segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Depois de passar a primeira porta, há uma segunda porta de madeira fina.

O adro da igreja fica do lado direito. Do lado esquerdo, numa mesa velha cheia de livros, guias, postais, bugigangas onde gastar dinheiro, está uma senhora que alerta uma das duas alemãs à minha frente que é preciso pagar entrada. Eu já tinha reparado no papel colado no tampo da mesa, virado para quem entra, com os dois euros bem explícitos. A alemã responde-lhe num inglês forçado que veio para rezar mas a senhora da mesa velha não recua nos dois euros. A alemã olha para trás para a segunda alemã com uma cara de desaprovação e diz-lhe que não paga. Vira-se novamente para a senhora da mesa velha e, agora em alemão, dá-lhe um sermão, explica-lhe que vinha para rezar e que não faz sentido cobrar dinheiro a quem queira entrar numa igreja para esse efeito. Depois vira costas e as duas saem. A senhora da mesa velha comenta com outra funcionária o incidente enquanto lhe estendo uma moeda de dois euros – afinal não vim para rezar.

domingo, 29 de setembro de 2013

O primeiro

Em pouco mais de duas horas, João Sousa quebrou dois recordes máximos do ténis português. Ao bater o francês Julien Benneteau (33.º mundial), Sousa conquistou um torneio do ATP World Tour e garantiu o melhor ranking de sempre para um tenista luso: 51.º.

Só vi a partir do terceiro set - não vi o match point salvo. Fiquei sobretudo impressionado com a forma como o João jogou os pontos importantes, sobre pressão. E foram várias as vezes que teve de defender o break no último set com unhas e dentes. O mais importante desta vitória é a subida no ranking e o bilhete para entrada directa nos torneios mais importantes. Ou seja, a hipótese para cimentar este resultado.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Promete

O português João Sousa derrotou nesta sexta-feira o espanhol David Ferrer, número quatro mundial e primeiro cabeça de série, por 6-2, 7-6 (8-6), e qualificou-se para as meias-finais do torneio de Kuala Lumpur.

Quem te manda

Entro na sala onde é servido o pequeno-almoço. Uma senhora à entrada vê-me e começa a soltar um good morning, que eu prontamente abafo com um triunfante dobry den. Ri-se um pouco e solta uma algaraviada à qual só consigo responder
Dobry den is all I know
(mentira, também sei dizer dakujem)
Ri-se ainda mais e pergunta-me em inglês qual é o número do meu quarto.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

The Hungarian way IV

Alguém bate à porta.
Hi, I'm from reception. Check out is until eleven.
Deviam ser umas onze e meia, um quarto para o meio-dia. Pedi desculpa, pensava que era até ao meio-dia, vou só acabar de arrumar às tralhas e já saio.
That's ok, take your time, ok? Take ten minutes.
(...)
Cool.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

The Hungarian way III

Não parar nas passadeiras. De tal forma que os peões nem se atrevem a tentar atravessar quando está vermelho mas não há nenhum carro nas redondezas. Alemães mas por razões diferentes: temem pela vida e não por uma multa.

domingo, 22 de setembro de 2013

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Log

Actually, Captain Flume slept like a log most nights and merely dreamed he was awake. So convincing were these dreams of lying awake that he woke from them each morning in complete exhaustion and fell right back to sleep.

Catch-22, Joseph Heller

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Out of office assistant

Acabar as últimas coisas, pontas soltas. Briefar a chefe. Limpar a secretária. Arquivar (mandar para o lixo) coisas. Dizer adeus. Agradecer os desejos de boas férias. Sair de mãos a abanar.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Trela

Os chineses levam os pássaros a passear dentro das gaiolas. Este senhor de bigode farto passeia o pássaro (papagaio, arara, catatua?) sem gaiola: sai da porta do prédio com o bicho ao ombro, um cordel numa das patas não vá decidir-se por uma fuga. Atravessa a rua, senta-se na esplanada de um café. Ficam os dois à mesa, ele a beber uma cerveja, o bicho a trincar sementes.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Piropa-mos

Há uma certa confusão na discussão em torno do assunto do piropo que veio agora à baila e que está relacionada com a própria definição. Um piropo é suposto ser um galanteio, algo agradável. Ora isso não se coaduna de forma nenhuma com aquilo que vai designado por “poesia de andaime” – expressão que em si encerra um enorme estereótipo – e que é efectivamente o tipo de “piropo” que mais se ouve na rua. Parece-me relativamente óbvio que este tipo de abordagem não prima propriamente pela simpatia. Ainda assim, para quem não está totalmente convencido, basta atentar que ainda está para nascer a primeira senhora que, de tão lisonjeada, decida aceitar as propostas do cavalheiro e passar das palavras aos actos. Eu pelo menos nunca vi um final feliz do género. Tanto quanto me lembre nunca fui alvo de nenhum “piropo” (já piropo até me atreveria a dizer que sim) mas, daquilo que já ouvi dirigido a terceiros – perdão, terceiras –, não estou a ver que aceitasse caso fosse eu o visado – perdão, visada. E aqui é que está a questão: a poesia de andaime não tem como objectivo central conquistar a donzela a quem se destinam as quadras. A não ser que, dada a fraquíssima taxa de sucesso desta estratégia, queiramos admitir que nenhum dos poetas é capaz de perceber que vai a algum lado insistindo na mesma tecla, qual treinador que teima no mesmo onze perdedor.

domingo, 15 de setembro de 2013

Cara ou cara

«Ruizinho [Rui Costa], tu és o 10, eu sou o 10. Como é que vamos fazer isto? Moeda ao ar? - se ele aceitasse, já tinha comigo uma moeda com duas caras para lhe dar a escolher coroa e ficar com a camisola.»

El Portugués Parte II, Paulo Futre por Luís Aguilar

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Twenty something

Na fase em que falámos ainda não estava tão bêbeda como viria a ficar mais tarde – no final dessa noite, despediu-se de mim como os miúdos: com um beijo desajeitado que deixou a minha bochecha direita molhada – e saiu a porta literalmente a cambalear. Uns quantos bares antes desta saída pouco triunfal ficou ao meu lado e eu senti que os pints estavam a puxar para o sentimento. E de repente diz-me – nem foi bem dizer, foi mais confessar, como se tivesse cometido um crime inqualificável – que queria ser mãe. Que isso lhe passava pela cabeça cada vez mais. A língua entaramelada, a cabeça já pouco funcionava, falávamos meio em inglês meio em alemão – gabou-me a Aussprache. E eu perguntei-lhe se lhe podia fazer uma pergunta pessoal. Persönliche Frage. Estacou um pouco com a sensação do elevar da fasquia da seriedade. Que era falso, também tinha bebido uns pints. Na verdade só queria saber quantos anos tinha, e foi isso que lhe perguntei logo de seguida, assim que ela me deu autorização para a (falsa) pergunta pessoal. Vinte e oito. Achtundzwanzig ou twenty-eight. E qual é o espanto que te coloques essa questão? Naquele momento constatou verdadeiramente a sua idade.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

O aspecto físico não se alterou muito.

Não são os cabelos brancos e as rugas, não são alterações de peso ou limitações motoras. É claro que falta o cuidado, o aprumo, coisas que nos levam a ver e avaliar de outra forma. Mas mesmo isso é em grande parte devido a tudo o resto. Tudo o resto é tudo aquilo que tornou os passos, os movimentos, os gestos, hesitantes, titubeantes. Tudo aquilo que esvaziou os olhos, retirou-lhes o brilho: param por momentos, pairam por instantes a olhar mas não parecem ver. Não decifram. Não entendem. Fecharam-se sobre si próprios. Um casulo de cada vez mais difícil acesso até se tornar inexpugnável.

A morte em si deve ser uma coisa calma e pacífica. A forma como se chega até ela é que pode ser uma autêntica guerra.

sábado, 7 de setembro de 2013

Saltar a tampa

Nos supermercados, nas lojas,  as caixas registadoras normalmente abrem a tampa onde se esconde o dinheiro quando é efectuado um pagamento por cartão. O que acontece tipicamente nestas situações é que o funcionário, acto contínuo, fecha a tampa. Compreensível, é difícil imaginar uma situação em que seja preciso dar troco a alguém que pague com dinheiro plástico e a prática do cash back não está de todo no nosso vocabulário. E portanto, a questão que importa é: porque não programar as caixas para não fazerem este gesto aparentemente escusado?

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Miopia

«In other words, an information surplus may cause an attention deficit. An attention deficit is likely to lower the quality of decision-making. For cognitive psychologists, it is a disorder - one whose reported incidence has sky-rocketed over recent years. If short-term reactions are clouding long-term judgements, the doer crowding-out the planner, the immediate the important, then more hurry may be generating less speed.

This might be called the "information-rich-yet-attention-poor" property of connected webs. One manifestation is over-trading - over-trading in friends, partners, jobs, stocks. Perhaps that is why marriage rates have halved, and divorce rates doubled, in the UK since 1970; why the tenure of global CEOs has halved since 1995; and why holding periods for stocks have more than halved since 1980. For many key decisions, myopia has been mounting.»

Why institutions matter (more than ever), Andy Haldane

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Backburner

Foi um curto silêncio, inesperado e, de repente, ele soube que a ia beijar e ela soube que o ia beijar. E então a única coisa que passou pela cabeça dela foi que tinha fumado. Sentiu-se mal por isso. Pediu-lhe desculpa. Ainda as palavras lhe estavam a acabar de sair da boca e já uma pequena vergonha a incomodava. Ele disse-lhe que não tinha problema enquanto avançava na direcção dela.  

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

domingo, 1 de setembro de 2013

O resto é ruído

«Tragically, Gershwin did not live to fulfil his entire vision. Not long before his sudden death in 1937, of a brain timor, he told his sister: "I don't feel I've really scratched the surface of what I want to do."»

The rest is noise, Alex Ross