sexta-feira, 31 de março de 2017

Jazz e folk americana pela mão dos noruegueses Ballrogg

(Publicado originalmente aqui)

Os noruegueses Ballrogg estiveram no Pequeno Auditório da Culturgest na noite de quinta-feira, 30 de Março. O trio vai realizar uma pequena digressão por terras lusitanas: depois deste concerto na Culturgest, passa 6ª pelo Jazz Festival de Portalegre, para depois seguir para o Porto e tocar na Casa da Música a 6 de Maio, e só depois regressará à Escandinávia.

Recuemos até aos primórdios, altura em que este trio era, na verdade, um duo, composto apenas pelos saxofones e clarinetes de Klaus Ellerhusen Holm e o contrabaixo de Roger Arntzen. Então este era um duo que se inspirava em músicos como Eric Dolphy, que apostava em estruturas não-lineares e indeterministas. Desde 2011, no entanto, a pedal steel guitar e o banjo de Ivar Grydeland juntaram-se e acabaram por contribuir, de forma indelével, com uma sonoridade algures entre o country e o western. E, desta forma, juntou-se ao grupo e tornou-se mais um exemplo – acaso fosse necessário outro – da proliferação de um sem número de formações escandinavas que têm contribuído para reinventar e, dessa forma, também propagar a música folk americana.

Entretanto, desde este ano, Grydeland passou o testemunho à guitarra de David Stackenäs, que tem um papel interessante na dinâmica deste trio. Por um lado, a guitarra acústica assume normalmente um carácter harmónico bastante vincando, num conjunto de acordes com cordas soltas e muita cor. Nesta vertente, dá-nos uma sonoridade pouco habitual, possivelmente devido a esta conjugação menos recorrente de instrumentos. Por outro lado, quando esta guitarra acústica é rendida por uma eléctrica – uma Telecaster linda –, deixa um pouco de lado a harmonia e joga mais com a intersecção de melodias com o clarinete e o saxofone ou, ainda, com o ruído de fundo da distorção e do metal do bottleneck contra o aço da corda. Por vezes, esta Telecaster ganha uma sonoridade diferente, a fazer lembrar um blues mais cru, daqueles que remetem para plantações de algodão e para o Tom Sawyer a correr ao lado de Huckleberry Finn, à medida que o barco a vapor percorre as águas do Mississipi.

De acordo com os músicos, embora exista uma moldura ou uma estrutura de cada tema, o espaço deixado livre para cada um é bastante grande. Sente-se um esbater das linhas entre aquilo que é improvisação e o que não é, uma gestão maleável que, à partida (e à chegada também) parece difícil de implementar, mas que este trio executa sem dificuldade de assinalar. Se esta forma de tocar e abordar os temas possa encaixar este trio na gaveta do free jazz, é também de salientar que a sonoridade acústica – mesmo que pontuada por elementos electrónicos aqui e ali, que se sente sobretudo nos efeitos e no loop da guitarra e do contrabaixo – os afasta de uma certa vertente mais agressiva associada àquela etiqueta.

O ónus de dizer umas palavras ao público recai sobre Ellerhusen Holm. E digo ónus porque claramente não é a função em que está mais confortável. Pergunta-nos se pode falar em inglês connosco. Explica-nos que é a primeira vez que estão no nosso país com esta formação e que estão a apresentar o mais recente álbum, Abaft the Beam, lançado pela portuguesa Clean Feed. Custa 500 euros, diz-nos para quebrar o gelo com uma piada que não tem piada. E acrescenta que “abaft” significa “behind the middle of the boat”, explicação que arranca uma risada ao resto da banda (“à popa”, segundo o que apurei).

“It’s been a pleasure playing for you”, diz-nos mais perto do fim e eu sou forçado a depreender a palavra “pleasure” porque, da mistura com o sotaque original, ia jurar que aquilo que disse se pareceu mais a “pressure”. “The pressure is all mine”, apetece-me responder-lhe.

quarta-feira, 29 de março de 2017

Nome

Percebo porque outros comentam, felicitam o pai. Aproveito a informação para, de imediato, fazer o mesmo e, quando a apanho a jeito, faço o mesmo à mãe. Em minha defesa, está de casaco comprido vestido, não é fácil perceber. Falamos um pouco, primeiro conversa de circunstância. E depois diz-me, com um sorriso genuíno, que deverá ficar com o meu nome. Há ainda alguma indecisão com Tiago e o irmão, às cavalitas do pai, também tem as suas ideias. Explico-lhe que, do meu ponto de vista, não há qualquer discussão possível, a escolha deveria ser óbvia. E ela responde, destoando completamente da minha piadola anterior, acrescentando aquilo que já não consigo reproduzir na perfeição, mas que foi qualquer coisa como
Gosto de todos os Danieis que conheço, são boas pessoas
e que, por isso, o nome deverá assentar bem ao filho que aí vem. Perdi o pio por um bocadinho e é possível que tenha ficado ligeiramente embevecido.

terça-feira, 28 de março de 2017

domingo, 26 de março de 2017

Diz-me que está sempre mal disposto de manhã.

Rabugento, responde torto, mais vale nem lhe dirigirem a palavra. E depois vai melhorando ao longo do dia - de facto, ao final do dia, hora a que normalmente o vejo, está sempre sorridente e bem humorado. Diz-me que nunca recusa um convite para sair à noite, está sempre pronto, mas nem tentem convidá-lo para nada de manhã. E acrescenta que, se ganhasse o Euromilhões, a única excentricidade que cometeria seria nunca mais dizer bom dia a ninguém.

sábado, 25 de março de 2017

Mauro Maria #2

Berliner Mauro

Todos os nomes do Jazz em Agosto de 2017

(Publicado originalmente aqui)

A Fundação Calouste Gulbenkian revela-nos os nomes que virão à 34ª edição do Jazz em Agosto. Neste ano de 2017, serão catorze os concertos programados para o festival e que certamente contribuirão para aquecer ainda mais as já de si escaldantes noites do pino do verão.

As hostilidades iniciam-se com o saxofonista nova iorquino Steve Lehman (desconhecemos se tem irmãos) na sexta-feira 28 de Julho, com o novo projecto designado Sélébéyone, um termo que, no dialecto africano wolof – segundo a Wikipedia, falado no Senegal, Gâmbia e Mauritânia – significa “intersecção”. Neste contexto, o termo alude à fusão entre jazz e hip hop, já que se trata de uma colaboração com os rappers HPrizm/High Priest (Antipop Consortium) e Gaston Bandimic, um nome que, ao que consta, goza de grande projecção no Senegal. Lehman voltará a estar em destaque na tarde do dia seguinte, desta vez a solo.

Curiosamente, as hostilidades encerram, no domingo 6 de Agosto, num tom muito semelhante ao do concerto de abertura, com os High Risk do trompetista Dave Douglas. Apesar de fazer a junção entre os mundos do jazz e da electrónica este não é, apesar do nome, um projecto arriscado: pelo contrário, a ligação entre os dois mundos surge fluída e natural onde, no limite, nenhum dos elementos sobressai ou é dominante face ao outro.

Regressemos à ordem cronológica, brevemente interrompida por este salto (i)lógico para o concerto de encerramento, e deparamo-nos com David Torn, cuja quase interminável lista de colaborações inclui nomes como Madonna, Tori Amos, John Legend e David Bowie, que se lhe referia como o Yo-Yo Ma da guitarra. O guitarrista traz-nos um trio designado Sun of Goldfinger, que conta com a colaboração do saxofonista Tim Berne – que nos visitou o ano passado com os Snakeoil – e o baterista Ches Smith.

De seguida surge-nos o guitarrista Julien Desprez a solo, na tarde de domingo, 30 de Julho, num show repleto de ritmo, efeitos e luzes designado Acapulco Redux. Desprez estará novamente em acção no mesmo dia, no espectáculo da noite, inserido na Coax Orchestra. Dirigida pelo compositor e baterista Yann Joussein, esta orquestra bebe tanto das referências que estão na génese do free jazz, como Ornette Coleman, assim como em jazz moderno que cruza com, por exemplo, elementos do rock.

Na segunda-feira seguinte, a guitarra será, uma vez mais, a rainha da noite. Desta vez num registo completamente diferente na medida em que se trata de uma guitarra atípica: uma pedal steel guitar, a especialidade da americana Heather Leigh, companhia do saxofonista alemão Peter Brotzmann. Os dois músicos trazem-nos Ears filled with wonder, exactamente como esperamos sair deste concerto.

Uma menção especial àqueles que terão em mãos a tarefa de assegurar a representação nacional. A primeira representante será a trompetista Susana Santos Silva, que, no primeiro dia de Agosto, nos trará a sua mais recente formação, um quinteto designado Life and Other Transient Storms composto por músicos escandinavos. No dia seguinte, será a vez do Sudo Quartet, ao quala pertence o violinista Carlos Zíngaro, que tocará com os igualmente muito experientes Joëlle Léandre no contrabaixo – e que também conta com uma excelente voz –, Paul Lovens na bateria e Sebi Tramontana no trombone. Finalmente, o contingente português terá a sua última participação na tarde de sábado 5 de Agosto, com o duo português EITR constituído por dois Pedros, um Sousa e um Lopes.

Após o quarteto Starlite Motel, que irá juntar, no dia 3 de Agosto, três músicos escandinavos (alguns deles com nomes que levam bolinhas em cima das vogais, e que nem me atrevo a digitar) o americano Jamie Saft, colaborador assíduo de um tal de John Zorn, damos por nós a atingir a recta final da programação. Chegados que estamos àquele que será o último fim-de-semana do festival, na sexta-feira dia 4, o saxofonista Larry Ochs apresenta-se com os seus Fictive Five. Este é um nome que quase parece saído de um livro de Enid Blyton embora a música seja inspirada e, inclusivamente, dedicada, a nomes ligados ao cinema, como o alemão Wim Wenders ou a americana Kelly Reichardt, bem como ao artista visual sul-africano William Kentridge. Umas horas antes, na tarde do mesmo dia, o contrabaixista Pascal Niggenkemper subirá ao palco a solo, seguramente com o seu estilo desconcertante, a testar os limites físicos e as sonoridades do instrumento.

Este que vos escreve faz agora uma confissão sem, no entanto, ter qualquer intenção de se penitenciar: o momento que aguarda com maior expectativa é o que está reservado para o último sábado do festival. Uma autêntica formação de luxo, com os saxofonistas Chris Speed e Andrew D’Angelo, o baterista Jim Black e o guitarrista Kurt Rosenwinkel. É isso mesmo, caro leitor, adivinhou, trata-se de, nada mais nada menos do que os Human Feel, o quarteto formado por estes músicos de topo enquanto ainda estudantes, e que foi sobrevivendo lateralmente, à margem dos respectivos ilustres e notórios percursos individuais.

Os bilhetes custam entre 12 e 20 euros e podem também ser adquiridos passes para a globalidade do festival, por 100 euros, ou para os fins-de-semana, por 35 euros.

E assim será o Jazz em Agosto de 2017. Como sempre, a rebentar de óptima música. Não sei quanto a vocês, mas para mim avizinham-se seis longos meses de espera.

terça-feira, 21 de março de 2017

Ao melhor estilo de McCarthy

Quando as declarações numa audiência no Congresso americano, sobre possíveis ligações de membros da campanha do actual Presidente americano à Rússia, são feitas por um director do FBI chamado, nada mais nada menos do que, Comey, então parece mesmo uma caça às bruxas.

But beauty lies, in every soul

sábado, 18 de março de 2017

A invenção que falta

Auscultadores cujo fio não sempre todo emaranhado (mesmo se enrolado com cuidado) e obriga a perder uns minutos antes de cada utilização.

sexta-feira, 17 de março de 2017

Fonâmbulo sonâmbulo

Imagino um fonâmbulo que sofra de sonambulismo a atravessar o abismo em cabos de aço enquanto dorme.

quinta-feira, 16 de março de 2017

Não são todos que se podem vangloriar de ter alguma coisa a dizer a Trump em matéria capilar

Não que o resultado das eleições holandesas seja mau.

É um bom sinal e pode evitar um fenómeno de contágio para as eleições francesas. Mas, da constelação de eventos políticos recentes que podiam ou podem ainda terminar em resultados extremos, este era claramente o menos importante de todos. Porque a probabilidade de uma vitória de Wilders se traduzir em qualquer resultado prático de destaque era escassa. Ou seja, este era aquele acontecimento que se poderia dar de barato, tem mais de simbólico que outra coisa. O mesmo não se pode dizer nem do Brexit ou de Trump, dois embates bastante mais significativos, com consequências tangíveis. Nem das eleições em França, que se aproximam a passos largos. Seria irónico, um grande galo (em homenagem aos franceses), que os que verdadeiramente contam, corressem todos mal. Já só falta um.

quarta-feira, 15 de março de 2017

segunda-feira, 13 de março de 2017

A negação faz toda a diferença

A questão coloca-se quando o porquê passa a porque não. A mudança da formulação da pergunta altera por completo o ponto de partida e, consequentemente, a forma como se lhe responde.

O porquê parte de uma proposição negativa e obriga a que se mostre que o contrário é válido. Só assim se muda o resultado final, percorrendo todas as possibilidades para verificar se são válidas.

O porque não parte do princípio oposto, de que a proposição é positiva. E, por isso, precisa, ao contrário, de uma razão (basta uma) que o destrua o raciocínio para evitar o resultado. É uma espécie de redução ao absurdo invertida.

domingo, 12 de março de 2017

A troca do "o" pelo "e" (mantendo o acento)

Nos mercados financeiros, aquilo que muitas vezes se caracteriza como histórico não é mais do que apenas histérico.

sábado, 11 de março de 2017

A troca entre o "n" e "r" faz toda a diferença.

Em inglês, a palavra tender pode ser usada ou para classificar uma pessoa ou para dar uma indicação sobre a rigidez de um bife. No espanhol que nos é tão próximo, tierno também pode ser uma pessoa como carne. Já para nós, no primeiro caso, seria empregue terno - se bem que também é possível, com outro significado, a alguém ser tenro - e, no segundo, tenro - dificilmente um bife pode ser terno.

quinta-feira, 9 de março de 2017

Offset

Porque sofria do estômago, tomava anti-ácido juntamente com a pastilha de LSD.

quarta-feira, 8 de março de 2017

terça-feira, 7 de março de 2017

Como um quadro

«A mim, a única coisa que não me aborrece é ver o trigo amarelecer. Passei tanta fome na minha vida, que a coisa de que mais gosto é ver como o trigo amadurece, como as espigas baloiçam. Para mim, isso é como para vocês um quadro num museu...»

O fim do homem soviético, Svetlana Aleksievitch

segunda-feira, 6 de março de 2017

Stars fell

Ainda só estávamos no aperitivo e já falávamos sobre as últimas coisas que descobrimos e o que andamos a ouvir. E daí continuámos a conversa quase o jantar todo. Sobre aquilo que a música significa, como a sentimos. Sobre as vidas, muitas vezes atribuladas e trágicas, dos músicos. Até sobre a forma como a música fortalece as ligações entre os dois hemisférios do cérebro.
Não há muitas pessoas com quem possa falar sobre música
diz-me como uma quase lamentação, embora acrescente que tem um grupo de amigos devidamente encartados. Varremos um conjunto de nomes – Parker, Billie, Bill Evans, Jobim, Stravinsky – e a lista parece-me agora curta. Por vezes interrompemos quando o tipo do piano, fora da nossa vista, toca uns acordes que chamam a atenção e eu
All the things you are
O tema está no primeiro A e ele
Agora vai a dó,
E, já os dois cantamos a melodia quando, no final do segundo A, os dois ao mesmo tempo
Agora sol
e, passado pouco tempo
Mi
E desatamos a rir, confrontados com esta cumplicidade de quem sabe um segredo que, por definição, os outros não sabem ou fala uma língua incompreensível a terceiros. Como chegámos ao Cannonball Adderley não me lembro, mas foi dele que partimos para o Freddie Freeloader. Segunda faixa do álbum que é a referência máxima, há quem diga que é dedicada a um tipo chamado Freddie que gostava de ver Miles e a restante trupe tocar sem pagar. O tema surge-nos de imediato – mãos de dedos esticados a tocar as teclas de pianos imaginários, as válvulas e pistões de sopros inexistentes – assim como as primeiras notas do solo de Winton Kelly, que substitui Bill Evans ao piano só neste tema.
E é assim que comparamos os solos do Coltrane e do Cannonball. Falamos da intensidade, do groove do Cannonball que, em certos contextos, funciona melhor que o Coltrane e consegue mesmo ofuscá-lo um pouco. Uma bomba, literalmente.
Já ouviste o Cannonball em Chicago?
Praticamente o mesmo quinteto que se juntou ao Miles. Digo-lhe
Não conheço
E ele
Tens de ouvir,
enquanto tomo nota de mais outra recomendação.

domingo, 5 de março de 2017

A fase da procrastinação é como qualquer outra.

E serve um propósito mais do que justificado: é observadora, atenta, contemplativa para, dessa forma, ajudar a reunir os elementos para as fases empreendedoras subsequentes. Um trabalho fundamental em que a característica mais importante é a curiosidade. Pode é, pela própria natureza da tarefa, demorar bastante para lá do que seria necessário para uma suficientemente aturada e completa recolha de elementos.

1967: um festim de eletricidade, LSD e magnífica música psicadélica

A Dietilamida do Ácido Lisérgico, ou LSD, é uma substância que foi sintetizada em laboratório pela primeira vez por Albert Hofmann, um cientista suíço que a 19 de Abril de 1943 resolveu experimentar 250 microgramas do seu próprio produto, antes de se dirigir a casa de bicicleta, o único meio de transporte disponível na época da guerra. Depois do que se poderá descrever como uma viagem alucinante, o investigador chegou a casa e anotou os efeitos da droga: «pouco a pouco comecei a apreciar as cores improváveis e as formas que persistiam por trás dos meus olhos fechados. Imagens fantásticas e caleidoscópicas surgiram em mim, explodindo em fontes coloridas». A viagem de bicicleta de Hofmann entrou para o folclore pop graças a temas de gente como os Beach Boys («I Just Wasn't Made For These Times»), Pink Floyd («Bike») e Tomorrow («My White Bicycle»).