sábado, 29 de novembro de 2014

Nunca daria para político

Nem que quisesse. Por uma questão física. Não tenho projecção de voz suficiente para falar "congresso style".

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Mola

Tudo em suspenso. Parece que pára tudo. À espera. Como uma máquina que não é bem uma máquina no tempo. Uma máquina que congela o tempo, que congela os movimentos, a acção. Fecha a porta, prende à cadeira. E, pior que isso, traz uma certa inércia que é difícil de contrariar, de enxotar. Até aí se nota a inacção, na incapacidade de sacudir a causa.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Métier

«O facto é que me interessa muito mais um padeiro que um economista. Ou um gestor. Criaturas que, não sei porquê, me dão pena: economistas, gestores, administradores, directores, banqueiros. Deve ser triste ganhar dinheiro assim. O que sonhará um economista, a que brincava um gestor em criança? Ou nasceram já crescidos? Imagino-os debaixo do chuveiro, de gravata, a falar ao telemóvel. E sabe-se que são velhos não pelo aspecto mas porque quando contam que arranjaram uma secretaria boa se referem a um móvel. O que sonhará um economista posso imaginar mais ou menos, agora o que sonha a mulher de um economista é que me preocupa. Se eu fosse mulher de um economista sonhava com canalizadores ou mecânicos de automóvel, homens que usam as mãos e não lêem revistas de golfe nos domingos de chuva. Estou a brincar. Não conheço nenhum economista, aliás. Se conhecesse abria-lhe logo a tampa a fim de espiar o que traz na barriga: cartões de crédito, canetas caras, camisas por medida?»

Quarto livro de crónicas, António Lobo Antunes

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Força

«Um livro é um acto de vontade. Faço-o porque resolvi fazê-lo. Porque o que leio dos outros muito raramente me satisfaz, cada vez menos me satisfaz. Sendo totalmente sincero não me satisfaz. De maneiro que redijo o que gostaria de ler. O problema é que não leio, isto é não estou de fora e portanto não leio. Limito-me a fabricar e isso não é ler. A tentar aproximar-me do que imagino as ocasiões que forem necessárias até que as páginas se tornem o que pretendo. Não é, não sei como dizer, não é um trabalho de inspiração
(qual trabalho de inspiração)
é um trabalho de oficina. Fico todo dentro da coisa, a mexer nela. Acordo com ela, deito-me com ela, passo o dia inteiro com ela, ela e eu
(é difícil exprimir isto)
somos o mesmo organismo, não parte de outro, o mesmo organismo.»

Quarto livro de crónicas, António Lobo Antunes

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Aceno

A senhora vai a descer a rua e, de repente, pára à sua frente. Ele está sentado na entrada de um prédio, na pedra. Diz-lhe qualquer coisa que não consigo perceber mas depois
Quer comer
E o homem diz-lhe veementemente que sim, acena com a cabeça. E ela faz-lhe sinal para que a acompanhe. Ele levanta-se, ajeita-se - mete a camisa para dentro das calças, passa a mão pelo cabelo - e atravessam os dois a rua em direcção ao café.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Comovement

Há quem seja anti-social. E há quem seja anti-rede-social. É possível que a correlação entre as duas características não seja positiva. Pelo contrário, até é possível que seja bem negativa.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Até o amanhã é ontem às vezes

«O professor
- Estás a olhar para ontem, idiota?
E é verdade, estou a olhar para ontem, sempre olhei para ontem. Até o amanhã é ontem às vezes. Charlie Parker interrompeu uma vez uma gravação atirando com o saxofone, aos gritos
- Já toquei isto amanhã
e ninguém foi capaz de convencê-lo a continuar. Como eu o compreendo, como às vezes sinto
- Já escrevi isto amanhã
e rasgo tudo.»

Quarto livro de crónicas, António Lobo Antunes

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Nossa

Entra na carruagem do metro, um acordeão nas mãos. Um amplificador num suporte com umas rodinhas, parecido aos carrinhos que as senhoras de idade usam para ir às compras. Roupa velha e suja. E começa a tocar, a caixa de ritmos a acompanhar com um swing metálico. Uma escolha óbvia. Um clássico, o standard dos franceses (uma vez tive uma discussão com a minha professora de francês por causa deste tema), o autumun leaves (feuilles mortes, neste caso) - prolonga excessivamente a primeira nota, adultera um pouco o sentido da música. Poucos minutos depois, sem acabar, passa a outro tema. Percorre algumas coisas óbvias - My way, Sinatra nunca desaponta. Somewhere over the rainbow. Acaba com outro tema óbvio. Não toca, põe a caixa de ritmos a cuspir o Champs Elisées do Joe Dassin, enquanto percorre a carruagem, interpelando as pessoas com o copo para as moedas na mão. Tem pouco sucesso, sai da carruagem. Poucas estações depois entra outro. Faz um gig em tudo semelhante - um ou outro standard, Frank Sinatra, música ligeira francesa. A mesma reacção fria do público do metro da linha seis e, no final, pouco tilintar de moedas. Interessante foi o terceiro artista de metropolitano. As primeiras componentes do espectáculo foram essencialmente iguais. A terceira foi surpreendente. A música da volta triunfal foi o Ai se eu te pego. Começado a tocar antes do início da volta a recolher moedas: as pessoas a trautear a música, a bater o pé, meneios. E neste caso, sim, a recolha de moedas teve sucesso e finalmente houve moedas a entrar para o copo.

domingo, 9 de novembro de 2014

The longer you listen, the sweeter the pitch

Em português ficamo-nos por confiar e confiança. Ao invés, há alguma diferença na forma como as palavras inglesas trust e confidence são usadas, assim como os respectivos verbos. Confidence é algo mais intrínseco e contido. É intra-pessoal. Trust, por seu lado, é interpessoal, atravessa a esfera de um indivíduo para outro. Posso ser self-confident ou não, mas trust someone.

Ambivalência

Não gosto de ler o Lobo Antunes na Visão mas devoro os livros de crónicas.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Espelho meu

De pé, parado, a olhar para o telefone. Mas não na posição típica e mais confortável: braço perto dos noventa graus, cabeça a olhar para baixo para o visor. Não, no caso dele tem o braço esticado à altura da cabeça e olha fixamente. Aliás, vira ligeiramente a cabeça lateralmente sempre com os olhos fixos no visor. Só quando leva a outra mão à cabeça, ajeitando o cabelo, é que percebo o que está a fazer: a aproveitar a funcionalidade do aparelho para tirar fotografias - neste caso selfies, com a câmara apontada para si próprio - para se pentear. De facto, não me tinha ocorrido. Que se cuidem os pequenos espelhos de maquilhagem das senhoras, e mesmo os espelhos da pala dos carros do lado do pendura.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

É muito difícil não ter perguntas.

Não há muitas coisas que não as suscitem, quase todos os assuntos desencadeiam pontos de interrogação a certa altura. Mas é um certo limite ao que é adequado - a ausência de respostas satisfatórias (ou a proliferação de respostas insuficientes) gera desconforto. Felizmente, é muito menos difícil não fazer perguntas do que efectivamente as ter.

domingo, 2 de novembro de 2014

Joaquin Phoenix fala com a Scarlett Johansson em versão sistema operativo

“Sometimes I think I’ve felt everything I’m ever gonna feel. And from here on now I’m not gonna feel anything new, just lesser versions of what I’ve already felt.”

sábado, 1 de novembro de 2014

A divisão quase às escuras, apenas uma luz muito ténue.

Mais ténue do que as mudanças de luz do televisor. Abruptas, brilhantes. Coloridas. Só sabia que estavaspelas diferentes luminosidades. Espelhadas pela parede nua, como uma tela branca borrifada de cores aleatórias. O volume no mínimo. Nada te interessava naquilo que ouvias. Nem sequer no que vias – o que interessam aquelas pessoas ruidosas e vazias que passam a vida dentro dos televisores? Deixavas-te ficar, enfeitiçada pelo encanto daquelas cores, luzes, que se sucediam em cascata.