sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Costuma estar logo ali ao lado da Versalhes.

Sentado sobre um cartão na calçada, encostado à parede. Uma manta, um cobertor sobre as pernas, os joelhos, um boné na cabeça. Uma caixa (de plástico?) à frente, para as moedas daqueles que resolvem contribuir. Para os outros, aqueles que como eu passam como todos os dias, tem umas palavras preparadas, prontas a ser disparadas mas em surdina, murmuradas, insinuantes.

Hoje, quando ia a passar, parou uma viatura comercial em segunda fila. Do lugar do pendura, saiu um homem de bata branca, careca, óculos. Levava qualquer coisa na mão, ia fazer certamente uma entrega no pequeno portão mesmo ao lado da parede onde as costas do pedinte repousam. Passou muito rápido pela manta e o cartão depositados no chão e soltou um “bom dia senhor engenheiro”. O outro, lá de baixo, respondeu “bom dia senhor arquitecto”.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Words are very unnecessary

Uma das coisas mais complicadas de aprender na música é a fazer silêncios. Há uma tendência natural para tocar demasiadas notas, encher muito os espaços, respirar pouco. É assim como na vida: saber estar calado também é uma arte.

Da série perguntas que me fizeram na estação de metro do Saldanha

“Olhe, desculpe, como é que se vai para a rua…?”

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Trapos de língua #10

Há uma certa uniformidade nos “nãos” de várias línguas. Por exemplo, “no”, “non”, “nein”, “niet”. Os “sins”, contrariamente, são diferentes. Por exemplo, “sí”, “oui”, “ja”, “yes”, “da”.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Cinco um

Bach escrevia com uma cadência impressionante. Há quem diga que era porque tinha uma família enorme para sustentar: sete filhos de um primeiro matrimónio e treze de um segundo, segundo (consegui pôr esta palavras duas vezes e, ao escrever a palavra “duas”, ainda consigo fazer uma aproximação ao cardinal) a Wikipedia. O que é certo é que teve que criar mecanismos para poder ter um caudal muito regular de produção musical. Talvez daqui venha a ideia de que se trata de música com um cariz matemático marcado. Talvez. Como se isso fosse uma espécie de máquina de chouriços. No limite, até pode ser essa a sua grande virtude: como pode uma música de cariz matemático ter tanta alma? Há também quem diga que uma dessas invenções foi a noção de tensão/repouso, uma característica transversal à música ocidental. Uma coisa é certa: não devia mudar muitas fraldas, o senhor.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Cenoura

Era um péssimo jogador de xadrez e sabia que nunca iria melhorar. Era uma questão de incentivo: não lhe agradava que o objectivo fosse fazer o “mate” com o rei. Ainda se fosse com a rainha.

domingo, 25 de outubro de 2009

Trapos de língua #9

Para um português, o verbo “esquecer” é, sem dúvida, reflexivo. “Eu esqueço-me com facilidade”, “esqueci-me de te telefonar”. Para um brasileiro, o mesmo já não é verdade: “eu esqueci” é suficiente, não é preciso mais nada. Os espanhois recorrem ao “olvidar” mas também dizem “he olvidado” e não acrescentam mais nada. Em alemão, a mesma coisa, “ich habe vergessen” e acabou-se a conversa.

Os franceses têm duas possibilidades. O verbo “oublier” não reflexivo é a tradução do “esquecer”. “J’ai oublié de t'appeler”. Agora, a variante reflexiva do mesmo verbo tem um significado bastante diferente: “Elle s’est oubliée”, na tradução mais adequada que me ocorre para português, será “ela descuidou-se”.

Escusado será de dizer já me descuidei imensas vezes em francês, não resisto a conjugar o verbo na forma reflexiva, influenciado pelo “esquecer-me”.

sábado, 24 de outubro de 2009

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Trapos de língua #8

Ela insistia no “je me lave les mains” e eu continuava a achar um absurdo. Aquele “me” estava claramente a mais. Não faz sentido nenhum. Mas é óbvio que eu lavo as minhas próprias mãos; você anda para aí a lavar as mãos de outros? E discutimos mais. Ela insistia: o verbo é reflexivo, tem que ter o pronome.

E depois desarmou-me. “Je me lave”, pura e simplesmente. Porque em português, à boa moda do Pilates, eu diria “lavo as mãos” mas poria sempre o “me” – este luso – da discórdia para dizer “eu lavo-me”. Sem as duas letrinhas a seguir ao hífen posso estar não só a mim próprio, mas também à louça suja, ao carro, etc.

Finalmente comecei a atribuir alguma lógica a “lavar-me as mãos”. Ainda para mais porque em espanhol e alemão também há, respectivamente, um “me” – este castelhano – e um “mich” algures na frase equivalente. Agora, uma coisa é certa: soa terrivelmente mal e ninguém me convence do contrário.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Trapos de língua #7

De início fazia-me alguma confusão que fosse preciso ter sempre o pronome perto do verbo conjugado. “Je sais”, “I know”. Porque em português eu podia dizer “sei” e estava arrumado o assunto, toda a gente sabia que era eu que sabia. Depois reparei na relação unívoca entre as formas verbais e as pessoas a que se referem. A forma “sei” não se confunde com a de outra pessoa e, portanto, só posso estar a referir-me ao “eu”. Da mesma forma que, por exemplo, “sabes” só pode ser “tu” e “sabemos” “nós”. E da mesma forma que os espanhóis, porque “sé” só se for “yo”, “sabes” “tu”, etc.

É claro que em inglês isto é impossível. O “know” pode referir-se a “I”, “you” (singular e plural), “we”, “they”. Em francês, embora a escrita permita diferenciar alguns dos casos (primeira e segunda pessoas da terceira, no caso do verbo “savoir”) a fonética é exactamente igual: “je sais”, “tu sais”, “il sait” não têm nenhuma diferença excepto no pronome. Com verbos regulares do primeiro grupo, a confusão alastra um pouco mais: “je mange”,”tu manges”, “il mange”, “ils mangent”. Em alemão, a primeira e terceira pessoas do plural, no presente, são iguais ao infinitivo do verbo: “wir wissen” e “sie wissen”.

Só num pormenor a lógica falha: nas terceiras pessoas. “Ele” ou “ela” “sabe”; “eles” ou “elas” “sabem”?

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Trapos de língua #6

É um castigo saber os dias da semana noutras línguas. Em miúdo, das coisas que mais me custou foi distinguir “tuesday” de “thursday”. Lembro-me das aulas na escola, íamos rotativamente ao quadro escrever o “summary” e isso implicava escrever a data. Por extenso. Houve um ano em que as aulas eram às terças e quintas e, de todas as vezes que percorria o caminho entre a última fila de cadeiras (sim, eu ficava sempre lá ao fundo) e o quadro, ia a fazer contas de cabeça. Em princípio, não me enganava. Mas tinha que pensar, usar mnemónicas, nunca foi algo que saísse naturalmente.

E não ficou por aqui. Depois foi “mardi” e a “jeudi”. E “lundi”. Por qualquer razão “mercredi” e “vendredi” foram fáceis. Assim como “miercoles” e “viernes”, embora, lá está, “martes” e “jueves” não sejam nada naturais. “Mittwoch” é fácil porque é auto-explicativa: meia semana. Agora “Dienstag” e “Donnerstag” ainda terão que ser bem treinadas.

É curioso notar que o sábado e o domingo nunca foram dias problemáticos. A proximidade com português é bastante maior. E quebrou-se aquela associação natural que não consigo deixar de fazer entre dias da semana e números. Do dois ao seis. E é isso que depois me dificulta a transposição para as terças-feiras e quintas-feiras das outras línguas: falta-lhes o número do dia.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Trapos de língua #5

“De dez em dez minutos uma pessoa é assaltada em Nova Iorque”. A interpretação normal desta frase seria presumir que as vítimas dos assaltos são pessoas distintas. No entanto, esta frase é ambígua porque também pode ser empregue para referir o caso em que é sempre o(a) mesmo(a) infeliz que é assaltado(a) vezes sem conta. A razão para a escolha da primeira interpretação é simples: o primeiro caso é mais provável do que o segundo caso.

Há um princípio economicista por detrás da evolução das línguas. Aparentemente, tornar o discurso “desambiguo” é custoso. E, portanto, para uma frase que possa ter mais do que um significado mas em que um deles tem uma probabilidade suficientemente grande (ou suficientemente pequena), introduzir uma explicação adicional que resolva essa ambiguidade é de uma utilidade praticamente nula. Esta ideia de que todos nós fazemos uma espécie de análise de máxima verosimilhança quando comunicamos é o que diz (de outra forma e mais coisa menos coisa) a regra de Horn.

Dois pequenos orgulhos nacionais

1
2

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Leben

«Até porque a minha vida não tem interesse nenhum, o que interessa são os meus livros.»

António Lobo Antunes

Lavo o meu carro escandalosamente poucas vezes.

Uma por ano, na melhor das hipóteses. Neste momento parece que acabei de regressar do Paris-Dakar. Em particular, as jantes estão tão pretas que é difícil perceber onde é que elas acabam e começa o pneu. Sempre que um cão alça a pata contra uma delas, a poça resultante fica escura do óleo que vem agarrado. Para aligeirar a minha consciência junto do meu carro que suspira por detergente, digo sempre que são os cães que mijam petróleo.

sábado, 17 de outubro de 2009

Hide your heart from sight, lock your dreams at night

É um crime que não exista no youtube uma versão disto ao vivo, só esta imagem pirosa com uma banda sonora magnífica.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Trapos de Língua #4

Não foram os primeiros, longe disso, a perguntar-me se temos outra língua ou dialecto. Falei-lhes do mirandês, língua com a qual praticamente nunca tive qualquer tipo de contacto. Ficam um pouco admirados. Mais nada? Sim, só o mirandês. Não temos mais nenhuma língua oficial ou dialecto que eu conheça. Temos diferentes sotaques regionais mas é só isso. De resto, só unidade linguística.

E depois ficámos a remoer. Eles, espanhóis, tinham, para além do castelhano, o catalão, o basco, o galego, para dar como exemplos. Síndrome de país pequeno? Não. Lembrei-me da Holanda. Os dialectos. Todos falam flamengo, com sotaques diferente no norte e no sul. E depois, nas vilas e aldeias do Limburgo, cada um daqueles holandeses vai para casa falar um qualquer dialecto com os pais, dialecto esse cujo uso está confinado a uma área geográfica bastante restrita.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Trapos de língua #3

É por isso que gosto muito de línguas mas não gosto das maternas. Por mim, falaria muitas línguas mas nenhuma seria materna. As línguas maternas são uma espécie de pequenos tiranos influenciadores. Moldam definitivamente formas de pensar e era essa espécie de jugo que preferia não ter. Preferia ser capaz de passar de idioma para idioma com a ligeireza de quem não tem um passado ligado de forma indelével à língua portuguesa. Sem falsos amigos. Com fluidez. Irrita-me saber que nunca vou dominar nenhuma outra língua tão bem como o português.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Roleta

«Deutsche Bank foreclosed on the $3.9 billion Cosmopolitan Hotel; only it couldn’t find a buyer, so the bank is in the odd position of owning a casino – though given the way banks have operated in this decade, that seems like a logical business extension. »

Revista Time

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Bip

Tenho um atendedor de chamadas em casa mas as únicas mensagens que recebo são o som de um telefone a desligar-se.

domingo, 11 de outubro de 2009

Trapos de língua #2

National Gallery, algures lá para as traseiras do Trafalgar. Seguindo a numeração das salas repletas de quadros, entro, vindo da direita, numa sala onde está um quadro com uma tela grande na parede do fundo. Olho para ele. É um retrato de dois homens com umas boas centenas de anos em cima, bem-apessoados, bem vestidos. Olho para a descrição, em baixo, à direita. Os tipos retratados são representantes diplomáticos – um inglês e do outro não me lembro da nacionalidade – e o quadro representa as relações diplomáticas tensas entre os países que representam. Logo em seguida, referem o tapete cinzento que se pode ver entre as duas figuras. E explicam que há mais nele do que ser apenas um tapete. Visto do lado esquerdo, com uma perspectiva diferente, os olhos humanos vão conseguir aperceber-se de que está também ali uma caveira, a simbolizar as tais relações complicadas. Depois de ler esta indicação, voltei-me novamente para o quadro e, de repente, lá estava a caveira que eu ainda não tinha visto e provavelmente não veria caso não me tivessem dito que ela estava lá. Mais: a partir desse momento, não mais consegui ver o tapete, independentemente da posição – vindo da direita, da esquerda.

Isto também acontece com músicas. Há dias ensinaram-me a ouvir o Kurt Cobain dizer “não há pão quente” com sotaque açoriano na primeira frase do Smells Like Teen Spirit. E não é que é mesmo isso que ele diz? Eu só conhecia o “cá vou eu” gutural que o Eddie Vedder diz no Tattoeded e o “cavalinho na feira a correr” dos Men at Work.

Ora isto embica direitinho na questão de como a forma como vemos, ouvimos, sentimos as coisas pode ser condicionada ou manipulada com relativa facilidade. Não é algo de mecânico porque os nossos órgãos continuam a captar informação da mesma forma. A interpretação dessa informação por parte das células cinzentas é que sofre as consequências.

As línguas maternas têm esse impacto. Moldam e influenciam a forma como processamos informação e como comunicamos e nos expressamos.

sábado, 10 de outubro de 2009

Trapos de língua #1

«What we aquire as a system of sensibility by our mother tongue will afect our ability in learning other languages, verbal or symbolic. That is perhaps why the highly literate Westerner steeped in the lineal and homogeneous modes of print culture has much trouble with the non-visualworld of modern mathematics and physics.»

The Gutenberg Galaxy, Marshall McLuhan

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Âncora

Às vezes gostava de ser como aqueles que estão bem como estão. Assim. Despreocupados. Descontraídos. Sem sentir nenhum apelo para algo, sem precisar de mudar. Estou farto de estar farto. Cansa-me. Assim como o discurso de que estar farto, no fundo, até é bom porque é meio caminho andado para mudar, fazer, acontecer. Porque isto desgasta. Rói, corrói. Estar constantemente a pensar no “e se”. A impaciência. Questionar as merdas todas. Tenho uma inaptidão para lidar com a imobilidade. E daí até àquelas banalidades estilo “tempo perdido” é só um pulinho. E o mais irritante é que não sei porquê. É que não sei mesmo. Que raio virá a cair do céu aos trambolhões com isto tudo? Provavelmente nada. O ponto é esse: rigorosamente nada. E não conseguir evitá-lo.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Mala leche

“É esquisito ter lembranças de coisas que ainda não aconteceram, acabo de lembrar que Matilde vai sumir para sempre.”

Leite Derramado, Chico Buarque

Belle du jour

O outdoor da TMN que mistura as caras do Rui Costa e do Sá Pinto é assustador. O resultado parece o Mickey Rourke num dia complicado.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Velhos são os trapos

Porte-se bem.
Vou fazer-lhe uma maldade.
O mal que cá trazia.
Quem é este senhor?
Olha que não fico a dever nada a ninguém.
Estou uma moça.
Leva-me para tua casa.
A minha cabeça.
Vá lá querida, não se mexa agora.
Não, já não tenho.
Tem que comer!
Algum dia sairei daqui?
Já não se lembra?
Agoniada.
Porte-se bem. Ouviu?
Coma.
Não diga isso.
Quer água?
Vou ter que lhe fazer uma maldade.
Já não se lembra?
Já não saio daqui.
Se alguma vez pensei. Se alguma vez pensei.
Quem é este senhor, lembra-se?
A minha cabeça
Algum dia sairei daqui?
Não diga isso
E olhe que velhos são os trapos.

Do or die

Recebo mais junk mail que mail.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Politeísmo

O mundo está dividido entre aqueles que acreditam na existência da letra “guê” e aqueles que acreditam na existência da letra “gê”. Sem saber muito bem porquê, pertenço ao segundo grupo.

domingo, 4 de outubro de 2009

Uma vez, quando era miúdo, levei com uma pedra na testa. Sangrou bastante e ficou uma marcazinha pequena que, com o tempo, foi desaparendo.

Mas isso não explica tudo.

sábado, 3 de outubro de 2009

«Today, more than half of African Americans have incomes more than double the poverty line. By one standard, this is middle class. Amid this success, however, much black poverty remains. The African-American poverty rate, at 23.6% in 2006, is triple the white rate. Black unemployment remains double that for whites. […] about 7,9% of black males age 18-64 are either in jail or in prison. The black male incarceration rate exceeds the white male rate by a factor of eight to one. Appalingly, the lifetime chances of a black male youth entering prison exceed 25% - and this figure excludes those who will only go to the local jail.»

Animal Spirits, Akerlof e Schiller

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Catering

A refeição a bordo da Portugália devia ser um prego e uma cervejinha. E um arroz de gambas em executiva. Mas com a cervejinha, à mesma.