sábado, 31 de outubro de 2015

Chegamos à estação de comboio com a mesma hora de antecedência de quando chegámo à ida.

Depois de ter jantado num restaurante pouco interessante, onde praticamente só estavam pessoas com o mesmo objetivo: aguardar pela hora de embarque. Alguns usavam as mesas para jogar às cartas.

É certo que à ida tínhamos que levantar os nossos bilhetes. Balcão 9, segundo estava escrito no voucher, um balcão destinado a turistas. Entregámos os vouchers, seguimos o conselho da senhora do outro lado e sentámo-nos à espera. Meia hora? Se não foi, terá sido perto. Depois de impacientemente lhe termos perguntado o que estava a demorar tanto – pensámos que se tratava de recebermos uns bilhetes, nada mais – e de ela se ter desculpado, uma rapariga nova veio buscar-nos e levar-nos literalmente até ao compartimento de quatro camas dentro do comboio.

Será que iriamos ter o mesmo tratamento agora? Já tínhamos os bilhetes de regresso connosco. Uma funcionária fora do edifício informou-me (algo trombuda) que ainda não era hora, era cedo. Um comboio para outro destino partiu. E, depois disso, a funcionária dirigiu-se até às duas portas de vidro que davam acesso às plataformas e, pelo lado de fora, fechou-as com uma corrente e um cadeado. Instintivamente olhámos para as outras duas portas que davam para a entrada do edifício da estação. Com uma piada tensa, brincámos com o alívio daquelas ainda estarem abertas.

Algum tempo depois, quando finalmente a hora de embarcar chegou, a mesma funcionária retirou a corrente e o cadeado. Hordas de pessoas de mochila às costas e chinelos dirigiram-se ao comboio.

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

É possível que tenhamos escolhido um cruzeiro mais high-end do que a nossa idade faria supor.

A bordo do barco de juncos que nos levaria à Baía de Ha Long por dois dias estava um grupo de idosos franceses da idade dos nossos pais – com o seu próprio guia francófono – e nós – com o nosso próprio guia anglofalante.

As saídas do barco são, infelizmente, poucas e a noite é passada a bordo, ancorados ao lado de inúmeros outros barcos similares. A primeira vez que saímos é com o objetivo de visitar a caverna das surpresas, assim designada pelos primeiros franceses que a viram. O nosso guia aconselha-nos – e, constatamos um pouco depois, com razão – a ir bem calçados, uma vez que o chão é escorregadio.

O acesso à entrada da caverna é feito através de uma escadaria, cerca de uma centena de degraus. Subimos à velocidade a que subiríamos em qualquer outro sítio mas aqui o calor não é o calor de qualquer outro sítio. E se no interior das paredes de pedra o sol não nos toca e a humidade nos faz sentir mais frescos, essa mesma humidade também se nos cola à pele.

Saímos como entrámos, a destilar. Sempre com a garrafa de água na mão. Voltamos ao barco onde fazemos uma curta paragem para vestir os calções de banho. Pergunto ao guia se, desta vez, podemos deixar os ténis para trás e calçar uns chinelos. Diz-me que sim, há um miradouro no topo da próxima ilhota onde vamos parar mas não há perigo de escorregar.

São quatrocentos e vinte degraus até ao miradouro do topo da ilhota. Há um descanso mais ou menos a meio do caminho. A vista do topo é deslumbrante. Os turistas acotovelam-se para tirar selfies com a paisagem no fundo. Muitas vezes de tronco nu, numa tentativa inútil de batalhar contra o calor.

A praia lá em baixo é um bom incentivo para tirar as últimas fotografias e iniciar a descida. E é logo nos primeiros degraus que me apercebo que vai ser mais complicado do que aquilo que parecia inicialmente. Os pés molhados escorregam nos chinelos rijos de enfiar o dedo, um problema não antecipado. É difícil manter o equilíbrio e a descida acabar por ser mais lenta do que a subida.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Thought control

Costuma dizer-se que a educação (formal) é um dos principais entraves ao desenvolvimento do país. Ainda assim, a segunda acepção desta palavra não lhe fica muito atrás.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

É para sempre

Na parede da Faculdade de Ciências Sociais, na Avenida de Berna. Letras secas, impessoais. Pretas, sobre o muro branco. Tirei uma fotografia de telemóvel na mão, após ter tirado umas quantas ao mural do Salgueiro Maia, um pouco mais à frente. Há um ano e tal, dois anos atrás. Ainda pensei regressar de máquina de fotografar a sério. Procrastinei demasiado: a inscrição foi apagada. Não foi para sempre.

domingo, 25 de outubro de 2015

A transparência da preguiça

De tão preguiçoso que era não se dava ao trabalho de fingir e tentar convencer os outros do contrário.

sábado, 24 de outubro de 2015

O inverso da ilusão monetária

A ilusão monetária retrata a sensação, tipicamente associada a contextos de inflação elevada, de o valor nominal da moeda ofuscar o valor real do que efectivamente com ela se pode comprar: ter (aparentemente) muito dinheiro na mão que, na prática, não se traduz na capacidade daquilo que se pode com ele fazer.

No Vietname, sente-se o inverso da ilusão monetária: mesmo tendo a taxa de câmbio de 25 000 dongs por euro bem presente, levantar dois milhões no ATM ou pagar meio milhão por um jantar parecem sempre extorsão. E, no entanto, estão abaixo dos padrões europeus.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Saímos de casa para o aeroporto com uma curta paragem para fazer primeiro.

Um amigo pede que lhe levemos algo para uma conhecida que vive em Hanói. Passam agora algumas dezenas de horas desde que saímos de Paris, e após uma curta paragem no hotel, seguimos a sua recomendação de ver o pôr-do-sol na ponte Long Biên. The best view in Ha Noi. É aí que combinamos encontrarmo-nos.

Saímos para o calor opressivo da rua e começamos a tentar andar pelo aparente caos das ruas estreitas. Atravessar a rua é um quase acto religioso, um salto de fé. Ninguém sequer considera a possibilidade de nos deixar atravessar – a única forma é atravessar. E, assim que se começa, não se pode voltar atrás. Sem hesitar. Segue-se cuidadosamente, deixando as motos serpentearem, passarem à nossa frente ou atrás. Paramos a olhar para algumas manobras, rimos incrédulos do que vemos.

Enganamo-nos no lado da ponte, descemos, damos a volta para subir do lado certo. Andamos por um passeio estreito e, por vezes, interrompido, que ladeia uma faixa para motorizadas. A meio, uma plataforma mais larga permite que estejamos fora do passeio, com espaço, a olhar para o perfil da cidade, iluminado pelos tons do sol que se esconde. Por debaixo, o rio vermelho, a vegetação, e o lixo.

Ela finalmente chega. Atrasada, de moto, a forma mais prática de alguém se movimentar em Ha Noi. Quando finalmente nos livramos do emaranhado do trânsito da ponte e conseguimos falar, propõe-nos um sítio onde jantar. E dá-nos à escolha: ou nos metemos num táxi e nos encontramos com ela no restaurante ou um de nós vem com ela e ela arranja quem leve de moto os restantes dois. Escolhemos a segunda opção quase instintivamente.

Pouco tempo depois das primeiras lutas para navegar por entre as motorizadas das ruas de Hanói, estávamos em cima de uma.

domingo, 18 de outubro de 2015

Dietas

Preocupamo-nos em abrir o apetite - por exemplo, a passear ao pé do mar - mas nunca em fechá-lo. Apenas em contrariá-lo.

sábado, 17 de outubro de 2015

Donas-de-casa, pints e o orçamento de Estado

O discurso da dona-de-casa é frequentemente usado para os países tidos como mais gastadores. Gerir um orçamento de Estado é um exercício equivalente ao de uma dona-de-casa que tem de gerir o seu orçamento familiar: basta não gastar mais do que aquilo que se tem.

É a este tipo de discurso a que um membro do público que assiste a um debate em Cambridge alude, quando pede para intervir e questionar o painel, constituído essencialmente por membros britânicos, mas também com a presença de Yannis Varoufakis (aqui, sensivelmente ao minuto 33).

Diz: malta, isto da economia é fácil: eu tenho dez libras no bolso e se for beber três pints em Cambridge, estarei provavelmente a usar dinheiro emprestado. Se continuar a fazer isso, vou ficar sem dinheiro e vou à falência, não é complicado. Vocês [políticos] só precisam de se sentar e decidir colectivamente o que país precisa.

Varoufakis desmistifica de imediato e explica-lhe que essa analogia não é correcta e que a lógica individual não pode ser transposta para o nível agregado de um país. Explica-lhe que na vida dele há uma independência entre as suas despesas e o seu rendimento: o facto de ele deixar de beber pints, respeitar a sua restrição orçamental e não gastar mais do que tem no bolso não afecta o seu rendimento, no final do mês vai continuar a receber exactamente o mesmo. Ora isto não é verdade para um país, onde, em agregado, as despesas são iguais ao rendimento. Se toda a gente poupar mais, o rendimento diminui. E é por isso que (com o devido respeito), não estaríamos forçosamente melhor se fossemos chefiados por donas-de-casa.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Para fora cá dentro

A existência de um inner self pressupõe a de um outer self. Aparentemente só ansiamos conhecer e perceber a fundo o primeiro.