terça-feira, 31 de março de 2009

Nunca houve um almoço grátis na vida da Glória.

Nada. Tudo foi conquistado com esforço e dedicação. Não houve borlas, facilidades e facilitismos, cunhas ou isto está no papo.

E foi assim que percebeu que, um dia, algo tinha que que cair-lhe do céu aos trambolhões. Sabia-o. Era inevitável, uma questão de probabilidades e de lei dos grandes números.

E foi com este espírito, com esta determinação que cruzou as portas automáticas de vidro do casino. Direita à roleta. Sem olhar para trás. Sequer para os lados. Obcecada.

E tinha razão. A pilha de fichas que colocou no quinze transformou-se em várias pilhas de mesmo tamanho assim que a bola parou nesse número.

Nem sequer ficou esboçou um sorriso: a antecipação do resultado anulou qualquer efeito de surpresa. Não ia apostar outra vez, a próxima aposta sabia-a perdida. Trocou as fichas na caixa.

O dinheiro depositou-o no banco. Para um dia chuvoso. Regressou à sua vida normal, sempre sem borlas, facilidades, facilitismos, cunhas ou isto está no papo.

E continuou a pagar os seus almoços.

domingo, 29 de março de 2009

Rogério Casanova sobre Darwin

«O tema está aparentemente esgotado e é desnecessário incorrer em tautologias, mas convém reafirmar que, se a evolução exclui necessariamente a ideia de uma inteligência criadora, pelo menos reduz significativamente o seu papel: a Divindade é pouco mais do que um manufactureiro de algoritmos.
(…)
A selecção natural é uma daquelas ideias – como o materialismo dialéctico, a relatividade ou o 4-4-2 em losango – tão perfeitamente sintonizadas com o espírito do tempo, tão simbolicamente apelativas, que acabam por providenciar uma fórmula que permite reflectir sobre tudo. Mas ao contrário da relatividade, por exemplo, que apenas é entendida por 82 pessoas (se excluirmos Pacheco Pereira), a simplicidade da selecção natural torna-a acessível ao diletante.»

Revista Ler

sábado, 28 de março de 2009

Gil

Retiro o meu pessimismo, eu que disse que ele ia perder nesta ronda. As minhas desculpas ao Frederico Gil. Ganhou um prémio que é jogar contra o Nadal. Isto equivale a dizer que continuo a achar que ele não sobrevive a mais uma ronda mas, verdade seja dita, são mesmo muito poucos os que poderiam sobreviver a uma ronda destas.

Hats off (incluindo bonés com a pala para trás).

Moisés nos Jogos Olímpicos



Um abraço de copyright ao V.

Colinho

Para aqueles dias em que uma pessoa se sente vulnerável e a precisar de miminho, devia haver um serviço de chamadas grátis, estilo como aqueles de apoio a vítimas. As pessoas ligavam, desabafavam, soltavam as mágoas. E isto é importante, pode evitar muito recurso ao álcool. Até tenho uma sugestão de nome para este serviço de apoio.

Colo Center. Vá, colinho, para ser ainda mais fofinho.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Mea culpa

As Ilhas Bermudas têm o nome que têm porque toda a gente está de calções.

Uma colaboração com a AFC que ficou esquecida, relativamente à série Working Late.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Nickname

Chamava-se André e era um pouco diferente de nós, demais miúdos do sétimo ou oitavo ano ou coisa que o valha. Usava roupa larga, sobretudo as camisolas, deixava as calças escorregarem pela cintura abaixo e expor os boxers coloridos, usava um cordel como cinto. Esticava as alças da mochila rabiscada e com pins ao máximo, de tal forma que ia encostada ao rabo e não às costas.Tinha um andar balanceado, meio jingão, cheio de estilo. Dizia coisas como “tá-se bem?” e “o pessoal não tá numa d’ir”. Passava a vida de phones nos ouvidos aos berros, o metal e o rap ouviam-se à distância. Passava a mão freneticamente pela franja, a empurrar o cabelo despenteado. Era boa pessoa e gostávamos delee mas tanta diferença não podia passar incólume.

E era por isso que lhe chamávamos AnDread

terça-feira, 24 de março de 2009

Mais pequenos prazeres do ex-suburbano

Cinco (cinco...!!!) dias sem pegar no carro and counting. A última vez que isto aconteceu (excepto férias e coisas assim) ainda não tinha tirado a carta.

sábado, 21 de março de 2009

Clap clap

"É claro que há circunstâncias, e do ponto de vista médico não tenho qualquer dúvida, em que proibir o preservativo é consentir na morte de muitas pessoas", acrescentou, considerando que, neste sentido, "as pessoas que estão aconselhar o Papa deveriam ser mais cultas".

Lower case

A DECO, aquela associação que defende os direitos dos consumidores, resolveu dirigir-se a mim. Deixou-me um carta na caixa do correio. Um envelope berrante, colorido, com logotipos bem fortes. Uma frase a preto, negrito, termina num vermelho com as palavras “uma oferta exceptional”.

Dentro do envelope, várias coisas. Uma carta, onde aproveitam para me explicar, no primeiro parágrafo, que se aproxima a data da comemoração do Dia Mundial dos Direitos do Consumidor (consumidor com letra minúscula, tudo o resto com maiúscula). No segundo parágrafo, enumeram as ofertas fantásticas que têm para mim. No terceiro parágrafo lê-se “a DECO PROTESTE defende os direitos dos consumidores, mas também não hesita em mimá-los. Aproveite então esta oferta sem demora!”

Assim termina a primeira secção da carta. Seguem-se mais umas quantas, uma para cada oferta que têm para mim, consumidor com letra minúscula. Um leitor MP4 para eu usar no comboio, no ginásio, para passear. Um teste de consulta gratuita que me dá acesso às publicações deles durante dois meses sem pagar. Um cartão de saúde DECO/UNIMED que, aparentemente, custa €100 mas que eles oferecem.

Para ter direito a isto tudo, basta enviar os cheques oferta(que eles anexam e que têm o meu nome em maiúsculas), num prazo máximo de dez dias, dentro do envelope com taxa paga (que eles também anexam). Para além disso, também anexam panfletos com informação sobre as ofertas que acabam de me fazer, ou não fossem eles a favor de que o consumidor, com letra minúscula, tenha acesso a informação sobre os produtos que compra com a inscrição na associação.

Resta dizer que, poucos dias depois de ter esta carta na minha caixa de correio, recebi um e-mail deles com publicidade para, basicamente, pagar quotas. Ora, a favor da informação para o consumidor com letra minúscula, gostava que me explicassem onde foram desencatar os meus dados pessoais e porque me fizeram esta abordagem. Não me lembro de lhes ter pedido rigorosamente nada e não me parece um comportamento adequado para uma associação com a designação da DECO.

Com maiúsculas, claro.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Sentado no lancil do passeio.

Nas costas, os colchões, os trapos, as caixas de papelão, os plásticos. Tudo virado para as grelhas de ventilação que ajudam a aquecer a noite. As pernas para a estrada de paralelepípedos. A perna esquerda está por debaixo, serve de apoio à direita que, cruzada, aproxima o pé dos braços. Na mão direita, uma agulha daquelas fininhas procura uma veia perto daquela zona arredondada onde o dedo grande se junta ao resto do pé. Não se incomoda minimamente com os carros que passam. Nem sequer tira os olhos da agulha fininha – as agulhas dos drogados são sempre fininhas e compridas – como se tivesse medo de se desconcentrar a meio daquela operação delicada.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Eram dois irmãos lá mesmo de cima, muito de cima

De Tromso ou Trondheim, já não me lembro ao certo. O mais velho já vivia há algum tempo em Oslo, o mais novo tinha vindo visitá-lo. Aliás, o mais novo estava em vias de se mudar definitivamente para a capital. Segundo me disse, o tempo era melhor.

A cumplicidade entre os dois saltava à vista, havia imensas piadas privadas. Para me justificar as risadas que trocavam, a namorada do mais velho resolveu explicar-me uma das brincadeiras. Não era só para isso, era também para combater a minha exclusão já de si evidente, dado que, se muitas vezes começavam a falar em inglês, outras tantas acabavam em norueguês.

E então contou-me que eles se divertiam loucamente a falar em inglês um com o outro, adicionando “s” ao final de cada palavra. Diziam coisas do género “I'ms goings homes nows“ e riam alarvemente. Um dia, vinham os dois no mesmo voo e, quando estava a ser servida a refeição a bordo, um deles agradeceu à hospedeira, disse “thanks” quando ela lhe passou um copo com a bebida que ele tinha pedido.

Olharam um para o outro e desmancharam-se a rir.

terça-feira, 17 de março de 2009

Primeiro resultado no google images para a palavra "férias"(*)

(*) quer dizer, é o segundo, o primeiro foi dar a um site que não abre.

Ganir

Diz-se vida de cão mas também se diz ter um dia de cão. Só para esclarecer: os meus dias têm sido de cão. Dos da segunda forma, conotação negativa.

Férias

Vá lá. Por favor. Só assim. Férias. Uns dias. Vá lá.

domingo, 15 de março de 2009

Life wishes

A Vicky diz “death wishes” e a tradução que colocam nas legendas é o título deste blog. E eu só consigo pensar que está errado. É exactamente o oposto.

sábado, 14 de março de 2009

...

«There is no situation that infatuation is unable to feed on. Looking at her provided a visual jolt - I allowed her into my eyes the way a sword swallower swallows a sword.»

Exit Ghost – Philip Roth

sexta-feira, 13 de março de 2009

quarta-feira, 11 de março de 2009

Working late #4

Usar sempre protector solar nas reuniões de trabalho com chefias para evitar ficar queimado.

Mais uma co-autoria com a AFC

terça-feira, 10 de março de 2009

Working late #3 (ou Scrabble #2)

Estou a reescrever aquela história do “escrever um livro, plantar uma árvore, ter um filho”. Já tenho dois propósitos para a minha vida, falta-me o terceiro.
Então e o se o terceiro propósito for encontrar um terceiro propósito?
Hhhuumm, não sei. Mas isso significa que esse propósito estaria cumprido a partir do momento que achasse o propósito que era o propósito ele mesmo ou teria que cumprir o propósito que tinha achado como o propósito que me faltava?

Em co-autoria com a AFC

segunda-feira, 9 de março de 2009

Working Late #2

A Aer-Lingus tem uma nova ligação Lisboa-Cork. Isto significa que, a partir de agora, não é preciso fazer escala para ir de Lisboa a Cascos de Rolha.

Em co-autoria com a AFC

domingo, 8 de março de 2009

Working late #1

Como é que um toxicodependente chega a um centro de reabilitação? A cavalo.

Em co-autoria com a AFC

sábado, 7 de março de 2009

Scrabble

Se é da sua natureza ser falso então, ao ser falso, está a ser verdadeiro na medida em que está a agir de acordo com a sua natureza.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Samstag

Os dias em que os corredores de gabinetes parecem não ter fim. Os dias e os corredores. Para além de nós, só os seguranças. Neste castelo assombrado de secretárias, computadores, impressoras. Lá fora, a escuridão é rasgada pela luz das janelas. Quase não há luz, nestes dias. O intervalo entre sair dos corredores e gabinetes é demasiado curto. Só dá para aterrar nos lençóis e saltar, pouco depois, para regressar.

Excepto ao sábado.

TGIF

Dubai

Isto é inaceitável.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Deixou de sentir frio mas continuava a sentir calor.

De início, pensou que não iria ter problemas de maior com a sua nova condição. Afinal, vivia num país quente, não tinha que se preocupar com temperaturas baixas. O resultado mais expressivo – excluindo as banais e insignificantes constipações – foi uma pneumonia. Durante umas semanas, sentia-se arder em febre mas nunca chegou a aperceber-se dos suores frios.

Depois percebeu que não era apenas incapaz de sentir frio sensorialmente. A frieza desapareceu-lhe por completo do alcance, do radar. O cinismo, a hipocrisia que passavam-lhe totalmente despercebidos. Deixou de conseguir interpretar pessoas. Chegou a um ponto em que não conseguia distinguir os verdadeiros amigos daqueles que se passam por tal com determinada finalidade.

E então, dada a sua incapacidade de avaliação, foi invadido por um sentimento de uma enorme desconfiança. Não confiava em ninguém com medo de tiros ao lado e erros de casting. Só assim se sentia suficientemente protegido.

E foi então que ele próprio se tornou num bloco de gelo.

terça-feira, 3 de março de 2009

Anita vai às compras #3

«Oh Rodrigo, se fores à farmácia traz-me meia dúzia de máscaras. Mas não daquelas de tiras, daquelas que prendem nas orelhas»

segunda-feira, 2 de março de 2009

Na ciência há uma certa dose de fatalismo.

Como se fosse uma engrenagem que inexoravelmente avança num determinado sentido, independentemente de quem, num dado momento, nela trabalha. Pitágoras escreveu um teorema mas esse teorema seria exactamente o mesmo se tivesse sido escrito por outra pessoa. Mais: se Pitágoras nunca tivesse existido ou se se tivesse dedicado à pesca e não a teoremas, seria uma questão de tempo até que outra pessoa se apercebe que o quadrado da hipotenusa é igual à soma do quadrado dos catetos.

Ora, isto significa que é irrelevante quem faz as descobertas, quem desbrava o caminho; pelo contrário o que é verdadeiramente importante são as descobertas em si, as teorias, os axiomas, os teoremas. E é por isso que existem casos de descobertas simultâneas.

Na arte, tudo se passa ao contrário. O fatalismo não está de todo presente. Se Camões não tivesse existido, Os Lusíadas tão-pouco teriam sido impressos. Podia existir um livro com o título Os Lusíadas mas não seria aquele que lemos na escola. Isto acontece porque o objecto é indissociável de quem o cria. A Capela Sistina só podia ter sido pintada por Miguel Ângelo; acaso tivesse sido pintada por outro artista, continuaria a ser a Capela Sistina mas não aquela que identificamos com a daquele pintor.

domingo, 1 de março de 2009

Relevância

«Doente: Is that medically relevant?
House: I’m a doctor and that’s relevant to me.»

Dr. House