terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Às vezes

Só às vezes, não mais do que isso. Só mesmo de vez em quando. É suficiente, não é preciso mais. Só isso e nada mais. Só mesmo isso.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Vínculo

Pede-me desculpa por estar a incomodar, tocou à porta porque não consegue tirar o carro e diz-me
Não tenho vínculo
sem perceber que está a fazer uma misturada com português e alemão – vive há uma série de anos na Alemanha, o português dela já está impregnado de fragmentos germânicos. Está a transformar Winkel na palavra portuguesa mais próxima mas que não tem nada a ver com o que quer dizer. Brinco com ela
Sprichst du Portugiesch oder Deutsch?
Fica a olhar para mim, pergunta-me com um sorriso
O que é que eu disse?
Explico-lhe
O que querias dizer era ângulo.
e ri-se.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Buzón

Discutíamos a velha questão do
Já ninguém escreve cartas, já ninguém envia postais
E que é triste e por aí fora. A internet, o e-mail vieram mudar isto tudo.
Dantes as pessoas abriam a caixa do correio com alguma emoção, a surpresa de receber uma carta de alguém. Agora, abrir a caixa do correio é um exercício desprovido de interesse, é meramente algo que temos que fazer. Lá dentro estão as contas, as cartas do banco, a publicidade da Telepizza.
É isso, só recebemos o que não queremos.

domingo, 22 de dezembro de 2013

You make a everything, groovy

O final apoteótico (pirómano?) da actuação em Monterey tornou-se uma das imagens de marca de Jimi Hendrix. Foi também a porta de entrada nos Estados Unidos: até então só Londres lhe prestava atenção.

sábado, 21 de dezembro de 2013

Detesto quando as pessoas se referem ao tempo que passam com os filhos como quality time.

Quer dizer, percebo a dificuldade e preocupação em ter tempo para os filhos. Mas tempo de qualidade parece trazer associada uma noção de eficiência em relação àquelas horas que se dispensam para os filhos que torna o conceito de imediato intragável.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

O todo; a soma

«Father said a man is the sum of his misfortunes. One day you’d think misfortune would get tired, but then time is your misfortune Father said.»

The sound and the fury, William Faulkner

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Maturidade

O tempo médio entre publicar um texto e deixar de me identificar com ele andava na casa de alguns anos. Agora, alguns minutos.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

A fotografia em cima do móvel da sala.

Dizes-me que és tu com alguma surpresa, estranheza por eu não ter percebido logo.
Mas não pareces tu.
Tens uma expressão na cara que não estou habituado a ver, não costuma estar nem ficar na tua cara. Nem sequer é uma daquelas expressões fugidias que fazemos apenas por breves instantes sem dar por isso, expressões que são apenas transitórias entre outras duas e de que às vezes as fotografias se apercebem e imortalizam e nos deixam a pensar como pode aquela cara ser nossa, já que a não reconhecemos. Não é nada disso, é uma expressão que nunca te vi de todo na cara.
Será doutro tempo, será doutra altura?
Imagino-te mais nova – eras mais nova seguramente. Tento imaginar o que poderá ter despoletado a tua expressão. Pareces feliz.
Será isso, estavas feliz?
Tento imaginar-te feliz.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Fúria

«Any live man is better than any dead man but no live or dead man is very much better than any other live or dead man.»

The sound and the fury, William Faulkner

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Chá do deserto

Os polícias estão parados num cruzamento, no meio do nada. No deserto, vestidos de cima abaixo, a rigor. Não têm carro. Não têm nada senão duas pastas encostada a um placard com indicações e os dois casacos pendurados a duas barras de metal. Mandam-nos parar. Conversam, não percebemos uma palavra. Pedem documentos, veem uma série de documentos, papéis velhos com vincos marcados de passarem o tempo dobrados. No final pedem água. Ficam com as nossas duas garrafas de litro e meio. Toda a água que temos.

domingo, 15 de dezembro de 2013

Apropriação

«Because Father said clocks slay time. He said time is dead as long as it is being clicked off by little wheels; only when the clock stops does time come to life.»

The sound and the fury, William Faulkner

sábado, 14 de dezembro de 2013

Dar Alfarah

O miúdo que trabalha no riad – simpático, muito solícito – vem avisar-nos que chegou o guia. Estamos a acabar de tomar o pequeno-almoço que ele improvisou
Café, salade de fruits, gâteau
porque ainda não é hora de servir pequeno-almoço. É demasiado cedo. O guia chegou antes – chegam todos antes da hora – já vamos, só precisamos de uns minutos. O miúdo abre-nos a porta e do outro lado está um tipo com um carrinho de mão, bata azul gasta, suja, com nódoas, que prontamente nos pega nas malas. O miúdo explica
Il va vous emmener jusqu’à votre guide.
Seguimos o homem que empurra o carrinho de mão com as nossas malas por entre o labirinto de ruelas estreitas e sujas, onde os gatos lutam no meio do lixo por entre restos de comida, o cheiro a mijo, as motos, lambretas passam disparatadamente rápido e perto de nós. Algumas direitas e esquerdas depois chegamos a uma rua maior, uma parte mais ampla da cidade. Gente, carros, motas, ninguém liga nenhuma, é difícil chegar ao outro lado da rua onde o tipo do carrinho de mão pára em frente a outro que fala ao telefone e então percebemos que é o nosso guia. Cumprimentamo-lo. Dou uma moeda de dois euros ao tipo do carrinho de mão, faz um sorriso e vai-se embora.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

For whom the bell tolls

Assim que surge a máquina fotográfica e fazemos a pose, os miúdos vêm a correr pôr-se à nossa frente, encostados às nossas pernas. Como se reagissem à máquina da mesma forma que o elefante do jardim zoológico reage à cenoura e toca o sino. Riem e sorriem para a foto, estão divertidos. Depois sentam-nos no tapete na tenda aberta, a mãe chega com o bule e os copos, preparam-nos para o ritual do chá. Os miúdos ficam à volta da mãe, têm na boca os rebuçados que lhes demos. Falam entre eles, não percebemos nada. Sentimo-nos a mais, sentimo-nos a mais. Não sabemos como agir, não sabemos o que fazer excepto que a certa altura é suposto darmos mais do que uns rebuçados, é suposto deixarmos algum dinheiro. Porque é tudo falso e artificial, uma forma de ganharem algum dinheiro. Falamos como podemos entre nós tentando não ser perceptíveis sobre quanto deixar – não sabemos. À primeira oportunidade, deixo uma moeda de 10 dirhams na mão de cada um dos três miúdos e saímos dali. A última imagem que guardo é de olhar para trás enquanto me afastava e ver a mãe de braço esticado e sem o sorriso com que nos recebeu a recolher as moedas das mãos dos filhos.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Unabhängigkeit

«(…) l’erreur est de penser que cette quantité d’expérience dépend des circonstances de notre vie quand elle ne dépend que de nous. Il faut ici être simpliste. A deux hommes vivant le même nombre d’années, le monde fournit toujours la même somme d’expériences. C’est à nous d’en être conscients.»

Le mythe de Sisyphe, Albert Camus

But I ain't losing sleep and I ain't counting sheep,

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

O cúmulo da incompetência

é trabalhar para uma agência de informação, passar os dias a escutar conversas telefónicas alheias e não saber que se é traído.

domingo, 8 de dezembro de 2013

O mais difícil é convencer os outros de que não estamos à venda.

Que não temos preço. É preciso sinalizá-lo de uma forma muito forte e contundente, de uma forma que tenha uma credibilidade inquestionável. Que se sobreponha à estranheza, à incredulidade alheia. Porque no fundo, o que se espera de todos nós é o contrário: que sinalizemos (constantemente) o nosso preço.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Son muy listos

Comento com uma espanhola, amiga de circunstância de viagem. Têm resposta para tudo e um sentido de humor apurado. Dizem expressões como "bom dia, alegria", "verdade verdadinha" e "queres queres, não queres não queres" da forma correcta, no momento certo.

Terapia de substituição

Chá de menta como quem bebe café. Dor de cabeça.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Seis e meio

Numa banca de jornais – e não só, recordações, comida, etc. – do aeroporto de Dublin. Quero levar qualquer coisa comigo para ler, não me apetece o livro que levei trouxe para a viagem. Opto por uma solução típica, agora uma Economist – na capa a chamada para um artigo sobre a Google Glass e possíveis ataques à cada vez mais exígua privacidade. O funcionário pega na revista, aponta o leitor de código de barras, espero que me diga o preço de carteira na mão. E depois fico a pensar nos seis euros e meio, enquanto me dirijo para as cadeiras onde hei de esperar pelo embarque. De repente, as letrinhas pequenas na parte inferior da capa da revista. Só há dois preços nos países do euro: Áustria, Bélgica, Finlândia, Alemanha, Luxemburgo e Holanda pagam o mesmo que a Irlanda e todos os outros gozam de um desconto de vinte cêntimos. A política de preços da Economist parece uma fábula do centro e da periferia, tão em voga nos temas que enchem grande parte das páginas da revista. Quer dizer, quase, é imperfeita porque coloca a Irlanda no centro e a França na periferia. A própria Itália é capaz de ficar um bocado chateada por ir para casa com mais vinte cêntimos no bolso.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Pero que las hay

A Apple comprou uma empresa de tecnologia que é conhecida por ter criado o sistema de detecção de movimentos utilizado em consolas de jogos da Microsoft. Grosso modo, esta empresa desenvolveu um sistema inovador que permite que a consola se aperceba dos movimentos corporais sem ser necessário que os jogadores se equipem com sensores nos seus corpos. Especula-se agora o que a Apple terá em mente com a incorporação deste tipo de tecnologias nos seus equipamentos.

Depois desta introdução (que praticamente só tem interesse como contexto) há dois aspectos muito curiosos nesta notícia: i) a empresa foi fundada maioritariamente por pessoas com um passado ligado a defesa e ii) é israelita.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Foi mais ou menos assim

Fábio!
(silêncio)
Ó Fáá biioo!
(silêncio)
Eh pá, Fábio é um nome muito musical. Fábio. Solbio. Sibio.
Dóbio
Rébio.
(silêncio)
(olhares)
Eh pá, Rébio é um bocado mau.

domingo, 24 de novembro de 2013

Heads up

Se há profissão que eu diria que acarreta riscos é a dos tipos que fazem entregas de botijas de gás. E, no entanto, parece que as únicas pessoas que não se aperceberam desse risco são aqueles que efectivamente fazem as entregas. Lidam com as botijas como se fossem sacos de lixo, deixam-nas cair no chão, etc.. Há dias vi uma carrinha ser conduzida lunaticamente, as botijas atrás a chocalhar umas contra as outras.

Às vezes tenho vontade de me dirigir a um desses profissionais e alertá-lo para o facto de que aquele recipiente pesado e feio e sujo contém uma coisa chamada gás, coisa essa que é conhecida por ser combustível e que é capaz de explodir se a aborrecermos demasiado. A esperança reside no gás canalizado, que é provável vir a salvar-nos a vida a todos.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Wide awake

Há um certo travo agri-doce em relação a ir ao cabeleireiro. É simpático quando mexem no cabelo mas é terrível o esforço para manter acordado.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Semínima pontuada

O N. dá-me a melhor definição de tocar polirritmos: é como aqueles jogos de bebés em que é suposto pôr um objecto com uma dada figura no orifício correspondente - só que em vez de pôr o triângulo no orifício em forma de triângulo, tentas encaixá-lo no que tem forma de quadrado. Eu acrescento: quadratura do círculo.

domingo, 17 de novembro de 2013

Anti-pró

«Às vezes prefere-se o moderno anti, sufixo nacionalmente adorado com o qual os portugueses se definem: é-se anti-comunista e anti-nuclear e anti-aborto e anti-gamente ainda era pior. Pelo contrário, o sufixo oposto, pró é praticamente tabu. Não se ouve dizer que se é pró-comunista e, de um modo geral, só se é «pró» em relação ao menino e à menina, ex: «É pró menino e prá menina».

Pior ainda: pró é sobretudo usado para mandar pessoas de que não se gosta para um sítio malcriado, e as palavras que começam por ela são geralmente pejorativas: nenhum português quer ser proxeneta, prostituta ou professional. As palavras começadas por anti, em contrapartida, são autênticas coqueluches: tudo é antítese de tudo, e a anti-poesia e o anti-cinema suscitam o interesse geral.»

A causa das coisas, Miguel Esteves Cardoso

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Mas não cai

Talvez por ser um Continente de menor dimensão, o da Defensores de Chaves costumava ter um sistema em que os clientes pesavam eles próprios a fruta e os legumes – no Colombo há um funcionário dedicado exclusivamente a essa tarefa. Recentemente, resolveram abandonar este sistema e a pesagem passou a poder ser feita nas caixas, como nalguns estabelecimentos da concorrência. Retiraram a quase totalidade das balanças. A quase totalidade, digo e repito, porque deixaram ficar uma. Uma. Da primeira vez que presenciei a alteração, reparei na bicha interminável de pessoas que refilavam enquanto esperavam para pesar o conteúdo dos sacos de plástico fininhos e transparentes: a mesma fila que dantes se dividia em três, quatro balanças diferentes, serpenteava na direcção do agora único exemplar. Disse mal à minha vida mas suspirei logo que ouvi o funcionário a avisar que o processo podia ser protelado até à caixa.

Passadas umas semanas (um mês?) deste episódio ainda há quem (e não são assim tão poucos) continue a fazer fila e a refilar enquanto espera interminavelmente pela única balança disponível (estarão lá há um mês?). É que não é só uma coisa que não entendo, são duas: (i) que ainda não tenham interiorizado que não precisam de levar a cabo o ritual da pesagem (enfim, somos criaturas de hábitos) e (ii) que a gestão daquele Continente não tenha retirado a última balança que Mohicanicamente subsiste, muito concorrida. Não que me prejudique – pelo contrário, quanto mais as pessoas à minha frente já levarem as coisas delas pesadas, menos tempo tenho que esperar para pagar porque dispensa o trabalho do caixa. E eles – que deveriam ser os principais afectados pela mudança – ainda não se habituaram, consultar desenfreadamente tabelas com códigos enfiadas em capas de plástico.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Prospect of a deal

De repente, o gato salta-te para o colo, como me costumava fazer a mim. Aliás, a qualquer pessoa. Com um aviso casual, um miar fortuito emitido instantes antes de dar o impulso no chão e aterrar nas tuas pernas. Quer festas, roça-se em ti, ouve-se o ronrom. Encolhes-te toda, soltas um som ridículo. Tens pouca experiência com animais, as tuas mãos ficam perdidas sem saber o que fazer, sinto-te ficar tensa, quase hirta. Levanto-me e agarro o gato, tiro-o de cima de ti, ponho-o no meu colo.

Explico-te como funcionam os gatos. Como se tivessem um manual de instruções e eu te estivesse a pôr a par dos botões, onde e quando carregar. O que fazer. A certa altura estamos a falar da personalidade dos gatos – da independência, da fleuma. Dizes que os gatos são como as mulheres quando passam as mensagens por gestos e silêncios, intenções. O que eu te tentei explicar – sem sucesso, reconheço-o agora – é que não é só com as mulheres que eles são parecidos.

domingo, 10 de novembro de 2013

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Estica

Nunca saio do gabinete sem esperar uns quantos minutos após pôr um documento a imprimir: a impressora demora sempre um bom bocado a aquecer. Fico a pensar se não deverá fazer alongamentos no final.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Tilda

Ponho um til ao preencher um formulário online e de imediato surge uma caixa a dizer que “special characters” não são “allowed”. Como explicar a ingleses que acentos não têm nada de especial? Muito pelo contrário, são bastante comuns e banais.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

O Cristiano Ronaldo não é o super-homem.

O futebolista lançou uma linha de roupa interior. Diz que está muito contente porque gosta muito de roupa interior e – atenção a esta parte – porque é a primeira coisa que veste de manhã.

domingo, 3 de novembro de 2013

12 fucking notes

Uma entrevista interessante em que o Brandford Marsalis fala sobre o nível de complexidade a que chegou o jazz e onde o descreve como um obstáculo à comunicação com o comum dos mortais que “don’t know shit about music”. O jazz está a tornar-se uma música fechada, tocada por músicos para músicos, os únicos com suposto arcaboiço para entender e apreciar o que está a acontecer – um argumento parecido àquele das senhoras que se aperaltam não para os senhores mas para as outras senhoras (não as criticarem). Dito de outra forma, aquele que deveria ser o público alvo está a ficar à margem, preterido por aquilo que supostamente ainda não foi feito com as “12 fucking notes”. E tudo isto em detrimento da componente emocional que, vistas as coisas, deveria ser o verdadeiro motivo. O mais curioso é isto tudo vir da boca de um virtuoso como o Marsalis.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Bisou

Despeço-me por escrito com um “beijinho grande” e só depois me apercebo do paradoxo.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Verruckt

Uma amiga – da área da saúde – colocou como skill no seu perfil do Linkedin “mental health”. É aconselhável e fica bem. Mas às vezes não a ter é mais útil.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Timbre

O túnel que leva até às escadas para a rua já está bastante molhado, repleto de pequenas poças, os degraus escorregadios. À saída, encharcado, ensopado, incita à compra de chapéus de chuva. Mas o pregão é horrível, a voz é feia, desagradável. As pessoas passam indiferentes e ele parece ficar sobretudo indignado com aqueles que não protecção para a chuva e que, ainda assim, optam por seguir caminho debaixo da chuva intensa em vez de lhe comprar um dos objectos. Nesses casos a voz faz-se ouvir ainda mais, penetrante. Um dos transeuntes goza com a situação, diz-lhe
Ainda se vendesse tampões para os ouvidos.

domingo, 27 de outubro de 2013

A Bobone devia escrever um livro sobre boas maneiras dentro de um avião.

Como, por exemplo, não pôr as costas do banco para trás no momento em que vai ser servida a refeição. Ou então não ver filmes no iPad sem usar auscultadores. Não passar a vida a segurar-se ou amparar-se no banco da frente. Ou ainda, não tirar os sapatos – sobretudo se os nossos pés são pestilentos.

sábado, 26 de outubro de 2013

Norma(lidade)

«If you want to nudge people into socially desirable behavior, do not, by any means, let them know that their current actions are better than the social norm.»

Nudge, Richard Thaler and Cass Sunstein

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Escalade

«Não o irritava ser considerado competente mas sim que essa competência fosse confundida com uma certa bondade, sentimento que desprezava em absoluto.»

Aprender a rezar na Era da Técnica, Gonçalo M. Tavares

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Consoante a hora a que me estiver a ouvir

De manhã dizemos
Bom dia
mas nunca dizemos boa manhã. Assim que começa a tarde temos que dizer
Boa tarde.
senão olham-nos de soslaio. Às vezes, perto da fronteira temporal, levamos como resposta
Bom dia que eu ainda não almocei
sugerindo que é a refeição que determina onde começam e acabam os dois blocos do dia. Os alemães e os franceses usam a mesma fórmula, o mesmo bom dia,
Guten Tag, bounjour
Mas é um bom dia que pode se empregue seja manhã ou tarde. Nunca mudam e também não especificam se estão a desejar coisas boas para apenas uma parte do dia, fica ao critério do recipiente. Já os ingleses especificam tudo, ou boa manhã ou boa tarde
Good morning, good afternoon
Só há alusão ao dia todo quando se despedem das pessoas
Have a nice day

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Andorinhão-real

O Público noticia que o andorinhão-real é capaz de voar 200 dias sem parar. Acho sempre curiosa a forma como se relatam estas coisas. Será lícito afirmar que o homem (a roçar a definição com "H") é capaz de correr a 37.578 km/h ((0.1km/9.58s)*(60s*60m))? Há um que é capaz, é jamaicano e chama-se Usain Bolt. Mas não conheço mais nenhum que seja. Aliás, a maioria de nós está bastante longe disso - por exemplo, 15s aos 100m dá 24km/h. E portanto a questão é: serão estes passarocos com características propícias ao exercício e que andaram a treinar para bater recordes ou bichos de capacidade física perfeitamente mediana?

sábado, 19 de outubro de 2013

Precoce

O juiz pergunta ao porta voz do júri se chegaram a um veredicto. A pessoa em causa levanta-se e diz que sim, your Honour, o júri chegou a uma conclusão. Às vezes dão o papelinho primeiro ao juiz, para que se cumpra o protocolo e ele tenha o privilégio de saber primeiro que todos os demais. E depois faz jus à sua função de porta voz e diz
We find the defendant… guilty/not guilty.
E há sempre uma curta pausa até as palavras defendant e guilty. Possivelmente porque é um filme ou uma série e o suspense é um osso do ofício. O que estraga isto tudo são as legendas: antes do porta voz dizer guilty com o sem o not, já apareceu culpado ou inocente naquelas letrinhas em baixo.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Meaningless

It goes without saying é uma expressão que deixa de fazer sentido a partir do momento em que é efectivamente dita.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Elefante

Estou a pôr as bananas no saco de plástico transparente. Olho para a placa onde está indicado preço; olho apenas porque quero ver a referência para em seguida introduzir na balança. E começo a repeti-la para mim mesmo mentalmente, começo a repetir o número de três dígitos (cento e qualquer coisa) porque tenho medo de me esquecer até chegar à balança. Vou com o número na cabeça naquele pequeno trajecto, levo-o comigo – tenho medo de desatar a dizê-lo alto inconscientemente – evito os carrinhos de outras pessoas, manobro o meu por entre o espaço que me parece exíguo. Deixo cavalheiristicamente uma senhora passar-me à frente num mini-cruzamento e só depois me apercebo do erro estratégico: ela rouba-me a balança diante dos meus olhos. O número, a referência para pesar as bananas sempre a correr em loop na minha cabeça – e continuo a rezar para que não o esteja a dizer alto – e começo a ir em direcção à outra balança. Imagino todas as outras pessoas a repetir mecanicamente números diferentes nas cabeças delas, números de pêssegos, maçãs, tomates, melões; imagino-os todos a apressarem-se para as balanças com medo de se esquecerem. Chego à balança, pouso as bananas na chapa metálica e, quando vou digitar o número, não o consigo reproduzir.

domingo, 13 de outubro de 2013

sábado, 12 de outubro de 2013

Vidro

(...) a crise está a provocar um aumento do abuso de drogas e uma alteração dos padrões de consumo, com um regresso à heroína, que vinha a decrescer desde o final dos anos 90.

No início deste ano saiu este documentário impressionante sobre um fenómeno semelhante na Grécia. Neste caso, pior na medida em que a droga cujo consumo mais está a expandir é a uma nova forma de chrystal meth altamente destrutiva. E mais barata.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Herd behaviour

«Most of us are affected by the eating habits of our eating companions, whatever their intentions. As we have said, obesity is contagious; you’re more likely to be overweight if you have a lot of overweight friends. An especially good way to gain weight is to have dinner with other people. On average, those who eat with one other person eat about 35 percent more than they do when they eat alone; members of a group of four eat about 75 percent more; those in groups of seven or more eat 96 percent more*.

We are also greatly influenced by consumption norms within the relevant group. A light eater eats much more in a group of heavy eaters. A heavy eater will show more restraint in a light-eating group. The group average thus exerts a significant influence. But there are gender differences as well. Women often eat less on dates; men tend to eat a lot more, apparently with the belief that women are impressed by a lot of manly eating. (Note to men: they aren’t.) So if you want to lose some weight, look for a thin colleague to go to lunch with (and don’t finish the food on her plate).

*A colleague who raises chickens tells us that they behave the same way. A chicken who has already eaten enough to feel sated will start eating again if a hungry chicken is brought into the next cage.»

Nudge, Richard Thaler e Cass Sunstein

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Sapo

Come e cala. Embrulha.
E não bufa.
Não quero ouvir queixas, resmunguices.
Barriga para dentro, peito para fora.
Força. Engole.
Caluda! Mas a formiguinha já tem catarro?
Sem questões. Sem mas nem meio mas.
Não tuge nem muge. Aguenta.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Sting

Não se lembrava da última vez que tinha sido picado – se é que alguma vez tinha sido, talvez em miúdo, uma memória distante e difusa – mas sempre tivera um medo inexplicável de abelhas. Naquele dia, pouco tempo após ter sido picado, percebeu, enquanto o choque anafilático o sufocava, a razão: esse medo era uma reacção natural, era uma defesa do seu corpo.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Aspirar

«’(…) Colonel Cathcart wants to be a general and I want to be a colonel, and that’s why we have to send you home.’
‘Why does he want to be a general?’
‘Why? For the same reason that I want to be a colonel. What else have we got to do? Everyone teaches us to aspire to higher things. A general is higher than a colonel, and a colonel is higher than a lieutenant colonel. So we’re both aspiring.»

Catch-22, Joseph Heller

domingo, 6 de outubro de 2013

Ser muito bom a não dizer nada.

Calado, quedo e mudo. Mesmo quando a situação pede, grita por palavras, frases, qualquer coisa. Silêncio. Um vazio desconcertante. Incompreensível. Sério candidato às medalhas, caso ficar calado fosse um desporto olímpico.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Agridoce

Num documentário sobre filhos abusados pelos pais, um deles, agora adulto, fala do seu constante dilema: querer odiar quem o maltratou e não conseguir porque não se odeia uma mãe ou um pai. O mais perto que esteve foi, um dia, numa sessão de terapia, ao dar murros num sofá imaginando que era o pai quem agredia; não conseguiu o mesmo com a mãe. Uma outra revela que aprendeu a sentir raiva e ódio face aos seus pais. Diz: estou contente por poder estar triste.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Intérprete

Nicole Kidman: “What do you do when you can’t sleep”
Sean Penn: “I stay awake”

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

É possível que o Joseph Heller tenha criado a PAC

«His specialty was alfalfa, and he made a good thing out of not growing any. The government paid him well for every bushel of alfalfa he did no grow. The more alfalfa he did not grow, the more money the government gave him, and he spent every penny he didn’t earn on new land to increase the amount of alfalfa he did not procude. Major Major’s father worked without rest at not growing alfalfa. On long winter evenings he remained indoors and did not mend harness, and he sprang out of bed at the crack of noon every day just to make sure the chores would not be done. He invested in land wisely and soon was not growing more alfalfa than any other man in the country. Neighbors sought him out for advice on all subjects, for he had much money and was therefore wise. ‘As ye sow, so shall ye reap,’ he counseled one and all, and everyone said, ‘Amen.’»

Catch-22, Joseph Heller

terça-feira, 1 de outubro de 2013

O movimento e o som do comboio embalam-me.

Os olhos começam a pesar-me. Luto para chegar ao próximo sítio do livro onde posso parar. Marco a página, pouso o livro. Pego nos auscultadores, coloco nos ouvidos, fecho os olhos. Não sei quanto tempo terá passado quando, de repente, ouço uma voz. Autoritária, quase ameaçadora. Vem em crescendo e acaba por me fazer acordar do sono leve. À minha frente está o tipo que vinha na mesma divisória, a falar comigo. Tiro os auscultadores mas isso não me ajuda a entendê-lo: fala comigo em eslovaco. Digo-lhe
I can’t understand you
E ele muda para um inglês pobre e entrecortado. Diz-me qualquer coisa sobre dormir e o comboio parar e respondo qualquer outra coisa sem grande sentido – estará a dizer-me para não dormir?
No, you don’t undertand me.
(pois não, pois não...)
Repete a mesma lengalenga, desta vez acrescenta uns sons quando descreve o comboio a parar que fazem lembrar naves espaciais. E finalmente percebo e digo-lhe que sim, parámos numa estação enquanto ele dormiu, estava eu a ler o meu livro. Larga um suspiro raivoso, vira costas e faz um gesto brusco de quem vai dar um murro na porta mas aguenta o impulso ao último instante. Sai disparado. Volto pôr os auscultadores nos ouvidos. Ele regressa passados uns minutos, senta-se encolhido, a falar (praguejar?) sozinho. Subo o volume.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Depois de passar a primeira porta, há uma segunda porta de madeira fina.

O adro da igreja fica do lado direito. Do lado esquerdo, numa mesa velha cheia de livros, guias, postais, bugigangas onde gastar dinheiro, está uma senhora que alerta uma das duas alemãs à minha frente que é preciso pagar entrada. Eu já tinha reparado no papel colado no tampo da mesa, virado para quem entra, com os dois euros bem explícitos. A alemã responde-lhe num inglês forçado que veio para rezar mas a senhora da mesa velha não recua nos dois euros. A alemã olha para trás para a segunda alemã com uma cara de desaprovação e diz-lhe que não paga. Vira-se novamente para a senhora da mesa velha e, agora em alemão, dá-lhe um sermão, explica-lhe que vinha para rezar e que não faz sentido cobrar dinheiro a quem queira entrar numa igreja para esse efeito. Depois vira costas e as duas saem. A senhora da mesa velha comenta com outra funcionária o incidente enquanto lhe estendo uma moeda de dois euros – afinal não vim para rezar.

domingo, 29 de setembro de 2013

O primeiro

Em pouco mais de duas horas, João Sousa quebrou dois recordes máximos do ténis português. Ao bater o francês Julien Benneteau (33.º mundial), Sousa conquistou um torneio do ATP World Tour e garantiu o melhor ranking de sempre para um tenista luso: 51.º.

Só vi a partir do terceiro set - não vi o match point salvo. Fiquei sobretudo impressionado com a forma como o João jogou os pontos importantes, sobre pressão. E foram várias as vezes que teve de defender o break no último set com unhas e dentes. O mais importante desta vitória é a subida no ranking e o bilhete para entrada directa nos torneios mais importantes. Ou seja, a hipótese para cimentar este resultado.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Promete

O português João Sousa derrotou nesta sexta-feira o espanhol David Ferrer, número quatro mundial e primeiro cabeça de série, por 6-2, 7-6 (8-6), e qualificou-se para as meias-finais do torneio de Kuala Lumpur.

Quem te manda

Entro na sala onde é servido o pequeno-almoço. Uma senhora à entrada vê-me e começa a soltar um good morning, que eu prontamente abafo com um triunfante dobry den. Ri-se um pouco e solta uma algaraviada à qual só consigo responder
Dobry den is all I know
(mentira, também sei dizer dakujem)
Ri-se ainda mais e pergunta-me em inglês qual é o número do meu quarto.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

The Hungarian way IV

Alguém bate à porta.
Hi, I'm from reception. Check out is until eleven.
Deviam ser umas onze e meia, um quarto para o meio-dia. Pedi desculpa, pensava que era até ao meio-dia, vou só acabar de arrumar às tralhas e já saio.
That's ok, take your time, ok? Take ten minutes.
(...)
Cool.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

The Hungarian way III

Não parar nas passadeiras. De tal forma que os peões nem se atrevem a tentar atravessar quando está vermelho mas não há nenhum carro nas redondezas. Alemães mas por razões diferentes: temem pela vida e não por uma multa.

domingo, 22 de setembro de 2013

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Log

Actually, Captain Flume slept like a log most nights and merely dreamed he was awake. So convincing were these dreams of lying awake that he woke from them each morning in complete exhaustion and fell right back to sleep.

Catch-22, Joseph Heller

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Out of office assistant

Acabar as últimas coisas, pontas soltas. Briefar a chefe. Limpar a secretária. Arquivar (mandar para o lixo) coisas. Dizer adeus. Agradecer os desejos de boas férias. Sair de mãos a abanar.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Trela

Os chineses levam os pássaros a passear dentro das gaiolas. Este senhor de bigode farto passeia o pássaro (papagaio, arara, catatua?) sem gaiola: sai da porta do prédio com o bicho ao ombro, um cordel numa das patas não vá decidir-se por uma fuga. Atravessa a rua, senta-se na esplanada de um café. Ficam os dois à mesa, ele a beber uma cerveja, o bicho a trincar sementes.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Piropa-mos

Há uma certa confusão na discussão em torno do assunto do piropo que veio agora à baila e que está relacionada com a própria definição. Um piropo é suposto ser um galanteio, algo agradável. Ora isso não se coaduna de forma nenhuma com aquilo que vai designado por “poesia de andaime” – expressão que em si encerra um enorme estereótipo – e que é efectivamente o tipo de “piropo” que mais se ouve na rua. Parece-me relativamente óbvio que este tipo de abordagem não prima propriamente pela simpatia. Ainda assim, para quem não está totalmente convencido, basta atentar que ainda está para nascer a primeira senhora que, de tão lisonjeada, decida aceitar as propostas do cavalheiro e passar das palavras aos actos. Eu pelo menos nunca vi um final feliz do género. Tanto quanto me lembre nunca fui alvo de nenhum “piropo” (já piropo até me atreveria a dizer que sim) mas, daquilo que já ouvi dirigido a terceiros – perdão, terceiras –, não estou a ver que aceitasse caso fosse eu o visado – perdão, visada. E aqui é que está a questão: a poesia de andaime não tem como objectivo central conquistar a donzela a quem se destinam as quadras. A não ser que, dada a fraquíssima taxa de sucesso desta estratégia, queiramos admitir que nenhum dos poetas é capaz de perceber que vai a algum lado insistindo na mesma tecla, qual treinador que teima no mesmo onze perdedor.

domingo, 15 de setembro de 2013

Cara ou cara

«Ruizinho [Rui Costa], tu és o 10, eu sou o 10. Como é que vamos fazer isto? Moeda ao ar? - se ele aceitasse, já tinha comigo uma moeda com duas caras para lhe dar a escolher coroa e ficar com a camisola.»

El Portugués Parte II, Paulo Futre por Luís Aguilar

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Twenty something

Na fase em que falámos ainda não estava tão bêbeda como viria a ficar mais tarde – no final dessa noite, despediu-se de mim como os miúdos: com um beijo desajeitado que deixou a minha bochecha direita molhada – e saiu a porta literalmente a cambalear. Uns quantos bares antes desta saída pouco triunfal ficou ao meu lado e eu senti que os pints estavam a puxar para o sentimento. E de repente diz-me – nem foi bem dizer, foi mais confessar, como se tivesse cometido um crime inqualificável – que queria ser mãe. Que isso lhe passava pela cabeça cada vez mais. A língua entaramelada, a cabeça já pouco funcionava, falávamos meio em inglês meio em alemão – gabou-me a Aussprache. E eu perguntei-lhe se lhe podia fazer uma pergunta pessoal. Persönliche Frage. Estacou um pouco com a sensação do elevar da fasquia da seriedade. Que era falso, também tinha bebido uns pints. Na verdade só queria saber quantos anos tinha, e foi isso que lhe perguntei logo de seguida, assim que ela me deu autorização para a (falsa) pergunta pessoal. Vinte e oito. Achtundzwanzig ou twenty-eight. E qual é o espanto que te coloques essa questão? Naquele momento constatou verdadeiramente a sua idade.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

O aspecto físico não se alterou muito.

Não são os cabelos brancos e as rugas, não são alterações de peso ou limitações motoras. É claro que falta o cuidado, o aprumo, coisas que nos levam a ver e avaliar de outra forma. Mas mesmo isso é em grande parte devido a tudo o resto. Tudo o resto é tudo aquilo que tornou os passos, os movimentos, os gestos, hesitantes, titubeantes. Tudo aquilo que esvaziou os olhos, retirou-lhes o brilho: param por momentos, pairam por instantes a olhar mas não parecem ver. Não decifram. Não entendem. Fecharam-se sobre si próprios. Um casulo de cada vez mais difícil acesso até se tornar inexpugnável.

A morte em si deve ser uma coisa calma e pacífica. A forma como se chega até ela é que pode ser uma autêntica guerra.

sábado, 7 de setembro de 2013

Saltar a tampa

Nos supermercados, nas lojas,  as caixas registadoras normalmente abrem a tampa onde se esconde o dinheiro quando é efectuado um pagamento por cartão. O que acontece tipicamente nestas situações é que o funcionário, acto contínuo, fecha a tampa. Compreensível, é difícil imaginar uma situação em que seja preciso dar troco a alguém que pague com dinheiro plástico e a prática do cash back não está de todo no nosso vocabulário. E portanto, a questão que importa é: porque não programar as caixas para não fazerem este gesto aparentemente escusado?

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Miopia

«In other words, an information surplus may cause an attention deficit. An attention deficit is likely to lower the quality of decision-making. For cognitive psychologists, it is a disorder - one whose reported incidence has sky-rocketed over recent years. If short-term reactions are clouding long-term judgements, the doer crowding-out the planner, the immediate the important, then more hurry may be generating less speed.

This might be called the "information-rich-yet-attention-poor" property of connected webs. One manifestation is over-trading - over-trading in friends, partners, jobs, stocks. Perhaps that is why marriage rates have halved, and divorce rates doubled, in the UK since 1970; why the tenure of global CEOs has halved since 1995; and why holding periods for stocks have more than halved since 1980. For many key decisions, myopia has been mounting.»

Why institutions matter (more than ever), Andy Haldane

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Backburner

Foi um curto silêncio, inesperado e, de repente, ele soube que a ia beijar e ela soube que o ia beijar. E então a única coisa que passou pela cabeça dela foi que tinha fumado. Sentiu-se mal por isso. Pediu-lhe desculpa. Ainda as palavras lhe estavam a acabar de sair da boca e já uma pequena vergonha a incomodava. Ele disse-lhe que não tinha problema enquanto avançava na direcção dela.  

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

domingo, 1 de setembro de 2013

O resto é ruído

«Tragically, Gershwin did not live to fulfil his entire vision. Not long before his sudden death in 1937, of a brain timor, he told his sister: "I don't feel I've really scratched the surface of what I want to do."»

The rest is noise, Alex Ross

sábado, 31 de agosto de 2013

Lisbon menina e moça

Se o toque de solteirona assenta bem com o resto da caracterização – uma certa  aura de insegurança e na dedicação ao emprego –, então para gerar uma constante tensão com Jane vem mesmo a calhar, é ouro sobre azul. Uma tensão daquelas que se prologam ad eternum neste tipo de séries e que nos levam a querer que a certa altura aquilo se resolva da melhor forma (o que quer que seja que isso queira dizer).

O que é verdadeiramente interessante é que o fascínio dela por Jane não tem nada a ver com o facto de ele ser um homem fascinante – a irreverência e aquela coisa de ler e manipular pessoas, etc.. Não que essas características lhe sejam indesejáveis – ela gosta mesmo quando é ela própria vítima da manipulação.

Mas nada disso é tão importante como o facto de que um serial killer, que continua à solta (show must go on), arrumou a família toda do mentalista. Compreensivelmente (e, lá está, convenientemente para o guião) Jane vive obcecado com a captura do assassino. Dito de outra forma, Jane é damaged goods e isso assenta lindamente com  a comiseração e o instinto (maternal?) da Lisbon.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O corredor longo, escuro.

As portas azuis, sujas. As portas são iguais umas às outras, tanto dá abrir esta ou seguir pelo corredor e abrir antes aquela, lá dentro está a mesma secretária, o mesmo computador, a mesma pilha de papéis. Lá dentro – da porta azul escura, de qualquer das inúmeras portas azuis escuras – está a mesma pessoa. Não importa que porta se escolha, se abra, se entre. Qualquer das portas azuis escuras do corredor longo e sujo abre-se para o mesmo.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Perspectiva

A janela está à altura da rua, a uns vinte centímetros do passeio. Tem talvez meio metro, é arredondada no topo. Às vezes passo e vejo a senhora lá em baixo, por entre o cortinado branco, a espreitar, de baixo para cima. A janela abre directamente para as pernas das pessoas que passam na rua. E esta a vista daquela janela, as pernas das pessoas que caminham lá em cima, na rua, no passeio.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Bicéfalo

O principal problema da maior parte das histórias de amor é a unilateralidade. O segundo maior problema é a bilateralidade.

domingo, 25 de agosto de 2013

Monotemático

«There’s so few things men can talk about. If a man doesn’t like baseball, then he must like horses, and if he doesn’t like either of them, well, I’m in trouble anyway: he don’t like girls.»

Breakfast at Tiffany’s, Truman Capote

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Pontos de interrogação

Os espanhóis não são capazes de responder a nada ou ninguém sem contestar. Já os franceses e os italianos transformam uma simples pergunta numa demanda.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Num livro de crítica literária, este manifesto.

"Um dos Maiores et Cetera da Actualidade - Armando Mendes Fulano, um dos grandes expoentes da, promete ser o grande fenómeno do. Um dos maiores et cetera da actualidade. O melhor romance desde tal e tal, ou até mesmo desde não sei quando. Um «fresco», um «panorama», um «retrato cínico» da «sociedade contemporânea». Um estilo fortemente «marcado pela influência de» X, Y e Z. A escrita é «depurada». A imaginação é «fecunda». A trama é «compulsiva». A ironia é «fina». O humor é «corrosivo». Os diálogos são «acutilantes». A densidade é «psicológica». A obra é «notável». O autor é «exímio». O leitor é informado. O crítico pode ir para casa. Estamos todos de parabéns.

Nas suas piores manifestações, a recensão crítica encontrada na imprensa portuguesa não costuma fugir muito a isto."

Trabalhos de casa, Rogério Casanova

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Venha o diabo e escolha

Era cleptomaníaco e agoráfobo. E então roubava à descarada com a esperança de ser apanhado e devidamente encarcerado.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Propósito

«Nada é tão perigoso como teres cumprido todos os teus deveres do dia e ainda ser manhã, teres cumprido todos os teus deveres na vida e ainda não estares morto.»

Breves notas sobre o medo, Gonçalo M. Tavares

domingo, 18 de agosto de 2013

Tenho um gosto especial pela personagem da Diane na série The Bridge.

E nem sequer é estético, pese embora a fotografia infra. Sonya é desprovida de qualquer tipo de social skills, não tem inteligência emocional – ocorre-me que é a primeira vez que diplomaticamente apelido alguém de burra emocional (não que já o tenha feito sem diplomacia alguma). Tem a sensibilidade de uma porta, a subtileza de um camião TIR. As pessoas são-lhe incompreensíveis, um autêntico mistério e ela própria consegue deixar os outros siderados, especados. Após a necessária adaptação inicial a alguém tão inadaptado, julgo que deve ser muito fácil, tão fácil lidar com uma Sonya. Porque a simplicidade, a incapacidade de tacto – de empatia? – torna-a antecipável como um relógio suíço. E genuína dos dedos dos pés à ponta dos cabelos, de uma forma que nenhum de nós, por muito que quisesse, conseguiria ser. Ao contrário de todos nós, Sonya vem acompanhada de um manual de instruções. A sua função pode é não ser aquela de que precisamos.

sábado, 17 de agosto de 2013

Mais pérolas do Meco

"Oh meninas do Meco, as bolas do Manel são boas como o caneco"
"Que casal tão amoroso, qual deles será mais guloso"

Claro que depois de passar um artista destes, os típicos vendedores que se limitam a dizer "olha a bola de Berlim" não sobressaem.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Tinto e branco

Vinho branco com peixe, vinho tinto com carne e bacalhau. E os vegetarianos, como fazem? Qual é a regra para acompanhar soja, tofu?

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Bartoli

O Nadal deu uma entrevista quando se preparava para regressar ao circuito depois da paragem forçada em 2009. Foi no seguimento da (única) derrota em Roland Garros que teve e abdicou de ir defender o título de Wimbledon que tinha conquistado o ano anterior. Nessa entrevista - ao lado da piscina e com uns sapatinhos duvidosos - fala abertamente sobre o processo de recuperação e, a certa altura, refere a importância de saber desfrutar da dor. Não estou a dizer que a Marion a devesse ter visto com mais atenção (“Senti que esgotei toda a energia que restava no meu corpo”) - cada um sabe de si. Mas atesta bem a determinação (masoquismo?) do rapazinho.

Maybe you'll get what you want this time around

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Angst

Mark tem uma compulsão, um fascínio pelo medo. Do you know what the most frightnening thing in the world is? It’s fear. Gosta de explorar e documentar com a máquina de filmar. A Helen diz-lhe que não lhe mostre que está assustada. Don’t let me see you’re frightened. Não conseguirá conter-se caso veja os traços na cara dela, a mesma cara que prometeu nem sequer fotografar. Whatever I photograph I always lose. Se até aqui o fascínio é apenas com o medo alheio, no fim percebemos que é também pelo próprio.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Rasgão

No domingo, a bandeira no topo do Parque Eduardo VII estava rota: um rasgão enorme entre a costura da esfera armilar com o rectângulo vermelho, aquele que nos explicam na escola primária que simboliza o sangue. Hoje já está novamente remendada.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Verdade e métodos

«As tuas verdades e as tuas conclusões científicas encontram-se directamente ligadas às tuas metodologias.
No absoluto nada é verdade. Cada coisa é verdade de acordo com uma certa metodologia.
Todas as hipóteses podem ser verdade pois podemos encontrar uma metodologia que as faça verdadeiras.
– Dá-me uma mentira e eu encontrarei a metolodogia capaz de a transformar em verdade.
O oposto é ainda mais fácil:
– Dá-me uma verdade e eu encontrarei a metodologia capaz de a transformar numa mentira (num erro).»

«Uma verdade (uma lei) não exterioriza o consenso da comunidade científica sobre uma conclusão. Exterioriza, sim, o consenso da comunidade científica sobre uma metodologia.
Esta diferença é importante.»

Breves notas sobre a ciência, Gonçalo M. Tavares

sábado, 10 de agosto de 2013

Raquetada na atmosfera

Andam para aí umas raquetes que não servem para jogar ténis – ou qualquer outro tipo de actividade desportivo-lúdica que consista em acertar numa bola. Fui alertado há dias para a sua existência: são, ao que parece, uma invenção chinesa com o intuito de matar mosquitos. Só há dias pude comprovar que não se trata de um mito urbano. Sentado à mesa de um restaurante sino-japonês – buffet de sushi e comida chinesa, chá verde e gorjeta superior a dez por cento do montante pela módica quantia de dez euros – quando vejo uma das senhoras orientais e de pronúncia impossível a dar raquetadas no ar. A primeira sensação é de que se trata de um musculado e viril jogo de wii. Movimentos repentinos, acutilantes, rápidos. E aparentemente também certeiros. Acontece que, sempre que o alvo é abatido, um som crocante anuncia a morte do insecto urbi et orbi. Foi esse mesmo som que me fez relembrar o relato da existência das ditas raquetes e afastou da minha mente a possibilidade da consola de jogos. (Teria sido giro no entanto observar aquela actividade sem que me tivesse sido transmitida anteriormente a existência do objecto.)

Não sei se a raquetes estão na moda mas é provável. Há dias, numa rua onde uma horda de funcionários de um call-centre costuma estacionar a fumar como se não houvesse amanhã, dois deles entretinham-se a jogar com raquetes de praia no passeio. O desafio (ou compromisso como dizem na Eurosport) decorria para júbilo e gáudio de alguns dos demais colegas e para irritação e indignação (onde é que já se viu, disse a senhora que ia à minha frente) de transeuntes que, como eu, viram a sua migração pendular não-motorizada dificultada e, porque não dizê-lo, a própria existência ameaçada por uma bola de borracha escura em manifesto excesso de velocidade.

Ainda bem que sobrevivi porque tudo isto me leva a pensar noutra possibilidade de combinar todos estes elementos – jogar com as raquetes de matar moscas na praia. No actual contexto, mais do que um divertimento estival, parece um desígnio nacional.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

I wish things were different

Olha bem para o que estás a dizer. Olha bem. Pensa bem. Pára um pouco para pensar naquilo que estás a dizer.
Já olhaste bem para o que estás a dizer?
Já perdeste um bocado de tempo para parar e olhar? Se calhar devias mesmo parar um bocado, pensar um bocado, reflectir um bocado naquilo que acabaste de dizer. As pessoas esquecem-se que as palavras têm muita força
Já paraste para pensar naquilo que estás a dizer?
Já viste bem o que tu disseste? Acho que devias parar um bocadinho para pensar. Pensa lá bem um bocadinho se era mesmo isso que querias dizer, que me querias dizer. Pensa lá bem se não te vais arrepender, se é que não te arrependeste já
Já estás arrependido?
Pensa bem. Pára. Olha bem.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Appreciation

Cabelos loiros, encaracolados, o vento a bater nas árvores, a agitar os ramos, o som das folhas a arrastadas
Vermelho, azul, amarelo
Um avião lá em cima, o som do avião que passa por cima das cabeças, o fumo de um cigarro fumado a algumas cadeiras de distância, o fumo a dispersar-se no ar, o cheiro
O vento a agitar os cabelos loiros, encaracolados
Lá menor
Reverberação, um vibrato, um crescendo de volume, de som, de intensidade
Um pé a bater no chão, a marcar a pulsação, as cadeiras de pedra, as árvores lá ao fundo, o gato que desce as escadas com o corrimão de madeira
Vermelho, amarelo, azul

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Hush little baby

Disse-lhe que nem sequer era pela dor, a angústia, as lágrimas – é uma questão de tempo até o coração partido voltar a refazer-se. Era, pura e simplesmente, uma pena, um desperdício.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Boredom

«- Escreve como escreve porque essa é a maneira mais fácil para si, ou porque obras tão difíceis de ler são igualmente difíceis de criar?
- Bom, como tentei deixar claro, se o trabalho não me fosse difícil o certo é que morreria de tédio.»

Chet Baker pensa na sua arte, Enrique Vila-Matas

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

A tua cara.

Como se esperasses mais qualquer coisa. Como se tudo não fosse mais do que uma negociação, um constante subir de paradas, um eterno jogo do gato e do rato. Não percebeste que não há licitações: não se trata de querer vender seja o que for. Nem sequer de convencer seja o que for. E por isso pensas que é bluff. Infelizmente. Mas não é, nunca foi. E nem sequer isso – a única coisa de que efectivamente te tento convencer – te consigo vender.

terça-feira, 30 de julho de 2013

You're addicted to love (might as well face it)

Dizia-se uma autêntica viciada no amor, uma eterna apaixonada. E por isso mudava periodicamente de objecto não fosse essa paixão esmorecer.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Pomada

Estava um calor imenso, como sempre naquela terra no Verão. Lembro-me de ter entrado na cozinha vindo da rua, morto de sede. Vi um copo escuro, translúcido em cima da mesa, enchi-o de água e levei à boca com sofreguidão. De imediato, um sabor horrível ficou-me na boca e cuspi o conteúdo. Demorei um pouco a perceber que o copo estava sujo de vinho – o meu avô tinha estado na cozinha, tinha bebido e deixado o copo ali.

Esta foi a primeira vez que – embora inadvertidamente e numa muita pequena quantidade altamente diluída em água – provei vinho.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Petit doigt

Criticava acerrimamente o quanto as pessoas valorizam – conscientemente e não – as suas impressões para tomar decisões. Perguntei-lhe em que baseava a sua certeza de que a intuição é assim tão mau instrumento de previsão.

Tenho um dedo que adivinha.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

terça-feira, 23 de julho de 2013

Às vezes lembro-te de ti.

Lembro-me que existes. De raspão, nas situações mais insólitas e invulgares. A forma que a memória tem de nos pregar partidas. Pergunto-me onde andarás, que será feito, como estarás. E depois percebo a indiferença. A minha indiferença. És-me totalmente indiferente. Ou passaste a sê-lo. E é uma indiferença que me espanta – não contava com ela, juro que não a esperava, pelo menos com esta intensidade gélida. Se, por um lado, confesso que me sabe muito bem – uma quase liberdade – por outro quase me sinto mal: é quase como se estivesse a fazer-te algo desagradável, a desrespeitar-te, percebes? Não me deverias ser indiferente, tudo em ti deveria mexer-me. E, talvez por isso, não consiga ser (totalmente) indiferente a essa indiferença. Por uma questão de educação. Não, nem sequer é bem isso. É porque às vezes preocupo-me comigo próprio. Juro.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Desjejum

As paletes com pacotes de leite eram distribuídas normalmente na primeira aula da manhã. A professora recebia das mãos da contínua e distribuía pela turma toda. Lembro-me de não perceber todo o alcance, o propósito e de não dizer que não queria um daqueles pacotes castanhos. Depois percebi e então passei a pedir sempre: custa menos a quem precisa se não se destacar dos que não precisam. Isto foi há cerca de vinte anos. É triste que isto ainda seja notícia.

domingo, 21 de julho de 2013

Um sintoma da nossa pequenez

Noticiar sempre que somos notícia – por boas e más razões – nos meios de comunicação estrangeiros.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

quinta-feira, 18 de julho de 2013

terça-feira, 16 de julho de 2013

Estender a mão

Na esquina, na zona curva do passeio, perto dos semáforos e onde desagua quem atravessa a passadeira. Perto da entrada de um prédio. De joelhos, os braços estendidos em frente com um recipiente nas mãos, a cabeça curvada e os olhos fechados. Totalmente oposto a tantos outros que pedem – fazendo jus à designação de pedintes. Este não. Não diz uma palavra e limita-se a ficar naquela posição.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Forward guidance

«I’m not going to tell you that money doesn’t matter, because you wouldn’t believe me anyway. In fact, for too many people around the world, money is literally a life-or-death proposition. But if you are part of the lucky minority with the ability to choose, remember that money is a means, not an end. A career decision based only on money and not on love of the work or a desire to make a difference is a recipe for unhappiness. »

Ben Bernanke

domingo, 14 de julho de 2013

Quelque

Quando almoçava sozinho, no fim, costumava perguntar-me
Quer algum cafezinho?
Eu respondia-lhe sempre que sim e ela punha a cafeteira pequena que dava para apenas uma chávena ao lume. Eu achava-lhe graça, não usava aquela forma com mais nada, por exemplo
Quer algum pão, quer alguma fruta, quer algum guardanapo, quer algum prato, copo
Nada disto. Só mesmo com o café. Alentejana, talvez seja um regionalismo, pensei a certa altura.
Há dias entrei numa mercearia em Lisboa para fazer uma pequena compra. Dirijo-me à caixa, pago, estou a enfiar na carteira o troco quando a senhora olha para mim e me pergunta
Quer algum saco?
Respondi-lhe que sim.

sábado, 13 de julho de 2013

Sobem a rua os dois, todas as manhãs.

Ele é alto e cheiinho, a ficar careca, dentes de fumador. Tem um andar um pouco desengonçado, como se o fato o estivesse a incomodar e a dificultar a deslocação. Ela tem um cabelo castanho ondulado, uns olhos claros e uma cara suave sem grandes traços, daquelas que facilmente se podem encaixar em diferentes mulheres.

Não os conheço de lado nenhum excepto nesta circunstância e, ainda assim, é como se já os conhecesse. Às vezes conversam, rua acima, como velhos amigos que se encontram após uma longa ausência. Outras vezes, a maior parte das vezes, rendem-se à falta de tema que ocupe aqueles instantes e caminham mecanicamente, olhos na calçada.

Mesmo nesse silêncio que me parece incómodo, sinto-os cómodos um com o outro. Ele é calmo, a calma dele é a solidez que ela vê nele – ela sabe que pode contar com ele. E ele tem tudo o que quer, que é saber que no dia seguinte ela vai voltar a subir a rua ao lado dele.

É esse conforto que os une nessa incómoda caminhada silenciosa.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Tuner

Chegámos à porta do apartamento com um molho de chaves e instruções sobre qual utilizar. A partir da porta nascia um corredor donde brotavam as divisões à esquerda. A primeira, a cozinha, tinha a janela virada para o pátio donde tínhamos saído. Ouvia-se um rádio. Lembro-te de ter achado curioso porque não estava ninguém no apartamento naquele momento, seria mais lógico que o rádio estivesse desligado. Mas pouco depois reparo que, em cada divisão, sem excepção, havia um aparelho do género ligado. Até na casa-de-banho. E então ocorre-me que lá em baixo no pátio do prédio, onde tinha estado até àquele momento, no relvado com árvores, entre as cadeiras de lona, as geleiras e os grelhadores, também havia um rádio a tocar. Que só agora valorizava porque só agora tinha visitado o apartamento. Não havia um único sítio onde não houvesse constantemente música a acompanhá-los, mesmo onde não estavam.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Cabeçudos

O conjunto de estátuas – são catorze no total – é da autoria de um escultor chinês e foi colocado perto da Baía dos Ingleses, em Vancouver. Na minha cabeça tinha ficado o nome “Laughter Therapy” mas, aparentemente, segundo as minhas pesquisas na Internet, chama-se “A-maze-ing Laughter”. As mesmas pesquisas indicam que as estátuas chegaram ali por empréstimo para uma exposição temporária a propósito dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2010. Ora o período de empréstimo terminou no Verão de 2012 e a população afeiçoou-se tanto à obra que as autoridades da cidade desenvolveram esforços para ficar definitivamente com ela. O problema é que o escultor tinha estabelecido a módica quantia de 5 milhões de dólares (e dos EUA, não do Canadá) como preço para os catorze cabeçudos. Felizmente a quantia não era uma condição irrevogável – um multimilionário da cidade conseguiu convencer o artista a deixar ficar as estátuas onde estão por apenas milhão e meio.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Trabalho de laboratório

Experimentei várias combinações e cheguei à conclusão que o melhor Apfelsaftschorle é obtido com Compal Fresh e Água Castello.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

My way

Há duas chávenas de café vazias em cima da mesa metálica na esplanada de calçada mas ela está sozinha. Olha fixamente em frente. Para lá da árvore, para lá do passeio e da estrada, do prédio do outro lado da rua. A cara muito pálida. Branca, macilenta. O lenço na cabeça esconde a ausência de cabelo e, ao tentar escondê-la, acaba por evidenciá-la, expô-la ainda mais. E, na mão direita – só reparo depois porque estava escondida pelo tampo da mesa – um cigarro.

terça-feira, 2 de julho de 2013

The hand that rocks the cradle

«- Afinal, você é canhoto? - pergunta o escritor, aproximando-se.
- Sim. Mas, para disparar, sou dextro.
A mão esquerda, explico com súbita inspiração, é a que segura as crianças ao colo. Não pode ser a mão que mata.»

A confissão da Leoa, Mia Couto

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Assino por baixo

“Literacia – Dizem-me uma e outra vez «não percebi o teu texto». Apetece-me sempre responder: «e o problema é meu?»”

“Ética bloguista – Escrever como se ninguém lesse. Escrever sabendo que alguém sempre lê.”

“Não uses isto – Já não é a primeira vez. Alguém conta uma história e depois olha para mim e pede seriamente: «não uses isto». Fico sempre um bocado perplexo, porque nunca divulguei segredos ou conversas alheios de cunho provado. Nem no blogue nem em lado nenhum.
Mas admito que encaro tudo o que me chega como «material» em potência. O mundo é um manancial inexaurível de frases e episódios. Mas existem regras claras: nomeadamente que as pessoas mencionadas nunca sejam identificáveis. Depois, recupero histórias que me contaram há anos e anos, mudo o sexo das personagens, pego em bocados e detalhes que me interessam, corto e colo a meu interesse. E uso aspas sempre que possível, mas umas aspas abstractas, que servem apenas para não me locupletar com achados alheios.
Nesse sentido é verdade, uso tudo. Mas não revelo nada.”

“Confessionalismos – recebo comentários preocupados ou incomodados com os meus posts «confessionais». Já escrevi várias vezes sobre esta violenta incomodidade face ao registo pessoal, uma incomodidade que não cessa de me espantar. E já expliquei que os meus textos assumidamente pessoais e mesmo intimistas quase nunca são confessionais. Um texto confessional é um texto que fornece informações de facto, enquanto os meus posts só transmitem estados de espírito (meus ou alheios).
Julgo que algumas pessoas que se incomodam com o suposto conteúdo confessional dos posts gostavam que o conteúdo fosse confessional (não é). Quando eu escrevo sobre «estar apaixonado», as pessoas supõem que eu estou apaixonado, o que é uma suposição sem provas nenhumas.
O chamado confessionalismo é, muitas vezes, apenas wishful thinking dos leitores.”

Prova de vida, Pedro Mexia

domingo, 30 de junho de 2013

Luft

Só quando me pergunta se quero almoçar ao ar livre é que percebo que passo os dias ao ar preso.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Jersey

É possível que a senhora do hotel tenha evitado que perdêssemos o ferry. Pergunta-nos se vamos querer pequeno-almoço e, enquanto estamos a fazer contas à hora do bilhete e, por arrasto, à hora a que temos de sair, avisa-nos que temos que estar uma hora antes. Ficamos a olhar para ela: uma hora antes para entrar num raio dum barco? Pior que nos aeroportos, nunca nos teria passado pela cabeça.

Estacionamos o carro, seguimos em direcção ao terminal, dirigimo-nos ao balcão para fazer check-in. Ao que isto chegou, check-in num barco. Não muito tempo depois, o café e o crossaint são interrompidos pela indicação de que vai iniciar o embarque.

Cerca de uma hora e vinte minutos de mar agitado e temos o porto de Saint Helier à nossa frente.

Nove por cinco. Milhas, claro, ou não fosse Jersey é uma das ilhas anglo-normandas. Um paraíso fiscal e – de acordo com a fidedigna fonte chamada Wikipedia – o sexto PIB per capita mais elevado do mundo. Alugamos duas bicicletas na loja ao lado da estação de autocarros. As ciclovias estão indicadas no mapa, fazemos a baía à saída da cidade principal e pedalamos até ao outro lado, até Saint Aubain. Daí, o alcatrão passa a terra e entramos num arvoredo a fazer lembrar Sintra. Leva-nos até à ponta sudoeste onde se encontra o farol.

No regresso para a cidade, paramos para comer. Um tipo alto atende-nos. Hi guys. Fazemos o pedido e vamos a falar um com o outro em português até à mesa. Vocês são portugueses? A surpresa não devia ser tão grande, afinal estão (estamos) por todo o lado. Este já tinha estado nos quatro cantos do mundo – quase sempre a seguir miúdas, como nos explica. Também já tinha feito de tudo, até jogar à bola. E agora tem um bar de madeira num caminho no meio do parque.

Depois de comer, despedimo-nos e seguimos a pedalar. À medida que a tarde avança, começamos a fazer o caminho de regresso à baía. Entregamos as bicicletas, arranjamos mantimentos e esperamos pelo barco. Outra hora e tal até pisar novamente terras francesas. Quando chegamos, está uma gaivota em cima do carro, como se o tivesse estado a guardar o tempo todo.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

«Nunca gostei de aeroportos. Tão cheios de gente, tão sem ninguém. Prefiro as estações de comboio, onde sobra tempo para lágrimas e para acenar de lenços. Os comboios arrancam lentos, suspirantes, arrependidos de partir. Já o avião tem pressas que não são humanas."

A confissão da Leoa, Mia Couto

segunda-feira, 24 de junho de 2013

domingo, 23 de junho de 2013

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Acontece aos melhores

Antes do cargo que actualmente ocupa, o São Pedro trabalhava nas Chaves do Areeiro. Ou isso ou era porteiro de discoteca.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Invicta

Há quem diga que o Porto é uma nação por si só. Estou tentado a concordar: sinto que é quase como ir a outro país. Abri o Google maps e percebi que não percebo nada da disposição da cidade. A culpa é toda minha, as duas (curtas) viagens que fiz ao Porto foram já há muito tempo.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Auto

Quando chegamos aos dezoito anos e podemos tirar a carta e começar a conduzir, o carro é nitidamente um símbolo de liberdade. Acaba-se a dependência em relação a transportes ou boleias. Podemos ir de férias ou fazer uma road trip.

Depois muitas vezes o carro passa a estar associado às rotinas de deslocações diárias e de muitas horas passadas no trânsito. E a uma dependência que torna aqueles dias em que resolve não andar num pesadelo. E então transforma-se em sinónimo de prisão.

Há já alguns anos que tenho o privilégio de maioritariamente me socorrer das minhas pernas e andar de um lado para o outro no dia-a-dia. Pego no carro normalmente apenas ao fim-de-semana. E nesta condição de novo-domingueiro voltei a sentir uma liberdade parecida à dos dezoito anos.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

É tudo uma questão de controlo.

Cede-lhe o controlo. Deixa-o fugir-te, deixa-o escapar-te por entre os dedos das mãos como grãos de areia fina. Não é fácil, é contraintuitivo. Ficar fora da zona de conforto, entregar o conforto, pô-lo em mãos alheias. Pior: mãos alheias que têm um interesse nesse conforto.

Fá-lo sentir que está totalmente a conduzir o rumo dos acontecimentos. E depois deixa-te ficar à espera. Não faças mais nada, rigorosamente nada. Limita-te a esperar. Eventualmente perceberá que o controlo não passa de uma ilusão.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Telebasura

Estaciono uma meia-hora ou coisa que o valha na RTP2 a ver na diagonal um documentário sobre política, empresas petrolíferas, Médio Oriente e guerras enquanto vou trabalhando. Quando acaba, mudo de canal à procura de outra coisa. Mudo e na SIC está o Toy vestido de super-homem – mas com um “t” ao peito em vez de um “s” – molhado a ser entrevistado pela Júlia Pinheiro e a ser avaliado por um júri. Avanço mais um canal e na TVI está a dar um Big Brother qualquer.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

A Mercedes tem dificuldade em perceber o conceito de “travão de mão”.

Ou os alemães têm uma mão onde as pessoas normais têm um pé esquerdo ou então aquele pedal pequenito à esquerda da embraiagem – um bocado mais afastado, mais perto da porta para evitar desastres por confusão dos dois – é, no fim de contas, um travão de pé.

Logo à partida, a técnica, óptima para nabos como eu, de fazer ponto de embraiagem com o travão de mão fica excluída: é impossível ter um pé na embraiagem e controlar o travão de pé. Daqui se conclui que conduzir um Mercedes não é para nabos (como eu).

E depois há outra. Há um conjunto de gestos associados a parar um carro que me foi incutido pelo meu instrutor de condução que mecanizei e executo na perfeição sem para tal mobilizar um neurónio que seja. Por esta ordem: engatar o carro, puxar o travão de mão, rodar a chave e desligar o motor, tirar o pé da embraiagem e, finalmente, tirar o pé do travão. Ora, face ao acima exposto, num Mercedes, esta sequência cai por terra logo no segundo ponto da lista com o carro a ir abaixo. Donde se conclui que o meu instrutor devia ter definido uma sequência alternativa para condutores desta marca alemã.

domingo, 9 de junho de 2013

sábado, 8 de junho de 2013

quinta-feira, 6 de junho de 2013

References

Adoro que me digam que não posso, que isso não dá, que nunca vou conseguir. É que normalmente é esse o empurrão que me falta para que efectivamente consiga.

domingo, 2 de junho de 2013

Gosto de pensar que essa coisa da inspiração existe.

Sobretudo, quando, de um momento para o outro, interrompo um período prolongado de menor produtividade com uma bolsa enorme de posts para ir colocando. E depois páro um bocado para pensar – às vezes acontece. Da mesma forma que recomecei a ler (à bruta) recomecei a escrever – (cor)relacionado? Por outro lado, o reflexo de Pavlov: estar novamente num determinado sítio faz-me repegar hábitos que a ele associo. Não sei porquê mas sempre li mais em Portugal. Por muito pouco romântico que possa ser – e logo eu que gostaria tanto de acreditar que há um lado romântico nestas coisas – estou mais inclinado em aceitar a segunda explicação – coadjuvada pela primeira, nem que seja apenas porque alguns posts são citações.

sábado, 1 de junho de 2013

Realeza

Sempre que oiço falar em palitinhos de la reine penso que o rei andou a fazer coisas que não devia.

sexta-feira, 31 de maio de 2013

PDI

A única vez que fui ao Sudoeste foi à edição de há dez anos atrás e conhecia praticamente todas as bandas do cartaz. Hoje vi o cartaz do Sudoeste deste ano num outdoor duma paragem de autocarro e não reconheci nenhum dos nomes.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Transcend

Peguei no telefone, marquei o número e comecei a andar em direcção à cozinha: lembrei-me que tinha deixado a máquina de lavar roupa a trabalhar e que ainda não tinha tirado a roupa e posto a estender. A luz azul no botão que de imediato giro para que se apague e abro o tambor. À minha frente está a roupa e, sobre o plástico cinzento da abertura da máquina, uma coisa preta. Estico de imediato a mão em direcção ao objecto molhado e, no preciso momento em que o reconheço, atendem-me do outro lado da linha. O primeiro som que sai da minha boca é um “eeeehhh” profundo e longo e é assim que começo a conversa telefónica.

Esqueci-me de tirar a flash disk do bolso das calças e enfiei-as na máquina. Está aqui na minha mão, encharcado.
Caminho – sempre de telefone na mão – passo uma toalha sobre o pequeno disco. Penso em secar um pouco com o secador de cabelo. Desisto da ideia e vou directo à prova dos nove, a entrada USB do meu computador. Uma curta longa espera, o computador na está a reconhecer o objecto ligado à porta USB. Fecho o explorer, volto a abrir e desta vez surge qualquer coisa na drive G. Porém, a designação que costumava aparecer – “transcend”, vá-se lá saber porquê – não surge desta vez. Clico no icon da drive, não surge nada. Mas a barra azul em cima está avançar, alguma coisa está a acontecer e, uns momentos depois, o conteúdo da drive está à minha frente. Como seria de esperar – embora nunca o esperamos quando pensamos que tudo está perdido – não estava ali nada cuja perda fosse irrecuperável. Copio tudo para o disco do computador por descargo de consciência. E deito-me.

Hoje ligo a drive noutro computador. O Windows avisa que houve um problema com a drive e pergunta-me se quer que ele repare, o processo que recomenda. E eu, feito parvo, digo que sim. Passados uns minutos avisa-me que o processo de recuperação está feito e, quando o explorer abre, não há rigorosamente nada na memória. A pen está totalmente vazia. Mais, não consigo gravar nada nela.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Liebe meines Lebens

Quando pensamos em línguas românticas, o alemão não é de todo a primeira opção que nos vem à cabeça. No entanto, ocorreu-me no outro dia que “leben” (“viver” ou “vida” com maiúscula) e “lieben” (“amar”) são tão parecidos. Quase como se não houvesse uma distinção, como se fossem a mesma coisa.

domingo, 26 de maio de 2013

C'est parti!

O Chatrier este ano está um bocado diferente. O verde dos placards de publicidade é diferente, mais escuro. Este ano começaram a jogar ao domingo. Pese embora estas diferenças, honestamente não espero um fecho que não aquele a que nos habituámos nos últimos tempos. A única questão que se poderá colocar aqui é se, na hipotética meia-final que poderá ter lugar entre o Djokovic e o Nadal, o sérvio pode fazer uma surpresa. Mas lá está, será uma surpresa porque o resultado expectável é que não o faça. Não consigo evitar uma certa tristeza quando associo previsibilidade ao Roland Garros: se havia Grand Slam onde há 10, 15 anos tudo poderia acontecer era este. Mas aceito, enquanto me sento mais um ano em frente ao televisor a torcer pelos underdogs.

"I like a woman built for confort, not for speed"

Num filme qualquer - daqueles que se vão vendo enquanto se faz outra coisa qualquer - com o Richard Gere, a J Lo e a Susan Sarandon.

sábado, 25 de maio de 2013

sexta-feira, 24 de maio de 2013

O dicionário do word do meu computador foi actualizado para a nova ortografia.

Dou por mim a escrever e a ver uma série de linhas onduladas vermelhas por debaixo das palavras. O word a dizer-me que não sei escrever irrita-me um bocadito. Eu sei que ele está só a fazer o papel dele, mas é ridículo que me diga que o “actualizado” que escrevi lá em cima não está correcto. Assim como este “correcto”, aparentemente, também está errado.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Cartão Continente

Apercebi-me que tenho duas reacções ao uso de descontos do meu cartão do Continente que não fazem muito sentido. Uma é sentir que não vale a pena descontar o dinheiro do cartão quando não tenho muito acumulado; qual é a diferença entre esta estratégia ou descontar menos vezes mas um valor mais elevado? A outra é quando faço uma compra pequena: também me dá para achar que não vale a pena descontar nada porque não vou pagar muito de qualquer das formas.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Tac

Lembro-me de ter lido uma entrevista feita pelo MEC já há uns quantos anos atrás. Ao Ricardo Araújo Pereira se não me falha a memória. A certa altura, a pergunta do MEC foi “já percebeste que não vais ter tempo para fazer tudo?”. Bateu-me forte, talvez ainda não tivesse percebido isso.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Ir pro maneta

«President Truman famously asked for a “one-armed economist” who would take a clear stand; he was sick and tired of economists who kept saying “on the other hand…”»

Thinking fast and slow, Daniel Kahneman

domingo, 19 de maio de 2013

Com "p"

«Optimism is normal, but some fortunate people are more optimistic than the rest of us. If you are genetically endowed with an optimistic bias, you hardly need to be told that you are a lucky person – you already feel fortunate. An optimistic attitude is largely inherited, and it is part of a general disposition for well-being, which may also include a preference for seeing the bright side of everything. If you were allowed one wish for your child, seriously consider wishing him or her optimism. Optimists are normally cheerful and happy, and therefore popular; they are resilient in adapting to failures and hardships, their chances of clinical depression are reduced, their immune system is stronger, they take better care of their health, they feel healthier than others and are in fact likely to live longer.»

Thinking fast and slow, Daniel Kahneman

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Eleven

Não é um tic tac
É mais tac
Apenas tac tac
Os ponteiros de plástico do relógio preto.
Tac tac
A noite toda a passar-me em frente aos olhos, o som metronómico dos ponteiros de plástico não me deixa dormir, não me sai da cabeça dos ouvidos. Não é uma questão de volume – sou capaz de dormir com ruídos mais elevados. É a cadência, o facto de ser um som tão disciplinado, tão arrumado
Tac tac
Sem parar, sem atrasar, sem perder a cadência. Um avanço inexorável que torna o retrocesso impossível. Um avanço inquebrável, totalmente fora do controlo.
Curiosamente, o relógio digital não me incomoda. Não tem barulho, é certo, mas projecta as horas no tecto branco do quarto. Ou seja, a mesma marcha obcecada a passar em frente aos meus olhos. Mas sem me tirar o sono.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Gelatina

Os alemães usam o trema, um acento que nós já deixámos cair há muito tempo. Mas, muitas vezes, para facilitar – e como o trema prolonga a vogal que acentua – escrevem à frente um “e”. Por exemplo, o nome “Jörg” surge muitas vezes na forma simplificada “Joerg”. Agora o que não faz sentido é aquilo que vi num rodapé da SIC há dias: “Jöerg Asmussen”.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Beacon of light

O Presidente da República partilhou partilhou hoje a solução para crise proposta pela sua esposa: uma intervenção da Nossa Senhora de Fátima. Divina, claro.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Look back

Deste-me as costas. Não te apercebeste mas deste-me as costas. E eu queria voltar a pôr-nos naquela lugar, naquela situação, naquele momento e explicar-te. Mostrar-te. Não te apercebeste. Mas não posso. Não posso voltar atrás e mostrar-te onde, quando, como o fizeste.

Estaria a dar-te as costas.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

My first

Pela primeira vez na minha vida deixei meia dúzia de cervejas passarem o respectivo prazo de validade.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Mayday

Era piloto. Sentava-se atrás dos comandos de um Airbus e sentia-se confortável. Nascera para aquilo. Nada o intimidava no meio daqueles botões e indicadores. Tudo nos aviões o fascinava. Mas depois, nas folgas, era incapaz de conduzir um carro.

terça-feira, 7 de maio de 2013

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Carapauzinhos com açorda

Um pedaço de terra a meio da rua da Estefânia. Umas plantas, umas coisas a fingir de jardim. Bancos, caminhos. E muitos tubos de rega, toda uma rede de tubagem castanho escura. Mais tubagem castanho escura que vegetação verde. Não há um metro quadrado daquele terreno que não esteja cortado pelos canos. Jardim é que nem vê-lo.

domingo, 5 de maio de 2013