quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Jacob (Collier) of all trades, master of all

(Publicado originalmente aqui)

Magrinho, franzino, com uma popa de gel, calças de harém e t-shirt uns quantos números acima: assim irrompe energicamente (para não dizer freneticamente) pelo palco do Teatro Capitólio Jacob Collier. O jovem prodígio da música, de 24 primaveras de idade, começou a dar nas vistas há cerca de uma meia dúzia de anos atrás, a propósito das interpretações originais que fez de algumas músicas conhecidas e que carregou no youtube. Os vídeos foram propalados e o resto, adaptando um termo da gíria contemporânea, é pura viralização (conceito meu).

O sucesso viria a expandir-se, senão a cimentar-se, com o lançamento, em 2016, do seu álbum de estreia, “In my room”, que tem uma particularidade bastante interessante: todas as tarefas – interpretação, escrita de arranjos, gravação e produção – associadas ao seu álbum foram levadas a cabo, na íntegra, pelo próprio. No ano seguinte, viria a receber dois Grammies por dois dos temas do álbum: uma versão do tema dos Flinstones e o clássico de Stevie Wonder “You and I”.

Apoiado por uma equipa do MIT que o ajudou a desenvolver hardware e software que permitissem executar, ao vivo, os temas que tinha gravado na sua sala musical familiar, Jessie fez uma digressão com um círculo de instrumentos em palco e com uma panóplia de looping stations, que lhe permitiam fazer uma série de playbacks simultâneos. Isso e um harmonizer, um instrumento que foi desenhado exclusivamente para o moço e cuja função dificilmente conseguirei pôr por palavras (embora, ainda assim, tente): digamos que dá corpo à voz original, adicionando-lhe camadas e alturas diferentes, por forma a parecer que está a cantar várias notas em simultâneo.

Não foi este formato de one-man show com que o multi-instrumentista se apresentou no Teatro Capitólio em Lisboa, mas sim em quarteto, que o acompanhará na promoção do seu novo álbum intitulado “Djesse”. É aqui que tenho que me desculpar, fazer um mea culpa, mas o facto de ter estado de pé invalidou grande parte das minhas notas deste concerto. Por isso – e também porque os aplausos e assobios não ajudaram a perceber o que foi dito – apenas arrisco o nome do baixista, Rob Mullarkey. Já os nomes do baterista e da cantora/pianista/guitarrista/seguramente-mais-instrumentos-que-me-estão-a-escapar são gatafunhos seguidos de vários pontos de interrogação. E isso é particularmente enxovalhante no caso desta última, uma vez que se trata de uma jovem portuguesa, e que devia ser conhecida de metade da audiência, que estava a torcer e a apoiá-la de forma bastante notória e audível.

Apesar da referida formação em quarteto, não significa que o jovem se dedique a tocar um único instrumento no decurso do concerto. Longe disso. Muito longe disso. Na maior parte dos casos, vai alternando de instrumento, ao mesmo tempo que canta, e intervalando com rápidas deslocações até ao limiar do palco, lá bem perto do público. Um dos poucos temas em que apenas toca um instrumento é a versão espectacular do tal “You and I” de Stevie Wonder, na qual Jacob fica sozinho em palco ao piano (ou teclado) e consegue gerar uma interacção intensa com o público e arrancar a maior ovação da noite. Impressionante é também o controlo e domínio do baixo eléctrico. E, claro, da voz: dos sons mais graves – para mim, os seus registos mais impressionantes – até ao falsete, Jessie tem ao seu dispor uma tessitura longa, que não parece exigir grande esforço para se fazer ouvir.

A música abarca de tudo um pouco: inclui elementos do jazz, funk, música folk, gospel e soul, mas também de música electrónica e clássica. Tudo com groove; muito groove. O grau de elaboração dos arranjos, das harmonizações, da componente rítmica, da improvisação, da riqueza dos instrumentos utilizados e a qualidade de execução não parecem ser compatíveis com a tenra idade de Collier. Há um nível de maturidade musical muito elevado em praticamente todos os níveis e detalhes. Não obstante, a música e a interpretação têm uma certa aura de inocência ou ingenuidade, que diria mais compatível com a idade, embora envoltas numa espécie de falsa simplicidade que camufla toda a engrenagem elaborada subjacente.

A sabedoria popular estrangeira costuma dizer “Jack of all trades, master of none”. Mas, neste caso, este Jacob de todos os ofícios parece ter um claro e sério grau de mestria sobre todos eles. Ficamos à espera do regresso para breve de Collier a Portugal, desta vez ao Cool Jazz Fest, a 16 de Julho. Pode ser que, por essa altura, aumente a parada e faça um número adicional, que envolva tocar uns sete instrumentos diferentes ao mesmo tempo, a fazer o pino, com uma camisa de forças vestida, enquanto faz equilibrismo num arame a 20 metros do chão. Prepara-te, Houdini.

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

A senhora tem uma no ventre e uma expressão de desconforto.

No topo esquerdo do anúncio, lê-se "muitos fritos este Natal?" e, no topo inferior direito, a promessa de que, ao tomar o produto publicitado, que o intestino ficará a funcionar como um relógio. O que é uma afirmação que suscita profunda reflexão: questiono-me se quereria o meu intestino a funcionar como um relógio. Da mesma forma que tenho sérias dúvidas se quereria que o meu relógio funcionasse como um intestino.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Não é uma imagem bonita

Sempre que, a propósito de toalhas, ouço falar em lavar turcos, imagino uns quantos Erdogans a ser enfiados numa banheira e esfregados com uma esponja.

domingo, 27 de janeiro de 2019

Lealdade grupal II

«De facto, as histórias falsas têm uma vantagem intrínseca relativamente à verdade no que toca a unir pessoas. Se queremos medir a lealdade grupal, pedir às pessoas que acreditem em absurdos é um teste muito melhor do que pedir-lhes que acreditem na verdade. Se um grande chefe diz: «O sol ergue-se a oriente e põe-se a ocidente», não é preciso ser-se leal ao chefe para aplaudir. Mas se o chefe diz: «O sol ergue-se a ocidente e põe-se a oriente», só quem lhe é realmente leal aplaudirá. Do mesmo modo, se todos os nossos vizinhos acreditam na mesma história fantasiosa, podemos contar com eles num momento de crise. Se apenas estiverem dispostos a acreditar em factos confirmados, o que prova isso?»

21 lições para o século XXI, Yuval Noah Harari

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Lealdade de grupo

«Dar às pessoas mais ou melhor informação dificilmente melhorará a situação. Os cientistas esperam desfazer equívocos através de um melhor ensino das ciências, e os comentadores esperam mudar a opinião pública relativamente a temas como políticas de saúde ou o aquecimento global apresentando ao público factos rigorosos e relatórios de especialistas. Essas esperanças baseiam-se numa incompreensão da forma de pensar dos seres humanos. A maioria dos nossos pontos de vista é moldada pelo pensamento de grupo e não pela individualidade racional, e agarramo-nos a estas perspectivas devido à lealdade de grupo. O mais provável é que bombardear as pessoas com factos e denunciar a sua ignorância individual saia pela culatra. A maioria dos seres humanos não gosta de factos em excesso, e certamente não aprecia sentir-se estúpida. Não presuma que conseguirá convencer apoiantes do Tea Party acerca da verdade do aquecimento global mostrando-lhes tabelas de dados estatísticos.»

21 lições para o século XXI, Yuval Noah Harari

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

O trolley do presidiário

O privilégio de ver gente a entrar no ginásio ou health club de trolley não é novo: o som das rodinhas no chão de pedra balneário a dentro faz lembrar os carrinhos para carregar as compras, normalmente associados a uma faixa etária mais alta. Agora ir para a prisão com um trolley pela mão é algo que só recentemente, a propósito de recentes prisioneiros em casos mediáticos, pude apreciar. Parece quase que estão a fazer check in só com bagagem de cabine, não despacham nada para o porão para poupar na tarifa. Ou vão em low cost. Mas é curioso e até inesperado: para as estadias relativamente prolongadas que se esperam num encarceramento, um trolley parece manifestamente insuficiente.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Kudos

Quando um canhoto se refere a alguém como o seu "braço direito" estará a dizer que essa pessoa é um empecilho?

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Murray

Nunca fui um grande adepto: do grupo dos big four, é aquele cujo estilo de jogo me interessa menos. Foi triste assistir à conferência de imprensa pré Open da Austrália, na qual fez o anúncio emotivo do final da carreira, por não resultar de uma vontade própria, nos seus próprios termos, mas sim de um obstáculo físico. Numa altura em que a longevidade dos atletas profissionais parece atingir novos limiares - e não é só no ténis, que está repleto de exemplos -, de repente, os 31 anos de Andy Murray parecem precoces, quando há não muito tempo (basta recuar uma geração de jogadores) seriam uma idade perfeitamente normal para arrumar as raquetes.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

D'ouro

Dificilmente poderá existir um nome mais apropriado para um urologista que Midas

domingo, 6 de janeiro de 2019

Eólica e hídrica

Em termos médios, o ano passado "foi marcado por uma incorporação renovável no consumo elétrico de 55,1%", o que correspondeu a um aumento de 28% relativamente a 2017. O balanço recorda que em março de 2018 a produção de energia renovável "foi suficiente para satisfazer o consumo total de eletricidade em Portugal Continental, com especial contribuição das tecnologias eólica e hídrica".

A sério...?

Eddie Redmayne, actor que interpretou Stephen Hawking no filme que retrata a sua vida, escreveu o seguinte no prefácio do livro "Breves respostas às grandes perguntas", que reune um conjunto de textos do acervo do cientista:

«Nervoso, lembrei-me de falar com ele acerca do facto de as nossas datas de aniversário terem apenas alguns dias de diferença, pelo que partilhávamos o mesmo signo do zodíaco. Ao fim de alguns minutos, Stephen respondeu: «Sou um astrónomo. Não um astrólogo.»»

sábado, 5 de janeiro de 2019

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

O racional da racionalidade

«Rationality is an a priory assumption about the way the world should work rather than a description of the way the world actually worked. The assumption that investors are rational in the long run is a useful hypothesis because it illuminates understanding of changes in prices in different markets; in the terminology of Karl Popper, it is a 'pregnant' hypothesis. Hence, it is useful to assume that investors are rational in the long run and to analyze economic issues on the basis of this assumption.»

Manias, panics and crashes, Robert Aliber e Charles Kindleberger