na passada de corrida, que faz com que me queiram fazer perguntas que poderiam perfeitamente fazer a outra vítima em passo menos vigoroso. A semana passada, um tipo de sotaque espanhol, queria saber onde era a Avenida Praia da Vitória. Esta semana, o pedido foi mais original. Veio de uma senhora que quase me barrou o caminho, como se considerasse fazer-me uma placagem caso tentasse fugir dela (por exemplo, a correr). Desculpa (sim, logo por tu), sabes carregar o passe no multibanco? Felizmente nem tive que mentir. Desculpa (logo por tu), não faço a mínima ideia. Voltei a pôr o auricular no ouvido (Metallica!!) e segui (não alegremente, fiquei irritado).

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

terça-feira, 23 de agosto de 2016

Nota #5

Um músico vai ao cardiologista e é-lhe diagnosticada uma síncope cardíaca.

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Fast forward

A box de TV que permite recuar e ver ume emissão passada é, sem dúvida, uma invenção simpática. Mas só vou ficar verdadeiramente rendido quando inventarem uma que dê para avançar.

domingo, 21 de agosto de 2016

Os dois juntos a desprezar tudo o resto.

Eu e tu contra o mundo. Nem é tanto contra, é mais parecido com colocar uma barreira entre nós e eles. Numa bolha, numa redoma ou campo magnético. Uma espécie de misantropia partilhada a dois. Nos primeiros tempos porque depois, a pouco e pouco, inevitavelmente, o círculo diminui de dimensão e, de repente, tu não estás no meu e eu não estou no teu, e o mesmo tratamento aplicado aos de fora passa a ser teu e meu. Quando damos por isso já é tarde, não dá para voltar atrás. Mas o mais curioso é que, de certa forma, não nos separou. Pelo contrário: continuámos unidos a desprezar tudo o resto, embora estivéssemos, pela mão do outro, ambos incluídos.

terça-feira, 16 de agosto de 2016

Meu querido Jazz em Agosto, por ti levo o ano inteiro a sonhar.

(Publicado originalmente aqui)

A 33ª edição do Jazz em Agosto coincidiu com o 60º aniversário da Fundação Calouste Gulbenkian e trouxe uma enchente de música ao verão lisboeta, durante semana e meia. Um total de 14 concertos, mais um conjunto de outros eventos, desde projecções de filmes e da conversa “Sharpen Your Needles” com David Toop e Evan Parker, até ao lançamento do livro “The Sound of the
North – Norway and
the European Jazz Scene”, com a presença do autor, Luca Vitali.

O festival, como sempre, traz-me o que de mais arrojado e desafiante se faz no jazz actual, com músicos e formações de vanguarda dos dois lados do atlântico. Aqui ficam algumas impressões, à vol d’oiseau, da muita música que passou pelos concertos da sessão nocturna no anfiteatro ao ar livre. Por conveniência – e também para evitar o cliché cronológico –, agrupados pela dimensão das formações, das menores para as maiores. Mas sem nenhuma hierarquia implícita – até porque, segundo consta, o tamanho não importa. De fora vão ficar dois concertos a que não assisti: o primeiro, de Marc Ribot e os The Young Philadelphians (e do qual ouvi dizer muito bem) e a dupla de tubas e baterias, que contou com a representação nacional de Sérgio Carolino e Alexandre Frazão.

Trio

Comecemos pelos trios, mais precisamente pelo primeiro trio que actuou sábado dia 6, de seu nome Pulverize the Sound, e que são um excelente exemplo da irreverência e do carácter quase desafiante da música do Jazz em Agosto. Trompetista, baixista e baterista – os dois últimos sobem ao palco acompanhados de uma garrafa de Super Bock meia bebida (ou, para os mais optimistas, meia por beber).

O arranque do primeiro tema espelhou os 50 minutos de música seguintes. É uma autêntica entrada a pés juntos, com o baixo a fazer uma linha cromática ascendente, numa cadência que vai acelerando ao longo do tempo; o trompetista solta frases curtas e estridentes, por vezes só o ar a passar pelo instrumento em sons guturais; o baterista a massacrar velozmente o prato de choque.

Este é um power trio sem instrumento harmónico, função que é, por vezes, parcialmente assumida pelo baixista Tim Dahl, tocando várias notas em simultâneo (já agora, e para tirar esta piada duvidosa da frente de imediato: é caso para dizer que o Tim Dahl forte no baixo), embora outras tantas vezes acompanhe o tema com o trompetista Peter Evans. É uma música crua, quase visceral, que recorre amiúde a efeitos, loops e distorção. Os músicos testam os limites físicos dos respectivos instrumentos, em particular o trompete.


Estamos apenas uns dias mais à frente no festival – na quinta-feira dia 11, mas, de repente, saltamos para algo completamente diferente. Continuamos no trio – mais, no power trio – mas agora ganhamos uma guitarra eléctrica por troca com o trompete. E ganhamos outra coisa muito importante que, pensando bem, até pode fazer deste trio um quarteto virtual: é a primeira vez que temos um (neste caso uma) vocalista declarado(a) em palco. É certo que houve outros casos em que a voz foi utilizada pontualmente, mas não ao ponto de ser possível dizer que se esteve na presença de um vocalista.

Ava Mendoza – de Doc Martens e calças pretas – canta para um microfone que lhe reverbera a voz, de uma forma que parece envolver-nos. Tim Dahl – sim, o mesmo de há bocado – surge das escadas que dão acesso dos bastidores ao palco com uma Super Bock – a mesma de há bocado? – na mão (já vos disse que o Tim Dahl forte no baixo?).

Ava tem uma forma peculiar de tocar e abordar a guitarra. Aqui, ouve-se algo mais perto de rock (power chords, bends, tappings de sonoridade curiosa com cordas soltas pelo meio); ali, de repente estão licks e riffs e linhas com sonoridade de blues (a sua mais importante raiz?). Pelo meio, um fraseado com um travo mais jazzístico. Tudo isto com uma distorção bastante saturada. Se a isso somarmos a irreverência de Dahl (pronto, sem piada desta vez), é possível que tenhamos descoberto a génese do nome desta formação: “Unnatural ways”.

Um exemplo disso é o último tema do alinhamento, que recorre a uma sonoridade de escala harmónica, e que termina com um feedback grave simultâneo da guitarra e do baixo, que é mantido em loop quando os músicos saem de palco. Pouco depois, Ava regressa para um encore a solo. A primeira coisa que faz é desligar o loop do baixo. A segunda é começar a tocar ainda com o loop de guitarra a preencher o som.

Quarteto

Recuemos agora até terça-feira, dia 9, noite de um quarteto, Petite Moutarde, de origem francesa, mas um quarteto que não é bem um quarteto. Passo a explicar. No palco estiverem, de facto, quatro pessoas. No entanto, o espectáculo contou ainda com mais duas colaborações extra palco, que, embora não toquem uma nota que se veja (ou ouça), têm uma influência determinante: são responsáveis por exibir excertos de filmes surrealistas e dadaístas – o violista Théo Ceccaldi lembrou rapidamente, no final do concerto, que se comemora este ano o centésimo aniversário do movimento “dada” – de Man Ray, Marcel Duchamp e René Clair.

Há também outros efeitos visuais. Pequenas luzes, lâmpadas penduradas do tecto que se acendem sobre os músicos em determinados momentos. Um balão por cima do baterista: primeiro serviu para projectar imagens de um filme, revezando a tela enorme no fundo do palco que se encheu com as sombras movediças dos músicos; depois, foi uma espécie de piñata, sem recheio, rebentada, à terceira tentativa, pela baqueta do baterista.

É assim que acompanhamos a corrida de um conjunto de pessoas ou o percurso de uma montanha-russa, com a música a adensar e a acentuar os momentos de tensão e acalmia. A interacção entre o violino e o saxofone é particularmente interessante, com ambos os músicos, a espaços, a criarem uma espécie de acompanhamento harmónico: o violinista recorrendo a duas cordas em simultâneo e a saxofonista a dois saxofones soprano ao mesmo tempo.

Uma simbiose muito interessante entre a música e as imagens, uma espécie de sinestesia, talvez a forma mais literal de, como se costuma dizer, música para ser “ouvista”. Recorrendo a uma espécie de sinestesia, fica algo entre um som gráfico ou uma imagem musical


Uma rápida menção ao quarteto Tetterapadequ, que tocou na segunda-feira dia 8. Esta foi talvez a formação mais standard de todo o festival, um típico quarteto de jazz com pianista e saxofonista, com a representação portuguesa de Gonçalo Almeida no contrabaixo e João Lobo na bateria.

Quinteto

Recuemos novamente no tempo, desta vez até sábado dia 6, vez dos Snakeoil de Tim Berne. Trata-se de um quinteto recente, que assim ficou com a chegada do guitarrista Ryan Ferreira. Segundo consta, oriundo do metal, a sua elegante guitarra Parker acaba por ter neste quinteto um papel relativamente discreto.

Por várias vezes os solos não foram propriamente solos. Isto porque arrancaram a dois – os dois sopros, o pianista com o baterista, o clarinetista acompanhado pelo guitarrista, diferentes combinações de instrumentistas –, ou seja, foram uma espécie de bi-solo ou solo tandem. E, à medida que a intensidade ia aumentando, a dinâmica era alterada com outro instrumentista a juntar-se (num tri-solo?), até a banda toda entrar em força máxima (penta-solo?).

Talvez esteja aqui a razão de ser da banha da cobra, que estica e não dobra: na flexibilidade, na plasticidade destes Snakeoil, como que criam diferentes formações de menor dimensão a partir dos mesmos músicas – começando no duo, passando pelo trio e daí até ao quinteto – explorando diferentes combinações ao longo do mesmo tema e ao longo do concerto.


Um segundo quinteto esteve em acção na sexta-feira dia 12, os Z-Country Paradise. À cabeça, uma semelhança com os Unnatural ways de Ava Mendoza: a voz de Jelena Kuljic, quente e cheia. Mas usada de forma diferente por Jelena. Em grande parte da actuação, não é propriamente cantar, é mais uma espécie de dizer as letras das músicas, quase ao jeito do rap. E, por vezes, é declamativo, como no tema em que o baixista se junta ao microfone e, juntos, com um controle das acentuações e inflexões da voz notável, vão dizendo as palavras inglesas e francesas.

A certa altura, vieram-me à cabeça bandas como os Rage Against the Machine (!!), após a junção os seguintes elementos: (i) uma música repleta de acentuações rítmicas e kicks fortes; (ii) uma quase agressividade de Jelena – “I hate you” gritado repetidamente a acabar um tema –; (iii) um gosto funky, com wah na guitarra, por vezes tocada com slide; (iv) um ritmo estilo trash metal com a bateria a debitar tu-tu-pá-tu-tu-pá muito rápido.

Pouco dada a convenções no que toca a apresentar a banda e referir o nomes dos temas, Jelena avisa-nos logo que o próximo tema é o encore (que se chama “what the most successful people do before breakfast”), escusamos de ficar à espera e fazer aquela coisa de bater as palmas para eles voltarem. “Danke schon, I mean thank you”, engana-se e corrige de imediato Jelena, a certa altura. “Gerne, you’re welcome”.

Sexteto

A capa do CD, que comprei à saída, é preta, com uma série de símbolos matemáticos a branco, organizados simetricamente. Em letras maiúsculas douradas, arqueadas, lê-se Thomas de Pourquery e, por debaixo, na horizontal, Supersonic. Mais abaixo ainda, nas mesmas letras maiúsculas mas brancas, “PLAY SUN RA”.

Chegámos ao concerto de sábado dia 13, um sexteto de franceses liderado por Pourquery, um personagem de uma excentricidade curiosa e divertida. Distribui vários “thank you” em diferentes registos, ora mais agudos, ora mais graves. Diz-nos que este é “the hottest day of our lives” (segundo o IPMA, qualquer coisa como 37 graus de máxima e 23 de mínima, se não me falha a memória). Revela-nos uma citação que atribui a Sun Ra: “Humanity is on the right road, but going in the wrong direction”. Pergunta-nos se é possível parar com os aviões que fazem barulho enquanto fala ao microfone entre músicas.

Não são precisas muitas palavras para descrever a hora de meia de música. Foi excelente. Partilho um momento que colocaria na prateleira de “ridículo” que, cá em casa, está um degrau acima da de fantástico. No miolo do concerto, meia banda abandona o palco, fica Pourquery sozinho com a secção rítmica. O que se segue é uma desbunda brilhante do saxofonista, aquilo que em termos técnicos se designa por “partir-a-louça-toda”. O solo termina em intensidade máxima, e lentamente, sem interrupções, faz o seu caminho e converge para o tema seguinte, com os restantes músicos, entretanto, já confortavelmente instalados aos comandos dos respectivos instrumentos. Um segundo momento da categoria “ridículo” foi um solo saído do saxofone tenor no último tema do set.

Não é só a qualidade da música – tanto individual como colectiva. É também a forma como o espectáculo está montado. Há uma enorme atenção aos pormenores, nenhum detalhe é deixado ao acaso. Esta mise en scène tem, claro, o condão de potenciar o impacto que a música tem no público (e, também claro, torna ouvir o CD num exercício que sabe a pouco).

E notou-se no final. O primeiro encore foi iniciado pelo Korg, de cujas teclas saíram as primeiras notas do concerto. Sozinho no palco, os restantes juntaram-se a certa altura, num tema em que a secção rítmica esteve em destaque, com solo de baixo e bateria. E, quando parecia que estava arrumado, a ovação do público foi tão grande que conseguiu arrancar o tema “Enlightment”, com um excelente final em que os músicos vão largando os instrumentos progressivamente e juntando-se ao trio que canta até ficar só (adivinharam) o Korg a terminar o fade out, juntamente com o “thank you” de Pourquery. Tudo feito com uma fluidez brilhante. Numa palavra: supersónico.

(nota-se muito que foi o meu concerto preferido?)

Formações “mais-do-que-as-mães”

Domingo 7 de Agosto. Eve Risser explica-nos – meio em inglês, meio em francês, um inglês com sotaque meio francês – que a natureza – do quartzo às fumarolas da Islândia –, e as emoções que desperta, são a inspiração para as suas composições para esta White Desert Orchestra.

As composições são enriquecidas explorando as características e as particularidades dos metais – trompete, trombone, saxofones e clarinete – da palheta do fagote e da flauta. Estes dois últimos têm um destaque interessante. Aliás, o primeiro solo da noite saiu do fagote, um instrumento pouco associado a estas lides, assim como a flauta, que se seguiu pouco depois.

A influência da música clássica emana sobretudo do teclado do piano. Mas há muito mais para além disso. Por exemplo, no tema Tent Rocks sente-se o funk no balanço da baixista, que toca com slide no dedo e com imenso groove. Neste tema, o saxofonista Benjamin Dousteyssier faz um solo de mandar a casa abaixo. Noutro, o fagote faz, do princípio ao fim, uma nota contínua, uma espécie de pedal, acompanhado pela guitarra – que tem um papel mais agarrado à secção rítmica – que solta acordes com cordas abertas.


Finalmente, o último dia do festival, domingo 14 de Agosto. A Large Unit de Paul Nilssen-Love. Ou, nas palavras do próprio, “extra large unit”. E tem toda a razão, visto que se trata da módica quantia de 14 músicos. A secção rítmica é a dobrar: dois bateristas, dois baixistas e dois percussionistas. Já lá vão seis, outros tantos quanto o naipe de metais. A finalizar, guitarra eléctrica e electrónica.

Com esta mega formação, os recursos que Nilssen-Love tem à disposição são bastante vastos. Um exemplo interessante das possibilidades de ter tanta gente ao dispor é o do tema Culius em que, a páginas tantas, a (mega-)banda parece separar-se em duas sub-bandas, de dimensão mais convencional. Os solistas, trompete e saxofone, um de cada lado da barricada, vão dando a entrada e a respectiva secção rítmica acompanha, enquanto a outra abranda e pára por momentos.

É uma lógica de pergunta e resposta, normalmente empregue entre dois solistas que partilham irmãmente a mesma secção rítmica, mas que, neste caso, é extensível literalmente a duas bandas. É claro que a gestão deste processo é tudo menos fácil, sobretudo quanto há tanta gente envolvida. Sobretudo atesta à robustez da formação, que consegue gerir autonomamente estes momentos de improvisação descentralizada de forma fluída e convincente.


Resumindo, concluindo e baralhando

Como concluir, como resumir esta enchente de música, este waterboarding de notas e ritmos que é o Jazz em Agosto? Resolvi pedir emprestada a citação que Thomas de Pourquery, por sua vez, pediu emprestada a Sun Ra: é caso para dizer que, contrariamente à Humanidade, o Jazz em Agosto está não só na estrada correcta como também na direcção. No final desta 33ª edição do Jazz em Agosto, resta parafrasear os adeptos benfiquistas há duas épocas atrás: “dá-me o 34!”.

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Circulação

De tão feia que era, a policia punha-a à beira de troços de estrada congestionados para fazer andar o trânsito.

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Gemini

Uma pessoa que tenha 3 pernas (Chernobyl?) tem músculos trigémeos em vez de gémeos?

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

«Se me perguntasses o que sinto teria dificuldade em responder. Fisicamente é uma espécie de lassidão, de desinteresse, de cansaço como antes da gripe ou outra doença qualquer, como antes da morte. As pernas doem-me, pesadas, a pele tornou-se mais atenta ao frio e ao calor, à dureza ou à rigidez das coisas. Não me apetece nada, acho-me desconfortável por estar quieto mas achar-me-ia mais desconfortável se me movesse. Não sei se falar me é penoso ou me aborrece. Fico assim sentado, a olhar em frente, sem desejos, sem vontades, oco. Nem sequer estou triste. Apenas passividade e indiferença. Os intestinos movem-se-me brandamente. Escuto sem prazer a minha respiração, as batidas do sangue nas orelhas. Sim, julgo que é isso: oco. Feito de gesso como as corças de enfeitar quintais.»

Crónicas, António Lobo Antunes

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

A boca está sempre aberta, escancarada, como se lutasse para respirar.

Deixa entrever uma grande ausência de dentes, os que sobram semeados aqui e ali, um pouco ao acaso. O casaco sujo, as calças rotas, um aspecto andrajoso. Caminha lentamente, quase titubeante - às vezes tem um cigarro, e então parece que caminha por entre o nevoeiro do fumo. E nunca fala. A poucos metros de se cruzar com alguém, estende a mão direita, de palma virada para cima, na sua direcção. Fala com a mão. E a cara: uma expressão gasta de olhos suplicantes, um esgar acentuado por uma ligeira inclinação da cabeça. Nunca lhe respondo. Quer dizer, ergo a mão e é ela que lhe diz que não. Baixa a dele, desfaz a expressão facial e segue. Sabe desistir, nunca insiste.

Há dias, pela primeira vez, passei por ele e não me estendeu a mão. Estava em frente a uma caixa multibanco e era na direcção do aparelho que estendia a mão.

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Bollani de ouro em Cascais

(Publicado originalmente aqui)


Vamos assumir que tenho um piano de cauda na sala-de-jantar. Assim mais ou menos como no teledisco em que o John Lennon toca o “Imagine” com a Yoko Ono pelas costas. Um piano e um Fender Rhodes mesmo ao lado, de forma a que seja possível ir alternando de teclado ou mesmo tocando nos dois ao mesmo tempo, uma mão em cada um. Vamos também assumir que Stefano Bollani é meu convidado e que, depois do jantar, resolve, por iniciativa própria, sentar-se à frente do teclado do(s) dito(s) cujo(s) e desatar a tocar. Por esta altura, eu estou sentado no sofá, de digestivo na mão, a ouvir.

Arrisco-me a dizer que não terei sido o único dos que se deslocaram ao Parque Palmela, em Cascais, para ver o pianista italiano tocar a quem esta imagem passou pela cabeça. O pianista apresenta-se a solo, numa performance minimalista e intimista ao ponto de parecer que somos uns felizes contemplados com um concerto privado. São cerca de uma centena de concertos privados que têm lugar no auditório daquele parque.

As primeiras notas são um tiro de partida para uma prova de fundo, uma espécie de maratona musical, que se desenrola durante cerca de uma hora e meia (ok, se calhar meia-maratona). O que acontece daí para a frente é um pouco como a descrição que ouvimos amiúde de pessoas que passaram por um acontecimento traumático: vi a vida toda, em retrospectiva, naquele curto espaço de tempo mas que pareceu uma eternidade, a passar-me à frente dos olhos (aconteceu-me parcialmente da única vez que tive um ligeiro acidente de viação). Neste caso, ouvimos toda a vida musical de Bollani a passar ao lado dos nossos ouvidos, com a vantagem de não ser no espaço de uns segundos, por muito tempo psicológico que possam parecer durar.

O repertório é variado. A música italiana, como não podia deixar de ser, embora temas do próprio Bollani não tenham tido muito tempo de antena – apenas um, se não me falham as contas. A banda sonora do filme “Amarcord” de Federico Fellini e música popular napolitana, incluindo uma lindíssima “Reginella”. Pelo meio, o blues de Mungo Jerry no clássico “In the summertime” e o “Frame by frame” de King Crimson. E música brasileira: entre outros, o “Samba de uma nota só” em que Bollani também cantou.

Aliás, a espaços, o pianista mostra-nos que não é só à frente de um teclado que está como peixe na água. Revela-nos uma segunda faceta de entertainer e arranca várias gargalhadas do público, falando um português de sotaque transatlântico. O ponto alto é, no entanto, a caricatura que faz da língua alemã, uma algaravia de quem fala alemão que nem uma vaca italiana e que, perto do final, acompanha ao piano com muita graça.

Como se ainda não chegasse, o encore é um autêntico exercício de loucos. Ao estilo dos pedidos de música da rádio, o pianista traz um papel na mão e, qual lista de supermercado, toma nota de dez pedidos musicais que, de seguida, vai tocar. Sinto, uma vez mais, que estou na minha sala-de-jantar e ouço-me dizer “Ó Stefano, toca lá aquela, pá!” Aqui vai a lista que consegui, a custo, tomar nota: “Tico tico”, Whisper not”, “Voo do moscardo” (“em português?”, pergunta), “Trem das onze”, “Garota de Ipanema”, “Sherazade” (“Rimsky-Korsakov?”), qualquer coisa de Ennio Morricone, “Marcha Turca”, “Volare” e o final do “Layla” do Eric Clapton.

O pianista, munido do rol de compras, senta-se novamente de frente para as teclas e, como se costuma dizer, meio Bollani e força. Todos estes temas são prontamente enfiados num medley fantástico e indescritível, com passagens onde se ouve uma fusão entre o “Whisper Not” e a “Garota de Ipanema”, onde, de repente, o “Tico tico” sobressai pelo meio da “Marcha Turca”, e onde o moscardo, qual mosca na sopa, se vem intrometer.

Um resumo rápido, de duas palavras: Bravo Bollani.

sábado, 30 de julho de 2016

O semi está atrelado

Um semi-sólido é qualquer coisa que fica entre os estados sólido e o líquido. Será que semi-líquido poderia ser utilizado para designar a mesma coisa? Ou seria algo entre os estados líquido e gasoso? Já semi-gasoso só poderia referir-se a este último caso - é como semi-sólido, só funciona num sentido. O líquido, porque está no meio (virtude?), suscita todas estas dúvidas. A propósito, num mundo dominado pelo semi-frio, já era tempo de um semi-quente.

sexta-feira, 29 de julho de 2016

Verdade subjectiva

Fala-se na verdade objectiva dos factos e eu tenho dificuldade em perceber o que significa. Há verdade subjectiva? A minha, a tua, a vossa, a deles? E pode extrair-se uma verdade não objectiva de factos?

quinta-feira, 28 de julho de 2016

Sinais interiores de riqueza

«A propósito de sinais interiores de riqueza a semana passada, na consulta do Hospital Miguel Bombarda, vi uma mulher nova, de quarenta anos: nasceu-lhe um caroço no peito e o médico não a quis operar porque a doença já lhe atingira os ossos. Quimioterapia. Uma mulher bonita, inteligente. Disse-me:
- Ainda gostava de viver mais algum tempo
e vai morrer daqui a nada. Depois sorriu e perguntou
- Vou ficar melhor, não acha?
ela sabia que não e sabia que eu sabia que não
- Claro que melhora
disse eu
- Está linda sabe?
- Toda a gente me diz isso agora. Faço quarenta e um no mês que vem.»

Livro de crónicas, António Lobo Antunes

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Passion and warfare no CCB: sabemos donde vem, só falta saber para onde Steve Vai.

À entrada do Grande Auditório do CCB há uma indicação de que o concerto não é aconselhado a epilépticos. Pouco depois, já dentro da sala de espectáculo, reparo que o palco foi recuado, três filas adicionais de plateia foram adicionadas nesse espaço para fãs mais ferrenhos. Reparo também que parece haver uma dose reforçada do sistema de som, que se nota com a música de ambiente e quando os roadies fazem testes à bateria e o kick do bombo quase manda a sala abaixo (julgo que foi a primeira vez que saí do CCB com os ouvidos a zumbir).


Steve Vai foi discípulo de Joe Satriani, que teve outros notáveis alunos, como Kirk Hammett dos Metallica. Com ele aprendeu vários aspectos da técnica e do virtuosismo das 6 cordas da guitarra. Mas resumi-lo apenas ao virtuosismo é insuficiente: a criatividade do seu repertório é impressionante num género onde é relativamente difícil conseguir constantemente inovar. Em alguns casos, parecem mais experiências laboratoriais do uso (e abuso) das 6 cordas da guitarra, como em vários temas do álbum Flexable em que, desde imitar extraterrestres, até dobrar o discurso de uma senhora, e até à “The attitude song”, cheia (perdoem-me o pleonasmo) de atitude, está lá de tudo. E é depois de fazer este álbum que Vai se fecha no estúdio a produzir outra obra de uma quase engenharia musical, para a qual o guitarrista tentou elevar ainda mais a fasquia que havia acabado de colocar já bastante alta. Este álbum veio a chamar-se “Passion and Warfare”, um clássico incontornável para os apreciadores do género, e é homenageado nesta digressão, que comemora os 25 anos do seu lançamento.

Num estilo onde muitas vezes a excentricidade é um requisito fundamental (necessário mas não suficiente) e que roça o kitsch, Steve Vai deu azo à sua irreverência natural. Para além do carácter inovador no plano musical e que o distingue, os restantes aspectos relacionados com o espectáculo em si, que vão da forma como toca as músicas – a ajeitar o cabelo enquanto só uma mão toca a guitarra – até à roupa – as calças e as camisas de gosto duvidoso – até à guitarra de assinatura da Ibanez com as florzinhas por todo o lado do corpo e no braço, tudo isto contribui para o fazer sobressair.
(Publicado originalmente aqui)


É interessante também relembrar as suas incursões pelo universo de Frank Zappa e a passagem pelos Whitesnake (uma fase Maria-Vai-com-as-outras?), assim como no filme Crossroads, onde protagoniza um duelo de guitarra fabuloso com um Ralph Macchio, o do Karate Kid, que também aqui tem um mestre. Macchio, a tocar slide numa Telecaster, vence o duelo – é curioso ver Vai a fingir perdê-lo, quase merecia um óscar – tocando o 5º capriccio de Paganini, mais ou menos como aplica o pontapé tirado na cartola no final do Karate Kid (o duelo pode ser visto aqui).


Confissão: estes três últimos parágrafos de texto foram escritos antes de ter saído de casa para o concerto. Mas acabaram por, sem saber ler nem escrever, espelhar o que lá se passou. Voltemos ao Grande Auditório do CCB onde, de repente, as luzes se apagaram, o público gritou e na tela no fundo do palco foi projectada uma cena do Crossroads. – “This is it, this is the place”, “the deal is still on”. Logo a seguir entram em cena os músicos, Vai com um capacete de lasers que parecem sair-lhe dos olhos e outro feixe que brota da extremidade do braço da guitarra. A banda acompanha o início do duelo final do filme.

Seguem-se alguns dos grandes clássicos, o “Crying Machine” e um excelente “Tender Surrender”. Vai interrompe a música a seguir ao seu solo, fazendo um esgar de cansado, e esperando arrancar uma reacção do público. E conseguiu: a sala ergueu-se e foi a primeira ovação de pé da noite que o deixou visivelmente surpreendido. Seguiu-se uma sucessão de curtas frases na guitarra com o público a reproduzir as notas pelo meio até finalmente ser retomada a melodia da música para o final.

“You guys are in a very good mood tonight, aren’t you?”, diz-nos da primeira vez que se vira para o microfone. E em seguida diz-nos o que nos espera, nada mais do que o “Passion and Warfare” tocado na íntegra, de uma ponta à outra. Para arrancar, logo de seguida, surge a imagem de um concerto em que toca o primeiro tema, “Liberty”, juntamente com Brian May.

E esta é uma constante para o que aí vem. Não só são acompanhados pelos telediscos de alguns temas como, a meio do “Answers”, Vai anuncia o nome do seu amigo Joe Satriani, que surge no ecran a felicitá-lo e desafia-lo para uma jam. O que se segue são chases de oito compassos, primeiro tocados por Satriani, e outros tantos por Vai em resposta, durante algumas trocas, até passar a 4 compassos e terminar com ambos a tocar em uníssono. A piada volta a acontecer mais à frente no “The audience is listening”, desta vez com John Petrucci a participar no despique guitarrístico. Vai toca nos limites físicos da guitarra, este concerto deve ser um pesadelo de logística para o roadie, que tem de ter uma guitarra pronta para tocar a praticamente todos os temas.

Um destaque para o fantástico final do “For the love of God”, um exemplo da forma incrível como usa a barra de vibrato da guitarra, por vezes substituindo a palhetada da mão direita. Acabou a tocar com a língua nas cordas, numa espécie de french kiss que voltou a tirar o público da cadeira. Vai ficou novamente surpreendido, olhou para o baterista como que a perguntar “já viste isto?”; o baterista encolheu os ombros como quem diz “Vai lá, Vai”.

Uma surpresa foi deixada para o final, a seguir à exposição integral do “Passion and Warfare”. Após um tema de homenagem a Frank Zappa, Steve Vai chamou dois voluntários ao palco e explicou que o iriam ajudar a compor uma música. À Inês (“my darling”) pediu que indicasse a drum beat que o baterista iria tocar. Ao José pediu a linha de baixo. A Inês foi novamente solicitada, desta vez para indicar o que a guitarra ritmo iria fazer. Finalmente, ao José coube ir cantando ao microfone o que Steve Vai iria tocar na guitarra. E assim, em tempo real, Vai foi dobrando a voz do voluntário José, que não se inibiu de trautear frases que exigiram perícia do herói da guitarra.

O concerto termina com a sonoridade exótica do “Bangkok” no encore, depois de mais de duas horas e meia absolutamente electrizantes. O público levanta-se (outra ovação) e alguns vão até ao palco, ficam a trocar fist bumps com o guitarrista, que tira selfies com os voluntários que foram convidados a assistir ao resto do concerto no palco.


Retomo o título. Embora saibamos donde vem, não sabemos para onde Steve Vai. Ou até onde Vai. Nem o próprio deverá saber, Vai na volta. Mas, para onde quer que seja, deverá ser mais uma viagem marcante ao mundo da guitarrada, um autêntico Vai-e-vem de notas arrojadas. Ai Vai Vai.

domingo, 24 de julho de 2016

sábado, 23 de julho de 2016

Mário Laginha e a ópera italiana em destaque na 8ª edição do Festival ao Largo

(Publicado originalmente aqui)

Ao longo de três semanas, de 8 a 30 de Julho, a 8ª edição do Festival ao Largo traz grandes orquestras e nomes sonantes do canto lírico em 15 espectáculos ao largo livre, em frente à fachada do Teatro Nacional de São Carlos. Espectáculos para os quais – nunca é demais frisar – não é necessário bilhete, o festival é gratuito.

O festival tem uma programação musical bastante variada e, embora se centre na música, também contempla o teatro e a dança. Nos dias 13 e 14, os alunos finalistas da licenciatura em Teatro da Escola Superior de Teatro e Cinema (em co-produção com o Teatro Municipal São Luiz e o Teatro Nacional D. Maria II) apresentaram o clássico de Shakespeare “Sonho de uma noite de verão”, sob a direcção artística de Cristina Carvalhal, comemorando assim o 400º aniversário da morte do dramaturgo britânico. Já à dança caberão as honras de encerramento do festival, com a Companhia Nacional de Bailado a subir ao palco no final da semana que vem, nos dias 28, 29 e 30, apresentando, respectivamente, “Serenade” de George Balanchine, “Herman Schmerman” de William Forsythe e os “5 Tangos” de Hans van Manen.

Relativamente à programação musical, este ano incluiu obras do pianista e compositor português Mário Laginha e, pela primeira vez, uma ópera.

O músico português esteve no arranque do festival na sexta-feira e sábado, dias 8 e 9. A Orquestra Sinfónica Portuguesa, sob a direcção de Cesário Costa, interpretou “Mãos na pedra, olhos no céu”, composto por Mário Laginha para o filme de João Botelho sobre a cidade do Porto, “As mãos e as pedras”, que estreou na aberta do Porto Capital Europeia da Cultura em 2001.

Na quinta-feira, dia 21, Mário Laginha juntou-se à Orquestra da Gulbenkian, dirigida por Pedro Neves, para interpretar duas composições. A primeira composição foi o concerto para piano e orquestra do pianista português, obra estreada em 2009 no 31º Festival Internacional de Música do Algarve. O concerto tem três andamentos e, segundo o próprio, está repleto não só de influências do mundo da música clássica – Mozart, Beethoven, Prokofiev, Ravel, etc. –, mas também doutras esferas musicais do pianista, com o jazz à cabeça – a certa altura, ia jurar que ouvi Gershwin –, mas também música étnica, na torrente de ritmos diferentes que Laginha imprime às teclas do piano. Da mistura destas influências, algo que o pianista refere ser um tarefa difícil e arriscada, nasceu este concerto. A segunda dispensa qualquer tipo de apresentação: a quinta sinfonia de Beethoven, sobejamente conhecida, cujo motivo inicial – pa-pa-pa-paaan, pã pã pã pãããn – é seguramente dos trechos musicais mais emblemáticos.

A fechar a programação de música do festival, a Orquestra Sinfónica Portuguesa e o Coro do Teatro Nacional de São Carlos interpretaram a ópera Cavalleria Rusticana, do compositor italiano Pietro Mascagni, sob a direcção musical de Domenico Longo, na sexta-feira e no sábado, dias 22 e 23. Nos principais papéis: a soprano Mary Elisabeth Williams dá corpo e voz a Santuzza, a jovem camponesa; o tenor Lorenzo Decaro a Turiddu, o jovem aldeão que acaba de regressar do serviço militar; a sua mãe, (Mamma) Lucia é interpretada pela mezzo-soprano Laryssa Savchenko; o barítono Luís Rodrigues é Alfio, um carreteiro; finalmente, a mezzo-soprano Maria Luísa de Freitas é Lola, a mulher de Alfio. Uma excelente interpretação da ópera, considerada a primeira do “verismo”, o movimento realista italiano, onde se destacou a fantástica performance de Mary Elisabeth Williams, que arrancou a maior ovação da noite da multidão que encheu a praça.

Para os mais distraídos: ainda é possível ver 3 espectáculos de bailado. Já agora, não sei se já vos disse, mas é à borla.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Não podemos apanhar o autocarro muito tarde na sexta-feira porque começa o sabbath e o serviço é interrompido.

A distância é pequena e a viagem curta, chegamos a Tel Aviv a meio da tarde. O hotel fica a poucos metros da longa praia ao longo da qual a cidade se estende. Tiramos o que resta da tarde para também estendermos as costas na areia e ignorar, como os locais, as placas com a indicação de proibição de nadar nas zonas não concessionadas, assim como as fitas vermelho e branco, que parecem delimitar o local de um crime.

Recebemos a notícia de que tinha havido um atentado, com vítimas mortais, nesta cidade uns dias antes, enquanto ainda estávamos no calor do deserto. Pouco depois houve um outro atentado numa discoteca nos Estados Unidos, com um saldo muito pior, e Tel Aviv de imediato saiu do radar da comunicação social.

É claro que as questões relacionadas com a segurança são incontornáveis em Israel mas a constante presença sente-se menos do que seria expectável – talvez por isso, porque é constante, transforma-se numa rotina que tende para a invisibilidade. Há, de facto, um aparato policial impressionante em zonas críticas como a cidade velha de Jerusalém e vêem-se bandos de miúdos fardados que deverão estar a fazer o serviço militar, que também é obrigatório para o sexo feminino. Mas talvez a única situação que me causou alguma estranheza é a dos civis que se passeiam com metralhadoras à tiracolo pela rua – militares de folga, voluntários? De resto, os procedimentos de segurança do aeroporto são exaustivos (eufemismo): convém ir com bastante antecedência sob pena de perder o voo com o tempo que a verificação do interior dos volumes levados para a cabine consome. E, a certa altura, passar num detector de metais para entrar num centro comercial ou numa estação deixa de ser notório.

Mas é só isso. Contrariamente àquela que pode ser a percepção generalizada, Israel é um país relativamente calmo, pacato e agradável para turistas. Os locais podem não ser a maior simpatia do mundo o que, novamente, me faz lembrar os russos, a propósito da sua proverbial hospitalidade.

terça-feira, 19 de julho de 2016

Aventuramo-nos pela primeira vez nas ruas da cidade velha ao final da tarde.

Descemos a rua de David, por entre as portas de metal das lojas, navegando pela multidão. À direita surge a indicação Western Wall. Descemos as escadas, andamos ao longo da varanda com vista para a praça do Muro das Lamentações com a cúpula dourada da mesquita ao fundo. Um grupo de maioritariamente jovens faz duas rodas enormes: uma de homens e outra de mulheres. Cantam em conjunto, de braços abertos nas costas dos parceiros do lado. Passamos pela segurança e pelo detector de metais para entrar na praça. Paramos um pouco a observar junto de um biombo que nos separa do muro onde se encontram maioritariamente judeus ortodoxos.
À saída da praça, passamos pelos túneis e desembocamos no acesso à sinagoga, um arco e, do outro lado, um tipo a controlar a entrada dentro de uma casinhota. Pergunta-me
Where are you from?
Respondo, não entende de início, assim que percebe estende o braço, indicando o caminho
Welcome
À saída tentamos continuar a descer a rua de David e somos interpelados por um dos polícias
Where are you from?
Respondo-lhe e ele acrescenta
This area is for muslims only.
Ficamos até ao cair da noite, as portas fechadas e o esvaziamento das ruelas dão um carácter sombrio e soturno ao passeio.

Na manhã do dia seguinte, sexta-feira, o aparato policial perto do Muro das Lamentações é ainda mais impressionante. Filas de carros estacionados e carrinhas que despejam batalhões de colete à prova de bala e mão direita na pistola guardada à frente, na região abdominal, para mais fácil acesso. Quando começa a aproximar-se o meio-dia, enchentes de muçulmanos descem a rua de David, a caminho da zona que nos é vedada e onde está a mesquita. Palmilhamos o bairro arménio, subimos a via Dolorosa da Igreja da Flagelação até ao Santo Sepulcro.

Ao levantar as malas do hotel, trocamos umas palavras com a recepcionista e da nossa impressão favorável que levamos de Jerusalém. Responde de imediato
That’s because you don’t have to stay here for sabbath.
Saímos para apanhar o eléctrico que sobe a longa rua de Jaffa até à estação de autocarros.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Uma homenagem ao rock feita pelo jazz dos jardins do Instituto Goethe.

(Publicado originalmente aqui)


O jardim do Instituto Goethe abriu as portas para receber mais uma edição do Jazz im Goethe Garten (JiGG para os amigos), anfitrião de um total de oito concertos, nos finais de tarde de terça a sexta-feira. A programação – cuja responsabilidade é de Rui Neves, que também dirige o “Jazz em Agosto” da Fundação Calouste Gulbenkian – trouxe, como é hábito, as novas tendências e a vanguarda do jazz moderno e contemporâneo. Este ano, a organização privilegiou os trios – formação mais representada – mas também duos de pianos e quartetos, com músicos de diversas nacionalidades: Espanha, Suíça, Áustria, França, Itália, Luxemburgo, assim como instrumentistas alemães e portugueses.


Sem nenhum desprimor para as demais bandas do festival, aqui fica um destaque a dois projectos que, de formas distintas, prestaram uma interessante homenagem a dois “power trio” emblemáticos da música rock.
O primeiro foi o projeto austríaco, embora composto por músicos de diferentes nacionalidades, Hang ‘Em High (o mesmo nome do western protagonizado por Clint Eastwood), que tocou na sexta-feira, 8 de Julho. A formação é composta pelo polaco Bond, no baixo de duas cordas, o suíço Lucien Dubuis no saxofone tenor, clarinete baixo e contrabaixo e o (este sim) austríaco Alfred Vogel, na bateria e percussões.

Esta formação devia ter sido dica suficiente para perceber o que aí vinha (pista: não adicionei o pormenor das duas cordas do baixo por acaso). Bastaram as primeiras notas, os primeiros acordes e riffs saídos daquele baixo, para de imediato ter recuado no tempo e ser levado até 1999, ano em que, enquanto esperava por um concerto de Paradise Lost, assisti, por acaso, a um support act de uma banda que se chamava Morphine. Não conhecia rigorosamente nada deles; aliás, nem sequer sabia que existiam. É certo que o set longo que tocaram – que se prolongou ainda mais pelos discursos em português quebrado do vocalista e baixista (de duas cordas!) Mark Sandman – fez com que, a certa altura, desejasse que terminassem e deixassem os cabeça-de-cartaz subir ao palco. Até porque a noite já ia longa, antes deles, já tinham tocado os Blasted Mechanism e os Wonderland.

Mas gravei na minha memória o nome daqueles três tipos, com uma formação e um som totalmente diferente do que até então tinha ouvido (e depois de então). Devo confessar que para isso também contribuiu, como costuma ser nestas coisas, o facto de, poucos dias depois, ter recebido uma chamada de um dos amigos que viu comigo esse concerto, para dizer que tinha acabado de saber que Sandman tinha morrido em palco, perto de Roma, vítima de um ataque cardíaco.

Os Hang ‘em high são uma banda instrumental, não têm um vocalista como os Morphine tinham. Nas suas composições, este papel acaba por ser ocupado pelo espaço adicional para o saxofonista e pela improvisação. Mas o som é bastante similar: arrastado, algo sombrio, fruto dos riffs saturados e impregnados que saem do baixo, e do qual o tema “Edges”, disponível no site oficial da banda, é um excelente exemplo. É o “low rock”, o termo que Sandman usava para descrever a música da sua banda, aludindo a um estilo de rock que, de forma quase herética à altura, põe (orgulhosamente?) as duas cordas do baixo no pedestal outrora ocupado pela guitarra. O resultado é um trio ancorado no som bastante particular daquele baixo, com afinações alternativas, tocado com slide, donde saem as tónicas, que às vezes se juntam a quintas de power chords pujantes e carregados de intenção e intensidade. É certo que o saxofone não é barítono como o de Dana Colley, mas o clarinete baixo e contrabaixo contribuem igualmente para essa ambiência algo soturna, como se introduzissem uma voz de registo grave a um total de outras vozes já de si particularmente graves. O termo “low” tem essa ambivalência: tanto pode ser alusivo ao registo musical como, no limite, a um determinado estado de espírito.


Na terça-feira 12 de julho foi a vez dos franceses Journal Intime, o segundo projecto que aqui destaco. Trata-se de um trio de sopros com Sylvain Bardiau no trompete, Frédéric Gastard no saxofone baixo e Matthias Mahler no trombone. Recorrendo tanto à língua materna como a um inglês cravejado do sotaque da língua materna, Gastard faz o aviso à navegação de que o concerto será uma “viagem ao coração da música de Jimi Hendrix.”.

Ao contrário dos Hang ‘em high, os Journal Intime fazem versões das músicas do guitarrista legendário. O primeiro tema põe de imediato as cartas em cima da mesa. Após uma introdução dissonante ao estio “free jazz”, rebentam as primeiras notas do “Foxy Lady” e, pouco depois, dou por mim a cantar entredentes, baixinho “You know you're a cute little heartbreaker”. O trompetista fica em evidência no tema seguinte, “Hey baby”, tocando a solo de uma forma que parece que fala e faz um discurso, com inflexões de voz. Seguem-se outros temas marcantes do guitarrista americano, como “Come on let the good times roll”, “Angel” e o original de Bob Dylan “All along the watchtower”.

Os dois momentos mais altos do final de tarde vieram na última parte do espectáculo. Um deles foi numa excelente versão que desconstrói o “If 6 was 9”, iniciando-se com o trompetista e o saxofonista a produzirem sons apenas com os bocais dos respectivos instrumentos, e só a meio da música os voltam a encaixar novamente e a tocar de forma regular. Para último tema do set, os músicos reservaram o tema “Lover man”, uma versão de Hendrix do original de Muddy Waters com o título de “Rock me baby”. A introdução é tocada a solo pelo saxofonista que produz duas linhas melódicas em simultâneo, uma espécie de arpejo na linha de baixo, enquanto os harmónicos de três notas fugidias se ouvem na linha do topo.

O saldo final é bastante positivo. O JiGG é um evento recheado de projectos interessantes e, tendo em conta os preços dos bilhetes, apresenta uma relação qualidade-preço invulgarmente boa, quando comparada com outras alternativas para ver e ouvir música do mesmo género.

sexta-feira, 15 de julho de 2016

UK

«Thanks to the new show, I had to visit an immigration office in Chicago to extend my work visa (...). It was, of course, meant to be a purely routine matter: I filled the form in carefully and presented it to the immigration officer, a guy in his mid-fifties. The ensuing dialogue went as follows:
‘Are you British?’
‘Yes.’
‘What's this then?’
‘Oh! That's my citizenship.’
‘You said you were British.’
‘... I'm sorry?’
‘Are you Ukrainian?’
‘...Ukrainian?’
‘It says here "UK".’
‘Oh! No, that's the United Kingdom.’
‘The what?’
‘The United Kingdom. England, Scotland, Wales and-‘
‘UK is Ukraine.’
‘Um. I don't think so. You know when they have debates in the Security Council, the British ambassador has a little sign in front of him which says "United Kingdom". UK...’
‘UK is Ukraine.’
‘I promise you, I did international law at Cambridge, and-‘
‘Are you Ukrainian?’
‘...No, but-‘
‘Change it please. There's a law against giving incorrect information.’»

So anyway, John Cleese

sexta-feira, 8 de julho de 2016

Ignoro as constantes missivas (exortações) para me explicar.

Às vezes até é mais do que isso. É justificar, o que estabelece à partida o meu erro. E, por isso, não tenho outro remédio senão evitar, porque não entendo que esteja, por princípio, errado. Não invalida que, com as constantes investidas, não dê por mim, mais do que aos outros, a explicar-me a mim próprio. E isso não tem justificação.

terça-feira, 5 de julho de 2016

Mañana

Incomoda-me ter emails por ler no email pessoal mas acumulo centenas no endereço profissional.

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Um pouco depois das 8h15 surge uma senhora (sim, russa) para nos buscar.

A distância até à fronteira é muito pequena. Saímos da carrinha e ela ajuda-nos com os trâmites para sair de Israel. Depois de tratar da papelada (leia-se, pagar) diz-nos que temos de avançar até à saída, caminhar até à Jordânia e, do outro lado, dirigir-nos a um tipo chamado Hassan que tratará dos vistos de entrada.

Há um conjunto significativo de turistas nas mesmas condições que nós, a maioria a cargo de outro tipo que os trata como meninos da escola. Pouco depois, surge um segundo tipo, bastante musculado, lenço vermelho e branco na cabeça e óculos escuros. Este sim é o nosso guia, que nos levará na viagem de cerca de duas longas horas, com um ar condicionado não chega para as 11 pessoas dentro da carrinha.

Depois de uma curta paragem antes de começar a descer o vale, chegamos ao centro de visitantes. Daqui começamos a descer um caminho largo. Vamos parando, o guia vai explicando a história do local e apontando a nossa atenção para as grutas, os nichos, as construções nas rochas. Oitocentos metros até chegar ao início do Sik, o desfiladeiro que termina na construção principal do complexo. É aqui que começo a evocar o Indiana Jones, serpenteando por entre a estrutura impressionante, em alguns locais bastante estreita. Pouco mais de um quilómetro e, ao fundo, por entre o intervalo das paredes altas começa a vislumbrar-se o Treasury. Avançamos até sair do espaço delimitado pelas rochas e à nossa frente está uma estrutura ampla com o edifício mesmo de frente. Apetece entrar para ir procurar o cálice de madeira mas infelizmente não é possível visitar o interior.

Não temos muito tempo e todos querem ir até ao Convento, uma segunda estrutura similar ao Treasury (embora não tão impressionante) que fica a cerca de 3 quilómetros e a umas centenas de degraus de altura. Dada a restrição horária, o guia aconselha-nos a fazer negócio com os miúdos que alugam burros: 15 dólares mais gorjeta e em meia hora os pobres bichos levam-nos até aos limites do complexo, incluindo os degraus.

O tempo muda. O céu fica cinzento, o vento avança pelo túnel criado pelas rochas, levanta areia. Parece uma tempestade como nos filmes, sinto-me uma espécie de Lawrence da Arábia com uma única preocupação: fechar a máquina e pô-la no estojo para evitar que areia entre no mecanismo e danifique alguma coisa. Recusamos os burros à descida, as razias que fazem ao precipício já são suficientemente assustadoras à subida. Fazemos o trajecto inverso e estamos de regresso à hora combinada.

terça-feira, 28 de junho de 2016

Estrada 90

A Estrada 90 segue ao longo da fronteira com a Jordânia, ladeia o Mar Morto, atravessa o deserto do Negev e só termina na pequena faixa do território de Israel banhada pelo Mar Vermelho. Numa estreita faixa de terra, Egipto, Israel, Jordânia e Arábia Saudita estão apenas a algumas dezenas de quilómetros, avistam-se à vista desarmada.
Só havia uma razão para aqui vir: a facilidade com que se cruza a fronteira para a Jordânia (mediante o singelo pagamento de mais de $100 entre a saída de Israel e a entrada na Jordânia (e um carimbo)) e – possivelmente consequentemente – a grande oferta de tours para ir a Petra. Pedimos ao receptionista (russo, adivinharam) que nos marque a viagem para o dia seguinte. Diz-nos que é uma excelente ideia, que ele próprio já a fez e gostou muito. Infelizmente não sabe se haverá um grupo para amanhã. Sofro um pouco enquanto pega no telefone para verificar.
You are lucky
Diz-nos após desligar. Às 8h15 no lobby.
Bring a hat, sunscreen and lots of water.
Passeamos à noite à beira do mar, uma espécie de paredão repleto de bares, restaurantes e lojas de souvernirs. Tiro uma fotografia a um termómetro que marca 38 graus às 20h21. E há russos por todo o lado. Mas com uma diferença. A idade média diminuiu consideravelmente. Este já não é o destino das dores de cruzes e problemas cutâneos. É mais uma espécie de Algarve. Com detectores de metais à porta dos centros comerciais com ar condicionado.

domingo, 26 de junho de 2016

O funcionário do hotel pede-nos desculpa

It’s been a long day
Está visivelmente cansado.
Only two more hours to go
Diz-nos com quanto contentamento consegue reunir. Enquanto trata das nossas coisas, fala com outra funcionária em russo. Estranho de início. Pouco depois entranho e percebo. O hotel está cheio de russos, há inúmeras indicações em cirílico, possivelmente atestando a origem russa de uma proporção da população.
Mudamos de roupa rápido, o dia está a acabar e estamos mortos por experimentar a afamada água do mar morto (piada não intencional). A praia privada do hotel já fechou, resta-nos a pública ou comum que não tem espreguiçadeiras nem nadador-salvador
At your own risk
Tinha-nos dito o moço cansado, fluente em russo, como se fosse fisicamente possível alguém afogar-se naquela água quente e que constantemente nos impele para a superfície, como se nos expulsasse, como se fossemos uns visitantes indesejados. É difícil manter os pés para baixo, no fundo mas, ainda assim, sinalizações com
Danger of drowing (em hebraico, árabe, inglês e, adivinharam, russo).
As restantes indicações advertem para não mergulhar e não deixar a água entrar em contacto com os olhos, não ingerir.
(Este que vos escreve – e apesar das precauções – não evitou as duas e confirma que arde imenso nos lábios e olhos.)
Olhando em redor, sinto que estamos deslocados em faixa etária: somos dos mais novos. O mar morto é um destino para quem sofre de maleitas, para quem procura o alívio daquela água salgada com propriedades medicinais, da lama e dos spas com jacuzzi e massagens. É divertida a sensação de ser uma boia mas não poder mergulhar na água é uma limitação que não se espera de um mar. Ou é para quem precisa verdadeiramente de papas e descanso, ou então rapidamente se esgota na piada do primeiro mergulho. No limite, vale mais pela paisagem de cortar a respiração.
Rumamos mais a sul.

Making a killing

Óptimo artigo da New Yorker sobre a evolução do negócio de armas nos EUA aqui.

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Innuendo

Não é só no português coloquial que a palavra "pacote" é utilizada com aplicações anatómicas. Mas é interessante apreciar o diferente significado em português e inglês.

quinta-feira, 16 de junho de 2016

Scan

A primeira vez que o disse, disse-o sem se aperceber do que tinha dito. Como se fosse uma qualquer banalidade. Nem a alteração de expressão da pessoa à sua frente lhe levantou qualquer tipo de suspeita. Para além de não ter sabido perceber o que tinha dito, de não ter sabido interpretar-se, também não soube interpretar aquilo que outros interpretaram. Só mais tarde se lhe tornou claro, depois de ter parado para se ouvir. Olhou-se no espelho, quis perceber donde aquelas palavras tinham vindo. E só então se reconheceu.

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Deu-nos um envelope, uma folha e uma caneta.

Pediu-nos para escrever o nosso nome e morada no lugar do destinatário. E depois pediu-nos para escrevermos a nós próprios. Prometeu-nos que iríamos receber aquela carta, sem aviso, algures no intervalo de um ano. A ideia era interessante e gira - tornou-se menos quando percebi que era decalcada, como quase tudo, de um livro. Rapidamente escrevi umas linhas que me pareceram adequadas, até inspiradas, e fiquei à espera que os outros acabassem, dobrados sobre o chão que usámos como mesa.

Passados cinco, seis meses, aí estava o envelope na caixa do correio. Inesperado. Mas a reacção já era esperada. No decurso desses cinco, seis meses, lembrei-me do exercício e da carta cuja chegada seria iminente. E lembrei-me, em traços gerais, do que tinha escrito. Percebi que não ia gostar. Demasiado banal, pouco pensado e reflectido. Claro que um aviso prévio de que nos iria ser pedido que escrevêssemos naquela folha branca tiraria o sentido ao exercício. O elemento da surpresa é fundamental. Mas, sobretudo, fez-me perceber que não me percebia. Ou não me percebi naquele momento. E que teria sido (é?) útil perder (?) algum tempo a pensar no que escrever-me.