sexta-feira, 28 de abril de 2017

Não há coincidências

Frase perigosa porque o fortuito faz parte da vida e das coisas. Há mesmo coincidências e não aceitar que existem leva, por vezes, ao estabelecimento de relações e nexos de causalidade onde eles, pura e simplesmente, não existem.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

O que tu dizes

«É quase como uma regra psicanalítica: interessa-me o que tu dizes, não o que queres dizer.»

Malparado, Pedro Mexia

domingo, 23 de abril de 2017

Diferente

«Começa-se com um «mas tu és diferente», e depois teme-se que tudo seja igual.»

Malparado, Pedro Mexia

sexta-feira, 21 de abril de 2017

Teoria geral do blogue

«John Ashbery explicou assim a sua poesia: quando as pessoas falam umas com as outras, a certa altura aborrecem-se; mas quando uma pessoa fala sozinha, toda a gente quer ouvir.»

Malparado, Pedro Mexia

Prelude n6

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Estranhar e entranhar

É já perto do final do livro - de alguma espessura, diga-se - que me apercebo que está escrito com a nova ortografia. De repente, dou por mim a perscrutar todas as palavras daí para a frente, à caça das alterações. As mesmas que, há uns tempos atrás, identificaria de imediato, de gritantemente estranhas que me pareciam.

terça-feira, 18 de abril de 2017

Onésimo Teotónio Almeida em entrevista ao Expresso.

O passado, sobretudo a glória dos Descobrimentos, é uma obsessão nacional?
Sim, é uma obsessão constante. Os portugueses têm um grande complexo de inferioridade em relação ao centro e ao norte da Europa. E a única salvação é o "também já fomos grandes!".

A saudade é mesmo um sentimento português?
É um mito. Abusa-se da palavra saudade. Para os portugueses tudo é saudade, até há saudades do futuro! E não é verdade que seja intraduzível, os outros também têm saudade. Os ingleses expressam-na com "I'm missing", "I'm longing" ou "homesick", por exemplo.

sábado, 15 de abril de 2017

Tinoni

Desço a rua e, atrás de mim, e de forma crescente, o som estridente de uma ambulância que se aproxima. Com dificuldade, a lutar contra o trânsito matutino. Levo as mãos aos ouvidos, incomodado. Olho em frente e reparo num casal de turistas, parados à espera do semáforo. Viram-se para a ambulância, ele pega no telemóvel e fotografa (ou filma).

terça-feira, 11 de abril de 2017

Entrou pelo lado contrário ao do banco do piano, que está sempre à esquerda de quem olha para o palco.

Avançou trôpega, desequilibrada, como quem luta, em simultâneo, com o vestido justo e os saltos altos. Ou, pura e simplesmente, bebeu um copo ou dois a mais. Como sempre, o vestido é vistoso. Neste caso, escuro, com lantejoulas, longo, com uma cauda, as costas abertas e um decote apertado. Só não tinha a racha que é, normalmente, estrategicamente colocada na perna direita para, com a orientação do piano e do banco, ficar virada para o público.

A mão a deslizar pelo rebordo do tampo do piano enquanto caminhava, até que parou de frente para o público e fez uma vénia pronunciada, teatral de exagerada que foi. Sentou-se e deu início aos 24 prelúdios de Chopin. Um por cada uma das tonalidades maiores e a sua respectiva relativa menor, ordenados pelo ciclo das quintas. Não que tens tocado mal - duvido que o consiga sequer fazer. Mas foi pouco convincente, pouco embrenhada de forma que esperaria ver. Talvez o público tenha tido alguma responsabilidade: por mais de uma vez, no momento em que inspirou e ergueu os braços na direcção do teclado para começar o prelúdio seguinte, foi desconcentrada pela tosse de um qualquer espectador. Voltou com as mãos atrás, ajeitou-se na cadeira, coçou a cabeça.

Veio o intervalo. Os vinte minutos escritos no programa esticaram para meia hora, momento a partir do qual alguns dos espectadores, impacientes, começaram a bater palmas e a assobiar. Aos trinta e cinco minutos, o apresentador anunciou que a jovem pianista chinesa regressaria dentro de cinco minutos. E voltou. A mesma entrada atabalhoada, embora, desta vez, as variações e fuga sobre um tema de Händel de Brahms tenham soado de outra forma.

E depois veio talvez a melhor parte do concerto. Yuja Wang é conhecida pelos encores e esteve à altura dessa fama. Foram seis e impressionantes (um dos quais, fenomenal, aqui em baixo). Entrou e saiu todas estas vezes, uma delas esbarrou contra a porta giratória que dá acesso ao palco e, na entrada seguinte, não conseguiu não se rir um pouco. É possível que tenha fumado umas coisas durante o intervalo. Se o fez, apoio incondicionalmente. Porque resultou.

segunda-feira, 10 de abril de 2017

Bom para a tosse

Os espectadores deviam receber uma colherada de xarope antes de entrar para um concerto.

domingo, 9 de abril de 2017

Chamava-me Daniel com cara de Francisco.

Achava que o meu nome não me assentava, vá-se lá saber porquê. Falava alto e bom som, com uma desenvoltura incaracterística, numa daquelas vozes que enchem qualquer sítio. Uma voz que saía da cadeira onde se sentava sempre, apropriada ao corpo doente, às pernas e ao tronco enfezados. Gritante o contraste que aquela cadeira especial fazia com as restantes cadeiras (normais) da sala de espera.

Respondi à pequena provocação mantendo o mesmo tom a roçar o jocoso. Um puto de 10, 11 anos a gozar comigo. E ficámos um pouco à conversa. Mas a certa altura não resistiu e baixou a guarda. Havia um grupo de pessoas mais à frente na outra sala e disse-me que o que queria mesmo era poder andar como eles. Largou-me esta frase na cara mas não teve a coragem de manter o olhar em mim, virou o pescoço e olhou para os outros.

Deixou-me a sofrer para lhe conseguir responder: que raio se diz? Não me lembro o que me saiu da boca (recalquei?), apenas fiquei com a impressão - ténue, dado o tempo que já passou - que terei conseguido, ainda assim, desfazer aquele aparente nó górdio em que a conversa se tinha transformado. A morder-me todo por dentro.

É que, pior do que angústia da consciência da sua limitação, dificilmente não teria noção do seu próprio desfecho necessariamente precoce. Que, entretanto, já deverá ter acontecido: passaram anos suficientes para que a sua longevidade injustamente reduzida tenha chegado ao fim.

sábado, 8 de abril de 2017

terça-feira, 4 de abril de 2017

Pernão

A um esquiador prestes a começar uma prova de slalom deseja-se boa sorte dizendo "break a leg"

domingo, 2 de abril de 2017

1 Slam e 2 Masters. Em Abril

Vindo de mim, que não costumo fazer grandes vaticínios: a caminho de voltar a nº1 aos 36 anos. Lá para o final do verão.

Outubro

«De que falava eu? Do amor... da minha primeira mulher... Quando nos nasceu um filho, chamámos-lhe Outubro. Em honra do décimo aniversário do Grande Outubro. Eu queria também uma filha. «Se queres um segundo filho de mim, quer dizer que me amas», disse ela, rindo-se. «E como chamaremos à nossa filha?» Eu gostava do nome Liublena, formado das palavras «amo Lenine». A minha mulher escreveu numa folha de papel todos os seus nomes preferidos: Marxana, Stalina, Engelsina... Iskra... Os que estavam na moda. Ainda tenho essa lista na secretária...»

O fim do homem soviético, Svetlana Aleksievitch

sábado, 1 de abril de 2017

Como as malas muito cheias

A rebentar de cheias, daquelas que só se fecham quando uma pessoa pesada se senta em cima delas: se se abrem, é uma chatice para voltar a fechar.