domingo, 27 de março de 2016

You run fast

ouvi com uma entoação dúbia de quem não é nativo, que não para entender se tinha terminado com um ponto de interrogação - pese embora a estrutura da frase - e mesmo se o run deveria ter sido ran. Virei-me e reparei que era a senhora por quem tinha passado no semáforo verde, que agora me tinha alcançado enquanto recuperava a respiração. Respondi-lhe ainda ofegante
Too fast
com um claro e vincado ponto de exclamação enfático no fim. E acrescentei que era só um sprint final antes de terminar, daí a velocidade. Largou uma exclamação - "aahh" , desta vez bastante perceptível (estas são iguais em todas as línguas), enquanto continuou a caminhar e a afastar-se de mim.

sábado, 26 de março de 2016

Tédio

(...) Mas há uma coisa a dizer sobre o tédio. O tédio é uma sensação muito importante. Se eu tivesse de aconselhar alguma coisa para a escola, em geral, seria que se ensinasse a lidar com o tédio.

O tédio está muito associado à lentidão.
Sim. Eu tenho muito medo das pessoas que não sabem lidar com o tédio. As pessoas mais desesperadas são aquelas que estão sempre a fugir do tédio. O tédio é uma coisa central, base. O que é o tédio? É um momento de espera em que aparentemente nada está a acontecer. É uma sensação de inutilidade. Mas a vida tem uma percentagem enorme de momentos em que nós estamos à espera. Se não soubermos lidar com isso, estamos a desperdiçar uma matéria fundamental.


Entrevista a Gonçalo M. Tavares
Os escritores (também) têm coisas a dizer, Carlos Vaz Marques

quarta-feira, 23 de março de 2016

Frivolidade

(...) Hoje, por exemplo, dou muita importância às pessoas que são frívolas.

Porquê, o que é que a frivolidade nos dá?
A frivolidade é também uma forma de hipocrisia porque as pessoas não são aquilo. A pessoa, quanto mais frívola nos parece, mais esconde a sua natureza profunda.

E porque é que dá essa importância especial aos frívolos?
Porque têm mais a noção da sua fraqueza e, portanto, têm de se revestir de qualquer coisa que se imponha - inclusivamente, de uma maneira chocante - mas que é, de certa forma, uma carapaça que os defende.


Entrevista a Agustina Bessa-Luís
Os escritores (também) têm coisas a dizer, Carlos Vaz Marques

sexta-feira, 18 de março de 2016

As cinquenta oitavas de Sandoval no CCB

(Texto publicado originalmente aqui no Canela e Hortelã)


Dizer que todos os percursos de vida são únicos é um lugar-comum que, por definição, é de fácil emprego e não tem muito valor acrescentado. No caso de Arturo Sandóval assenta que nem uma luva. Mais, o percurso de vida do trompetista, na actual conjuntura, poderá ser também irrepetível, por razões que lhe são alheias: a recente reaproximação diplomática entre Cuba e os Estados Unidos, respectivamente, país onde Sandoval nasceu e para o qual desertou.

Decorria o ano de 1990 quando Sandoval interrompeu uma digressão europeia com Dizzie Gillespie, seu mentor, para desertar para os Estados Unidos, país que lhe viria a conferir a cidadania em 1999. No ano seguinte, a vida de Arturo deu, literalmente, um filme. Realizado e protagonizado por outro americano-cubano, Andy Garcia, “For Love and Country” relata a história da vida do trompetista.

Anos volvidos, dez (dez!!) Grammys depois, 6 Billboard Awars, um Emmy e a Presidential Medal of Freedom com que Barack Obama o galardoou em 2013, Sandoval esteve ontem de regresso ao Centro Cultural de Belém, depois de por aqui ter passado no ano passado.

O concerto arranca com um blues num tempo rápido, e de imediato se ouve o som intenso e estridente que sai do trompete de Sandoval, que enche o Grande Auditório do Centro Cultural de Belém. Sandoval está irrequieto, faz sinais aos outros músicos, sai de palco no solo do teclista para regressar e ajustar os microfones overhead da bateria, a tempo do baterista iniciar uma sucessão de chases, alternando quatro compassos de solo com o percussionista.

No final do tema, Sandoval dá as boas-vindas ao público, diz-nos que estão “muy contentos de estar aqui” e retoma o cocktail de ritmos e batidas que caracterizou a noite: uma série de ritmos latinos e caribenhos, a espaços sente-se o funk que, aliado ao som dos inúmeros teclados em palco, nos recorda um Herbie Hancock electrónico. Tudo isto com o swing do jazz sempre a espreitar, sempre presente.

E, daí para a frente, o músico cubano começa a tirar coelhos da cartola, uns atrás dos outros. Se no trompete já sabemos do que é capaz – embora as notas ridiculamente agudas que consegue tirar do instrumento não deixem de surpreender o público, que reage ruidosamente à mesma frase em sucessivas oitavas, cada vez mais altas – há muito mais para apreciar.

Logo ao segundo tema começa a mostrar-nos o que sabe fazer com as cordas vocais, cantando. Mas é um pouco mais à frente que inicia um solo – o segundo nesse mesmo tema depois de ter solado ao trompete – com uma harpa de boca, que acaba por desembocar num scat frenético. Imita o som de um trompete, mexendo os dedos no microfone como se tivesse os pistões daquele instrumento. Imita também o som do contrabaixo, tocado com os dedos e com arco, o som da bateria. E depois envereda por sons humanos, conversas, gritos, risos e risadas, e é também assim que, a certa altura, o público reage.

E ainda veio o piano. Após expulsar o pianista da frente das teclas pretas e brancas, inicia uma balada sozinho. Depois de uma longa introdução, a balada transforma-se, ganha ritmo e o percussionista começa a acompanhar, inicialmente com maracas, depois num despique de tarola e cow bell que foi um dos momentos altos da noite.

Outro dos momentos marcantes da noite foi a homenagem que fez a Dizzie Gilliespie, a quem Sandoval se diz “eternamente agradecido”, com o tema “Dear Dizz (every day I think of you)”, assim como a versão de “Joy Spring” de Clifford Brown.

Para o encore, Sandoval deixou o “Night in Tunisia”, que acaba por ser, embora apenas implicitamente, a segunda homenagem da noite a Dizzie Gillespie. Depois de os solos terem rodado pelos elementos da banda, Sandoval fica sozinho, à capela. Põe em uso toda extensão da sua longa tessitura, cobrindo dos registos mais graves aos registos mais agudos. Faz truques como o growl, rosnando com o trompete, até a banda se lhe juntar novamente para, com uma sonoridade árabe, conduzir o concerto até ao fim.

Wertheim

quarta-feira, 16 de março de 2016

terça-feira, 15 de março de 2016

Tell me if and when if and when if and when

Sempre pensei na dificuldade linguística do "se" e do "quando" quando (e não "se") considerando idiomas onde uma mesma palavra designa as outras duas. Os alemães só têm "wenn" ao dispor (atenção ao P.S.) e isso causa a alguns nativos dificuldades de expressão em língua estrangeira. Já aqui referi o caso de um antigo colega de trabalho alemão que disse, numa reunião, "when I understand correctly" - ele estava a "understand correctly" o ponto da discussão mas não a diferença entre "when" e "if".

E o contrário também é válido - para quem é nativo de uma língua que tem as duas formas anteriores, a palavra única, por vezes, pode dar azo a confusões ao tentar interpretar alemães. Tive uma vez uma discussão com um colega alemão - outro, diferente do primeiro, que percebia perfeitamente a diferença entre "if" e "when" - sobre o significado das palavras de uma antiga chefe, também alemã, que, ao discutir a possibilidade de extensão do meu contrato, utilizou o famigerado "wenn". Eu, pessimista, entendi um "se"; ele, mais optimista, entendeu um "quando". Eu, mariquinhas, não tive coragem de solicitar à chefe qual a tradução adequada; ele, besta, chamou-me mariquinhas.

A dificuldade normalmente está na ausência, numa língua, de uma distinção que é perfeitamente clara noutra. Lembra-me os húngaros que não têm "ele" e "ela", apenas um pronome que tanto dá para o sexo masculino como para o feminino. É confuso seguir uma conversa sobre uma senhora quando (e não "se") se (reflexivo, não conta) referem a ela com um "he". E há outros casos onde, apesar de não induzir em erro, a ausência de uma palavra retira a possibilidade de uma gradação que parece essencial. Por exemplo, em francês, se (e não "quando") aimer un croissant me parece excessivo (por muito bom que possa ser), aimer uma pessoa, em seguida, sabe a pouco - do ponto de vista (audição?) de quem ouve - se (e não "quando") o mesmo verbo é frequentemente usado em contexto de consumo de pastelaria.

A recente polémica do "if/when" parece ser o inverso do que acabei de descrever: enquanto no anterior caso as dificuldades surgem quando (e não "se") não existe uma distinção clara entre as duas palavras, no caso presente a interpretação possivelmente foi condicionada pelo facto de existirem duas palavras diferentes. No limite, em alemão, não teriam surgido quaisquer dúvidas. Não sei se (e não "quando") o holandês, nesta circunstância, é idêntico ao alemão. A ser, talvez seja essa a razão pela qual Dijsselbloem remeteu a explicação para Moscovici.

P.S. - o que disse do alemão não está inteiramente correcto porque também existe (i) "ob", um segundo "se" que, se (e não "quando") não me engano, só se (aqui é reflexivo, não conta) utiliza mesmo no caso dos verdadeiros "ses" em algumas circunstâncias - por exemplo, a reproduzir uma pergunta: "ele perguntou-me se (e não "quando") eu vinha"; e (ii) "als", que é uma espécie de "quando" no passado e que só se usa no casos dos verdadeiros "quandos", para frases como "quando eu era miúdo".

domingo, 13 de março de 2016

A minha estreia no Canela e Hortelã foi ontem.

E que estreia: nem mais nem menos do que o concerto dos 50 anos da carreira de Marco Paulo no Coliseu. A crónica está aqui. Estão agendadas mais para os tempos que se avizinham.

quinta-feira, 10 de março de 2016

Curiosidade

«I'm not a cynic. I'm curious, that's all. I like to know the meaning which people put on the words they use. So much is a question of semantics. That's why in medicine we often prefer to use a dead language. There's no room for misunderstanding with a dead language.»

The Honorary Consul, Graham Greene

segunda-feira, 7 de março de 2016

A saúde (das figuras) pública(s)

Paulo Futre e o Libidum Fast. Simone de Oliveira e o Calcitrin. Catarina Furtado e o Centrum. Questões e maleitas diferentes, é certo. Não é uma questão de idade, nem sequer de género. Possivelmente mais de bolso.