terça-feira, 31 de agosto de 2010

Vejo a fotografia.

Por acaso. Tropeço nela enquanto vasculho à procura de outra coisa. E de imediato sinto. Sinto aquela imagem de uma forma estranhamente intensa. Sinto o raio da imagem com o corpo todo. Uma espécie de choque que atravessa da cabeça aos pés. Uma imagem, uma porcaria de uma fotografia.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Entusiasmo

«Studying market patterns in Muslim countries between 1989 and 2007, he found that returns during Ramadan were almost nine times higher than in the rest of the year. The reason, he says, is that the seasonal cheer encourages optimism and thus risk-taking»

The economist

Nürnberg #2






















sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Schmertz

Nem sequer é a dor que me preocupa. Rapidamente te adaptas e aprendes a viver com ela. Ao ponto de verdadeiramente não te incomodar. O problema é a insensibilidade.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Mão

Passa por detrás da cadeira onde ela está sentada de livro na mão, virada para o mar. Quando está exactamente por detrás dela, a mão esquerda suavemente no cabelo loiro apanhado. Ela vira-se para trás, sentido o toque, responde à pergunta que ele lhe faz – qualquer coisa sobre o pedido que fez no bar. Mas a mão. A mão sempre na cabeça, no cabelo de um loiro pouco uniforme, como que a suportar, a amparar. Uma mão grande e robusta mas de uma suavidade própria. Chama-lhe filha e, pouco depois o nome, numa voz grave e funda. A pergunta e a resposta terminam, ela volta a virar-se para a página do livro aberto e para o sol do mar lá ao fundo. E ele retira lentamente a mão grande do cabelo loiro, apanhado no alto da cabeça.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Hortelã

Hortealgodão
Hortelinho
Hortefazenda
Horteveludo
Horteseda
Hortelycra
hortenylon

E por aí fora

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Zeichen der Zeit

Adorava ser como aquelas pessoas que não se apegam às coisas. Que não guardam nada. Que não precisam de ter. Gostava de saber como fazem para não precisar de ter, para fazer com que as coisas não tenham valor, sejam desprovidas de interesse. Desapegadas. Têm apenas aquilo que faz parte do momento em que estão. E nada mais. Passam por cima de tudo e olham para o caminho à frente. Olhar para trás, sem olhar para trás, sem sequer pensar que existe alguma coisa atrás, há sempre qualquer coisa que ficou algures lá para trás. Mas eles não. Não se preocupam. Não precisam de se preocupar. Nunca guardam. Vivem sem a necessidade de ter a preocupação de quem se agarra às coisas, aos tempos, às pessoas. Nada. Um desapego absurdo. Largam tudo na berma da estrada, do percurso que trilham sem nunca olhar por cima do ombro, como se não estivesse lá nada, rigorosamente nada, que por um momento que seja lhes possa roubar a atenção. E nada mais. Seguem. Por cima de tudo. Por cima do nada que atribuem a tudo. Um desinteresse. Como se constantemente recomeçassem, como se só tivessem recomeços ao longo da vida. Estacas zero, umas a seguir às outras, uma linha delas, uma estrada delas.

E nada mais.

domingo, 22 de agosto de 2010

Um sorrisinho

Ainda me lembro quando precisava de fotografias para documentos ou qualquer coisa oficial. Tinha que ir à estação, ao fotógrafo. Ficava mesmo ao lado do barbeiro – onde cheguei a ir algumas vezes com o meu avô cortar o cabelo –, do outro lado da rua da Casa Viola e da churrascaria. Havia uns três, quatro degraus à entrada, passava a porta e, ao balcão, fazia o meu pedido. O homem que costumava atender, um senhor dos seus cinquenta e picos anos, careca, gordito, perguntava se era para levar naquele momento ou para passar a buscar depois. Porque se fosse para levar logo ele podia tirar Polaroids mas não ficariam tão boas como as outras. E depois, sempre a conversa de quantas fotos vão ser: oito sai mais barato mas doze faziam a oferta de uma fotografia grande. Normalmente optava pela última hipótese e fazia o brilharete de dar a fotografia de oferta à minha avó.

E então, através de uma porta velha de madeira escura, passávamos para a sala de trás. Um fundo de nuvens de um azul artificial preenchia um dos lados. No chão, um tronco de uma árvore onde me sentava. Na parede mesmo ao lado da porta e totalmente fora do ângulo da fotografia, um espelho e um pente para dar os últimos retoques no cabelo e evitar sair despenteado. Depois a parte de sentar: tronco mais para esquerda, mais para direita, queixo para cima, isso, não mexe. Agora sorrisinho, sorrisinho. E lá soltava a coisa mais amarela que conseguia, normalmente mais esgar de dor do que sorriso. Uma foto e uma segunda por segurança. E já está. Dois, três, quarto dias depois estavam prontas.


Há dias fiz um cartão de acesso ao meu local de trabalho. Entre duas larachas, a pessoa que trata do assunto tirou-me uma fotografia com uma máquina digital com um flash doloroso e, no momento, imprimiu o cartão e passou-mo para a mão.

Sol de pouca dura

sábado, 21 de agosto de 2010

terça-feira, 17 de agosto de 2010

(B)(R)elief

De repente fez-me sentido,
sabes?
De um momento para o outro, não sei bem explicar como. Logo eu que, ainda por cima, procuro sempre uma explicação para tudo, uma lógica, um raciocínio. Desta vez não. Apareceu, pura e simplesmente, como se caísse do céu aos trambolhões e, de repente, tudo fazia sentido
Percebes?
Não sou nada o tipo de pessoa de acreditar neste tipo de coisas, acredito em coisas concretas, objectivas, que consiga explicar. E, no entanto, como se se tratasse de um puzzle cujas peças miraculosamente se encaixassem umas nas outras por iniciativa própria. Sentido. Tudo.

domingo, 15 de agosto de 2010

Fortnight

Há aí um programa que se chama “Salve-se quem puder” cuja longevidade me custa a perceber. Daquilo que consegui depreender, o objectivo é que os concorrentes consigam passar pelo intervalo desenhado numa parede que se move no sentido de uma piscina: a ideia é que consigam evitar ser empurrados para dentro da água. Se bem entendo, este é o grande objectivo de tudo o que acontece neste concurso e a única coisa que introduzindo alguma dinâmica ao concurso são diferentes recortes na tal parede que obrigam os concorrentes a posicionarem-se de forma diferente para não irem à água. O que verdadeiramente me interessa – e, de certa forma, me espanta – é como raio um programa tão vazio quanto este dure mais do que quinze dias.

Kaiserstraße

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Depois de teres passado muito perto uma vez.

Já não há volta. Fica para sempre. Por muito que queiras esquecer tudo, apagar tudo. Deixar tudo convenientemente para trás. Limpar. Uma purga. Não dá. Impossível. Burro de carga. Somos como uma mala sem limites, uma bagageira onde cabe sempre mais qualquer coisinha.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

No laughter in the dark

O meu objectivo estava perfeitamente traçado e não tinha nada a ver com quaisquer outras bancas de venda. E, no entanto, dei por mim a percorrer o flohmarkt de ponta a ponta, lés a lés. Fascinado com aquele mundo. Das roupas aos sapatos, das panelas aos talheres, móveis e candeeiros, cortinados e toalhas, aparelhos de cozinha e televisores. Até instrumentos médicos, no meio de todo o tipo de tralhas e bugigangas. Parei quando vi CDs e vinis. Não resisti. Passei as mãos por aquelas caixas velhas e gastas, riscadas, sujas. Coisas à venda por menos de cinco euros de todos os géneros musicais. De repente, no meio de inúmeros nomes que pouco me diziam, uma capa azul conhecida. Foi talvez uma fracção de segundo até conseguir localizar exactamente donde. E aí surgiu-me. Ficou claro. Na bancada, lá atrás, onde costumava estar a aparelhagem, com as costas das cadeiras de cinema velho. Era ali que o costumava ver. Não comprei não sei bem porquê porque a verdade é que não consegui deixar passar sem procurar os temas todos na net. Três ou quatro deles estavam frescos na minha memória quase como se estes mais de dez anos (doze, o álbum tinha acabado de sair em 98) não tivessem feito mossa nenhuma. Mas havia outro. Mas acompanhava a partir de certa altura, quando surgiam distintos os arpejos. Cujo título não foi imediato. Claro que eu não sabia que faixa era, não era eu que o punha a tocar. Era este o tema.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Brauchen Sie kurzstrecke?

Tocou-me no braço para me chamar a atenção. Com alguma intensidade. Alto, com uma voz funda. Respondi-lhe que sim e pôs-me um bilhete na mão. Com alguma surpresa, exibi-lhe a moeda de dois euros que ia pôr na confusa máquina de bilhetes da estação. Fez-me um sinal negativo. Não era preciso. Agradeci e dirigi-me às escadas rolantes.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

sábado, 7 de agosto de 2010

May the best man win

Os padrinhos ganham sempre

Hercules

Depois de teres passado muito perto uma vez. Já na há volta. Fica para sempre. Por muito que queiras esquecer tudo, apagar tudo. Deixar tudo convenientemente para trás. Limpar. Uma purga. Não dá. Impossível. Burro de carga. Somos como uma mala sem limites, uma bagageira onde cabe sempre mais qualquer coisinha.

33 Euros com cadeado incluido

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Ich bin sofort bei Ihnen

O frigorífico. Outra vez. Primeiro o arranque. Uma espécie de solavanco, como se tivesse em paragem cardíaca e o coração recomeçasse, subitamente, a bater. O som metálico.
Vvvrrrrr
Trepida, faz comichão nos ouvidos. E, de repente, Sons indistintos. Portas, torneiras, canos. Vozes, às vezes, ao longe. E a chuva. A chuva praticamente não cai sem ser anunciada por trovões e relâmpagos que rasgam o ar e o céu.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Faz um sorriso quando vê que a vejo.

Ainda ao longe. É um sorriso curto, simples. Parece até contido mas tenho a certeza absoluta que significa mais do que muitos sorrisos rasgados, escancarados, que abrem a cara de orelha a orelha. Dirige-se a mim. Vem buscar-me. Outra vez. Segura-me a mão levemente, sem dizer nada. Dá-me um beijo – também ele curto, simples – na testa. E só depois fala comigo.

domingo, 1 de agosto de 2010

Zauberberg

«Confie em mim, é sempre assim que as coisas se passam. Conheço a morte, sou um velho funcionário ao seu serviço, temos tendência sobrevalorizá-la, acredite no que lhe digo! Posso assegurar-lhe que ela não vale nada. Tudo aquilo que a precede e que, em certas situações, pode assumir contornos ultrajantes não pode ser imputado à morte: são circunstâncias que fazem parte da vida mais activa e que podem conduzir à cura e à sobrevivência. Ninguém que regressasse do reino dos mortos lhe poderia relatar qualquer coisa de concreto sobre a morte, porque ninguém a experiencia. Nascemos das trevas e é nelas que nos afundamos. Entre um pólo e o outro vivem-se experiências é certo, mas é verdade é que não experienciamos nem o princípio nem o fim, nem o nascimento nem a morte, o que significa que eles não têm carácter subjectivo. Enquanto fenómenos, pertencem exclusivamente à esfera do objectivo, é o que é.»

A montanha mágica, Thomas Mann