sábado, 29 de fevereiro de 2020

Mainzer Landstraße

Há um considerável número de edifícios degradados e uma sujidade que não se vê nas ruas doutras zonas. Aqui, nas imediações da estação central, porta sim, porta não, vêem-se as luzes de neon a anunciar espectáculos de strip, peep shows, lojas de sexo. Em alguns casos, com quartos para aluguer, com as respectivas comodidades descritas à entrada (discrição, casa-de-banho particular, etc). As restantes portas abrem para casas de jogo, onde se pode fazer apostas em todo o tipo de eventos desportivos.

São vários os locais onde o cheiro a mijo é pronunciado. Sem-abrigo encolhem-se a um canto para se proteger do frio, cobertos por trapos ou, mesmo, enfiados em sacos-cama. Outros passam a pente fino os caixotes do lixo, vasculhando avidamente. Por vezes, o cheiro a mijo é substituído pelo da cannabis. Pelo meio da constante e intensa presença policial, estão toxicodependentes a consumir. Há um grupo, em particular, que se junta debaixo de um andaime de um prédio em obras: abrigam-se da chuva enquanto aspiram, com pequenos tubos plásticos, o fumo que resulta de aquecer um pequeno pedaço de papel de alumínio com um isqueiro.

O conjunto de ruas - talvez umas duas paralelas e algumas perpendiculares - está ensanduichado entre a Kaiserstraße, a sul, e a norte, a Mainzer Landstraße, umas maiores avenidas da cidade. Duas faixas para cada lado que, para além de permitir uma deslocação mais rápida do trânsito de este a oeste da cidade, aqui, funcionam também como uma espécie de fronteira: do outro lado desta avenida está o bairro do Westend, um dos mais afluentes da cidade. É sobretudo local de habitação, embora também existam algumas torres de escritórios, sobretudo de actividades financeiras, ao longo da Mainzer. O contraste é gritante: aqui as casas e os prédios arranjados, alguns de traça histórica, por vezes com pequenos jardins, albergam as classes mais privilegiadas.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Neve de pouca dura

Sem dizer água vai, os flocos começaram a cair ao final da tarde. Arruinaram a visita guiada, marcada há uns dias, que envolvia uma componente exterior. Está frio - vá, algum frio - mas não o suficiente: a neve rapidamente derrete no chão escorregadio. Dizem-me que já há vários anos não há um inverno a sério e, de facto, ainda não senti necessidade de andar de luvas e gorro, instrumentos que recordava como altamente indispensáveis, em certas alturas, nem que fosse para andar apenas alguns metros e estar exposto aos elementos por um período bastante curto de tempo. Estão ali no quarto, em cima de um armário.

domingo, 23 de fevereiro de 2020

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Lawyer up

A comida processada não teve outra hipótese senão arranjar representação legal.

domingo, 16 de fevereiro de 2020

Endogeneidade

A cebola cortou-se acidentalmente e, acto contínuo, sentiu um ardor nos olhos e começou a lacrimejar.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

O corredor de janelas, dividido por uma varanda, percorre praticamente toda a parede externa.

Está virado sensivelmente a poente, a descair um bocadito no sentido sudoeste. Espreita sobre o interior do quarteirão. Para além das casas, construções de baixa altura, das árvores, há uma espécie de logradouro interior, um local com alguns lugares de estacionamento. Ao fundo, três ou quatro dos arranha-céus mais emblemáticos, preenchem o horizonte. Da confusão de uma das principais artérias rodoviárias, mesmo ali ao lado, apenas aqui chega um apagado som do barulho estridente das ambulâncias ou veículos da polícia. O que se ouve verdadeiramente bem - até demais, diga-se de passagem - são os corvos e, ao sábado à tarde e domingo de manhã, os sinos da igreja um pouco ao lado, a chamar os crentes para a missa. De resto, só se ouve o vento, quando sopra, e o sossego.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Depois de todo este tempo, já não há muita coisa tua.

Coisas mais físicas ou palpáveis; as memórias agarram-se como lapas, com uma viscosidade que demora a descolar. Há uma que sobreviveu e que, apesar de um hiato, tem uma presença recorrente: um album cujos ficheiros mp3 me passaste. Foi transitando de computador em computador e, em momentos em que a colecção de volumes musicais não está disponível (essencialmente, viagens e desterros), tem sempre um espaço reservado. E é curioso como, progressivamente, foi ganhando um distanciamento cada vez maior. Ao ponto de, agora, é como se este conjunto de ficheiros mp3 já fosse meu, num sentido mais lato que este pronome possessivo normalmente tem.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

É inevitável a sensação de déjà vu, salpicada de novidades aqui e ali.

Prédios e construções que não existiam na altura. Alguns que estavam em construção e agora já são maiores e vacinados. Talvez esta seja a maior marca, a que mais facilmente salta à vista. Às vezes, até elementos e pormenores que já existiam e nos quais nunca tinha reparado e agora parecem tão evidentes e quase incontornáveis. Outros que passaram a existir pelas vicissitudes e motivos de forma maior: os vários blocos enormes de cimento, colocados de forma a bloquear a entrada de veículos em zonas pedonais. Mas a maior novidade seguramente advém das coisas mais simples: viver num bairro diferente e trabalhar noutra localização. Esta diferença torna, passo a redundância, tudo diferente.

domingo, 9 de fevereiro de 2020

Self-loathing

«His desire for her had died in the first week of their marriage. What remained was only a need which he was unable to destroy. He had never entered a whorehouse; he thought, at times, that the self-loathing he would experience there could be no worse than what he felt when he was driven to enter his wife’s bedroom.

He would often find her reading a book. She would put it aside, with a white ribbon to mark the pages. When he lay exhausted, his eyes closed, still breathing in gasps, she would turn on the light, pick up the book and continue the reading.

He told himself that he deserved the torture, because he had whished never to touch her again and was unable to maintain his decision. He despised himself for that. He despised a need which now held no shred of joy or meaning, which had become the mere need of a woman’s body, an anonymous body that belonged to a woman whom he had to forget while he held it. He became convinced that the need was depravity.»

Atlas shrugged, Ayn Rand

terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

A sabedoria popular é, normalmente, inequívoca.

Não deixa grande margem para dúvidas. Não há, tanto quanto sei, um equivalente a "deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer" que admita a possibilidade de que deitar tarde e acordar tarde possa ser salutar. "Quem ri por último ri (de facto) melhor". E "não adianta (mesmo) chorar sobre leite derramado". Em alguns casos, até há mais do que um provérbio para vincar a mesma ideia. Por exemplo, "quem anda à chuva molha-se" e "quem brinca com o fogo queima-se" (ou molha a cama).

Mas há também os casos estranhos de provérbios que se contradizem: "quem espera sempre alcança" vs "quem espera desespera" e "quem não chora não mama" vs "ovelha que berra, bocado que perde".

Associo-me à indecisão destes dois exemplos; não sou dos que questionam em que é nos ficamos. Quantas vezes é preciso saber esperar pelo momento correcto mas quantas vezes a espera é infrutífera porque o momento nunca vem. E quantas vezes é preciso fazer barulho e partir para a guerra e quantas vezes o tiro sai pela culatra e a emenda é pior que o soneto.

Conseguir equilibrar e atingir a proporção exacta dos dois é a grande dificuldade.