terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Às vezes

Só às vezes, não mais do que isso. Só mesmo de vez em quando. É suficiente, não é preciso mais. Só isso e nada mais. Só mesmo isso.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Vínculo

Pede-me desculpa por estar a incomodar, tocou à porta porque não consegue tirar o carro e diz-me
Não tenho vínculo
sem perceber que está a fazer uma misturada com português e alemão – vive há uma série de anos na Alemanha, o português dela já está impregnado de fragmentos germânicos. Está a transformar Winkel na palavra portuguesa mais próxima mas que não tem nada a ver com o que quer dizer. Brinco com ela
Sprichst du Portugiesch oder Deutsch?
Fica a olhar para mim, pergunta-me com um sorriso
O que é que eu disse?
Explico-lhe
O que querias dizer era ângulo.
e ri-se.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Buzón

Discutíamos a velha questão do
Já ninguém escreve cartas, já ninguém envia postais
E que é triste e por aí fora. A internet, o e-mail vieram mudar isto tudo.
Dantes as pessoas abriam a caixa do correio com alguma emoção, a surpresa de receber uma carta de alguém. Agora, abrir a caixa do correio é um exercício desprovido de interesse, é meramente algo que temos que fazer. Lá dentro estão as contas, as cartas do banco, a publicidade da Telepizza.
É isso, só recebemos o que não queremos.

domingo, 22 de dezembro de 2013

You make a everything, groovy

O final apoteótico (pirómano?) da actuação em Monterey tornou-se uma das imagens de marca de Jimi Hendrix. Foi também a porta de entrada nos Estados Unidos: até então só Londres lhe prestava atenção.

sábado, 21 de dezembro de 2013

Detesto quando as pessoas se referem ao tempo que passam com os filhos como quality time.

Quer dizer, percebo a dificuldade e preocupação em ter tempo para os filhos. Mas tempo de qualidade parece trazer associada uma noção de eficiência em relação àquelas horas que se dispensam para os filhos que torna o conceito de imediato intragável.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

O todo; a soma

«Father said a man is the sum of his misfortunes. One day you’d think misfortune would get tired, but then time is your misfortune Father said.»

The sound and the fury, William Faulkner

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Maturidade

O tempo médio entre publicar um texto e deixar de me identificar com ele andava na casa de alguns anos. Agora, alguns minutos.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

A fotografia em cima do móvel da sala.

Dizes-me que és tu com alguma surpresa, estranheza por eu não ter percebido logo.
Mas não pareces tu.
Tens uma expressão na cara que não estou habituado a ver, não costuma estar nem ficar na tua cara. Nem sequer é uma daquelas expressões fugidias que fazemos apenas por breves instantes sem dar por isso, expressões que são apenas transitórias entre outras duas e de que às vezes as fotografias se apercebem e imortalizam e nos deixam a pensar como pode aquela cara ser nossa, já que a não reconhecemos. Não é nada disso, é uma expressão que nunca te vi de todo na cara.
Será doutro tempo, será doutra altura?
Imagino-te mais nova – eras mais nova seguramente. Tento imaginar o que poderá ter despoletado a tua expressão. Pareces feliz.
Será isso, estavas feliz?
Tento imaginar-te feliz.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Fúria

«Any live man is better than any dead man but no live or dead man is very much better than any other live or dead man.»

The sound and the fury, William Faulkner

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Chá do deserto

Os polícias estão parados num cruzamento, no meio do nada. No deserto, vestidos de cima abaixo, a rigor. Não têm carro. Não têm nada senão duas pastas encostada a um placard com indicações e os dois casacos pendurados a duas barras de metal. Mandam-nos parar. Conversam, não percebemos uma palavra. Pedem documentos, veem uma série de documentos, papéis velhos com vincos marcados de passarem o tempo dobrados. No final pedem água. Ficam com as nossas duas garrafas de litro e meio. Toda a água que temos.

domingo, 15 de dezembro de 2013

Apropriação

«Because Father said clocks slay time. He said time is dead as long as it is being clicked off by little wheels; only when the clock stops does time come to life.»

The sound and the fury, William Faulkner

sábado, 14 de dezembro de 2013

Dar Alfarah

O miúdo que trabalha no riad – simpático, muito solícito – vem avisar-nos que chegou o guia. Estamos a acabar de tomar o pequeno-almoço que ele improvisou
Café, salade de fruits, gâteau
porque ainda não é hora de servir pequeno-almoço. É demasiado cedo. O guia chegou antes – chegam todos antes da hora – já vamos, só precisamos de uns minutos. O miúdo abre-nos a porta e do outro lado está um tipo com um carrinho de mão, bata azul gasta, suja, com nódoas, que prontamente nos pega nas malas. O miúdo explica
Il va vous emmener jusqu’à votre guide.
Seguimos o homem que empurra o carrinho de mão com as nossas malas por entre o labirinto de ruelas estreitas e sujas, onde os gatos lutam no meio do lixo por entre restos de comida, o cheiro a mijo, as motos, lambretas passam disparatadamente rápido e perto de nós. Algumas direitas e esquerdas depois chegamos a uma rua maior, uma parte mais ampla da cidade. Gente, carros, motas, ninguém liga nenhuma, é difícil chegar ao outro lado da rua onde o tipo do carrinho de mão pára em frente a outro que fala ao telefone e então percebemos que é o nosso guia. Cumprimentamo-lo. Dou uma moeda de dois euros ao tipo do carrinho de mão, faz um sorriso e vai-se embora.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

For whom the bell tolls

Assim que surge a máquina fotográfica e fazemos a pose, os miúdos vêm a correr pôr-se à nossa frente, encostados às nossas pernas. Como se reagissem à máquina da mesma forma que o elefante do jardim zoológico reage à cenoura e toca o sino. Riem e sorriem para a foto, estão divertidos. Depois sentam-nos no tapete na tenda aberta, a mãe chega com o bule e os copos, preparam-nos para o ritual do chá. Os miúdos ficam à volta da mãe, têm na boca os rebuçados que lhes demos. Falam entre eles, não percebemos nada. Sentimo-nos a mais, sentimo-nos a mais. Não sabemos como agir, não sabemos o que fazer excepto que a certa altura é suposto darmos mais do que uns rebuçados, é suposto deixarmos algum dinheiro. Porque é tudo falso e artificial, uma forma de ganharem algum dinheiro. Falamos como podemos entre nós tentando não ser perceptíveis sobre quanto deixar – não sabemos. À primeira oportunidade, deixo uma moeda de 10 dirhams na mão de cada um dos três miúdos e saímos dali. A última imagem que guardo é de olhar para trás enquanto me afastava e ver a mãe de braço esticado e sem o sorriso com que nos recebeu a recolher as moedas das mãos dos filhos.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Unabhängigkeit

«(…) l’erreur est de penser que cette quantité d’expérience dépend des circonstances de notre vie quand elle ne dépend que de nous. Il faut ici être simpliste. A deux hommes vivant le même nombre d’années, le monde fournit toujours la même somme d’expériences. C’est à nous d’en être conscients.»

Le mythe de Sisyphe, Albert Camus

But I ain't losing sleep and I ain't counting sheep,

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

O cúmulo da incompetência

é trabalhar para uma agência de informação, passar os dias a escutar conversas telefónicas alheias e não saber que se é traído.

domingo, 8 de dezembro de 2013

O mais difícil é convencer os outros de que não estamos à venda.

Que não temos preço. É preciso sinalizá-lo de uma forma muito forte e contundente, de uma forma que tenha uma credibilidade inquestionável. Que se sobreponha à estranheza, à incredulidade alheia. Porque no fundo, o que se espera de todos nós é o contrário: que sinalizemos (constantemente) o nosso preço.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Son muy listos

Comento com uma espanhola, amiga de circunstância de viagem. Têm resposta para tudo e um sentido de humor apurado. Dizem expressões como "bom dia, alegria", "verdade verdadinha" e "queres queres, não queres não queres" da forma correcta, no momento certo.

Terapia de substituição

Chá de menta como quem bebe café. Dor de cabeça.