terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Da leveza

É um contra-senso: aquilo que se designa por drogas pesadas é normalmente administrado em doses que não ultrapassam alguns gramas.

domingo, 26 de fevereiro de 2017

Mehldau, Grenadier e Ballard ou uma crónica sem título sobre um trio que dispensa títulos

(Publicado originalmente aqui)

Os bilhetes para o Grande Auditório do Centro Cultural de Belém esgotaram para ver um habitué dos palcos portugueses. Brad Mehldau regressou, desta vez em trio, com Larry Grenadier no contrabaixo e Jeff Ballard na bateria. O trio juntou-se para a gravação do mais recente álbum, “Blues and Ballads”. Trata-se do quinto desta parceria, que começou em 2005 com “Day is done”, que marca a estreia de Jeff Ballard aos comandos da bateria deste trio, substituindo Jorge Rossy.

A receita é simples e muito pouco diferente daquilo que já temos visto inúmeras vezes: versões soberbas de um conjunto de músicas clássicas. Do bebop intenso de “Cheryl” de Charlie Parker ao tom bluesy das dores de amor de “Since I fell for you”, popularizado por Lenny Welch, passando pelo famosíssimo “These foolish things”. Nas também habituais incursões pelo mundo da pop/rock, os homenageados são, desta vez, os Beatles, através do tema “And I love her”.

Nunca é pêra doce pegar em temas deste calibre. Porque são o oposto de mares nunca dantes navegados, são o estreito de Malaca ou o Canal do Suez. Talvez seja esta – e perdoem-me o pleonasmo intencional – a marca mais marcante de Mehldau e deste trio: a reinvenção da roda. Ir além da Taprobana. Isto é, conseguir reinventar aquilo que já parece mais do que inventando, totalmente exaurido, dando uma certa imprevisibilidade a algo que, de tão trilhado que já foi, não deveria, pela lógica das coisas, gerar nada de novo.

E porém gera, diria Galileu Galilei, se lhe dessem a ouvir esta gravação sem correr nenhum risco de ir parar a uma fogueira inquisitória. E a forma como essa imprevisibilidade é atingida é outro ponto de destaque. Em muitos momentos, o jazz – a música? – avançou de mãos dadas com a complexidade, com a exigência, com a sofisticação. É, afinal de contas, um sentido que parece natural, não só na arte como, também – melhor exemplo será difícil – na ciência. Assim como em coisas mais mundanas como carros e telemóveis. Não se trata de uma verdade absoluta, claro: noutras alturas, deu um passo à frente dando, possivelmente, um atrás: tirando o pé do acelerador, voltando às raízes e explorando a simplicidade – penso no jazz modal, por exemplo. Nisso e no ecran táctil do iPhone. Há quem ao chame genericamente ao processo kiss it simple, stupid.

É esta última abordagem que este trio parece empregar. Digo trio embora, a César o que é de César, muito deste processo é da inteira responsabilidade de Mehldau: a capacidade de conseguir tirar tanto de uma estrutura tão simples, sem esgotar, sem parecer repetitivo, redundante ou aborrecido. Tanto sumo a partir da mesma laranja. Que muitos poderiam, à partida, considerar seca e ressequida. Quase parece contradizer a expressão que afiança a necessidade de ovos para fazer omeletes.


Mas regressemos ao auditório, onde os músicos entretanto subiram ao palco, Mehldau fazendo as suas típicas vénias, o “thank you” que conseguimos ver-lhe nos lábios mas não ouvir. E começaram por tocar aquilo que, mais lá para a frente, Mehldau irá designar por “new music”.

E música nova porque, para a primeira parte do set, o trio reserva-nos essencialmente o futuro, temas novos da autoria do pianista. Alguns títulos: “Gentle John”, “Strange gift”. Outros casos em que, de tão recentes, como o terceiro tema da noite, as composições são referidas como “no title yet”. E ainda uma interessante dedicatória ao guitarrista alemão Wolfgang Muthspiel, através do tema “Wolfgang’s waltz”, que consta do álbum “Rising Grace”, em que tanto Mehldau como Grenadier participaram.

Após este primeiro bloco de música maioritariamente inédita, temos a primeira e única incursão pelo álbum “Blues and Ballads”: o trio presenteia a audiência com o tal “And I love her”. A versão ao vivo é lindíssima, com um trabalho notável de Ballard. Surpreende mesmo para quem, como eu, já ouviu a gravação do tema de Lennon e McCartney inúmeras vezes. É caso para dizer “we do love it”.

Voltamos a outro caso de uma composição órfã de título, a segunda do género da noite. Mehldau afasta o corpo do piano, em direcção ao público, apenas a mão esquerda a tocar as teclas, atestando a capacidade do pianista de explorar um mesmo motivo até ao limite, até à exaustão, enquanto deixa o espaço suficiente para encarregar a secção rítmica de ocupar uma posição dianteira na condução.

“We appreciate your good energy. Good energy is very important these days”, diz-nos Mehldau antes de se virar novamente para o teclado e iniciar o “Si tu vois ma mère” de Sidney Bechet, o primeiro saxofonista de jazz a atingir notoriedade. Se a meio do tema o solo de Grenadier já teve o condão de arrancar uma estridente ovação, o final com Mehldau totalmente sozinho durante minutos é um dos pontos altos da noite. À primeira saída de cena dos três músicos segue-se o primeiro encore com “West Coast Blues” e, após nova saída, um segundo encore frenético, que termina com uma chases diabólicos, que vão vendo a dimensão reduzir-se progressivamente ao mesmo tempo que a intensidade aumenta.


Não é apenas Mehldau que está a lutar com os títulos de algumas das suas mais recentes composições. Eu próprio confesso que fiquei sem palavras.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Que te embalou

Descalço os sapatos antes de entrar na sala iluminada pelas cores da TV que constantemente mudam, banhada pelo som de um filme barulhento. Que te embalou. Dormes deitada ao comprido no sofá. Avanço com o máximo cuidado, a suplicar às tábuas do soalho que não estalem. Chego até ti. Puxo a manta que está na tua cintura e cubro-te até aos teus ombros. Ajeito o teu cabelo que repousa sob a almofada, beijo-te a cabeça ao de leve. E, quando apago o aparelho para que durmas descansada, acordas quase sobressaltada com a ausência de barulho e luz. Que te embala

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Quem as não tem

Dentro da caixa do correio, no final da semana passada, um envelope que não deixa entender quem é o remetente. Lá dentro, uma carta de Assunção Cristas para mim, na qualidade de morador de Lisboa, cidade pela qual será candidata nas próximas eleições autárquicas de Outubro.

Em baixo, à direita - seguramente um posicionamento não acidental - salta à vista uma fotografia da candidata empunhando um bonito sorriso, contra um fundo de um painel de azulejos, cujo friso delimita perfeitamente o papel da carta. O contraste da fotografia do cabelo e da camisola beige de Cristas com os azulejos brancos com motivos azuis é excessivo, dá a entender que se trata de uma montagem.

Na saudação lê-se "Olá! Bom ano!".

Ao longo da carta - que contém três parágrafos iniciais de 3-4 linhas e, de seguida, duas frases de duas linhas e duas de uma linha - menciona o nome da cidade cinco vezes, escreve a palavra "Cidade" (com maiúscula) três vezes e usa várias exclamações (quatro). Resumidamente, para além de referir a sua candidatura - "com grande sentido de responsabilidade" e "entusiasmo" e "determinação" e "desafio" (duas vezes) - diz-nos que se tem preparado afincadamente nos últimos tempos - "mais de meia centena de reuniões e iniciativas" - e que gostaria "muito de poder contar com a sua opinião e ideias".

Para o efeito, dentro do mesmo envelope encontra-se um pequeno questionário que podemos preencher com ideias e sugestões, bem como um outro envelope, com portes pagos, para remeter a resposta.

Termina "Com um beijinho". Assina Assunção.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Subsistência

«Vejamos agora o trabalho assalariado: o preço médio do trabalho assalariado corresponde ao mínimo de salário, ou seja, a quantia equivalente aos meios de subsistência indispensáveis para manter vivo o operário enquanto operário. Aquilo, portanto, que o operário obtém pela sua actividade chega apenas para perpetuar a sua vida pobre. De modo nenhum queremos pôr fim a esta apropriação pessoal dos produtos de trabalho nas gerações que se seguem imediatamente, apropriação essa que não deixa nenhum excedente que confira poder sobre o trabalho alheio. Queremos eliminar apenas a natureza miserável desta apropriação, em que o operário só vive para multiplicar o capital, só vive enquanto o interessa da classe dominante assim o determinar.»

O manifesto comunista, Karl Marx e Friedrich Engels

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Abolir

«Aquilo que diferencia o comunismo não é a abolição da propriedade de uma forma geral, mas a abolição da propriedade burguesa. Mas a moderna propriedade privada burguesa é a representação última e mais conseguida da produção e apropriação dos produtos baseadas na luta de classes, na exploração de umas pelas outras. Neste sentido, os comunistas podem sintetizar a sua teoria numa frase: abolição da propriedade privada.»

O manifesto comunista, Karl Marx e Friedrich Engels

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Exercício: ver um jogo de futebol americano.

Dada o frenesim em torno do último super bowl - um jogo com uma reviravolta histórica, que terminou com a quinta vitória de Tom Brady, a primeira vez que um quarterback ganhou por cinco vezes o campeonato - pareceu ser um jogo apropriado para o exercício. A primeira incursão nas duas horas e tanto de jogo foi feita sem espreitar as regras. Mas cedo as dúvidas surgiram e tive que pesquisar para perceber melhor alguns detalhes.

Há alguns elementos que são interessantes no jogo, em particular a estratégia e a extrema especialização do papel de cada jogador: o quarterback com os passes, o tipo que chuta os field goals, os tipos que correm para apanhar a bola (que também devem ter um nome pomposo que me escapa). Outro é a revisão das jogadas. A avaliação inicial dos árbitros pode ser questionada. Nesses casos, os árbitros vêem as imagens do lance e podem reapreciar e manter ou reverter o juízo inicial e o resultado do processo é anunciado por microfone para o estádio todo.

E depois há outros aspectos que são apenas curiosos, como o facto de chamarem football àquela bola e não apenas ball. Assim como os calções justinhos, as luvas dos tipos que têm de agarrar a bola e os tipos gordos a fazer placagens. E que senhoras placagens, há uma jogada em que os capacetes de dois jogadores de equipas contrárias ficam presos um ao outro após um choque frontal.

Está longe de ser o meu desporto de eleição e tenho dificuldade em perceber a popularidade que granjeia do outro lado do Atlântico mas confesso que, com este exercício, ganhei algum respeito (que partia de uma base muito baixa) por este, como diria o presidente americano, "so-called" futebol.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

sábado, 4 de fevereiro de 2017

Frescura

«Joey admired Jonathan not only for his coolness but for having the confidence not to pretend to be stupid in order to maintain it. He managed the difficult trick of making it seem cool to be smart.»

Freedom, Jonathan Franzen

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Parece que o Presidente não faz muito

A secretária da Sala Oval costuma estar sempre impecavelmente vazia, apenas um telefone em cima do tampo.