domingo, 2 de janeiro de 2022

Dizia-nos que parecia um ferro de engomar.

Porque, vista da estrada, a casa só parecia ter a largura do portão que dava acesso aos carros. Uma vez lá dentro, percebíamos a real dimensão daquela casa onde passámos umas semanas de verão. Eu era um adolescente e lidava mal com os dias de férias no Algarve, que me pareciam repetir-se uns aos outros, sempre iguais, qual Groundhog Day: acordar cedo, ficar à espera que os restantes acordassem sem fazer barulho, tirar senha para ir à única casa-de-banho, sair para a praia (sempre para a da Falésia, apesar das constantes queixas relativas à dificuldade da subida da escadaria e da estrada até ao carro) à hora do cancro, ficar o dia todo a aboborar entre areia e água, regressar, tomar banho, jantar e dormir. Não admira que levasse sempre vários livros e cassetes para o walkman. 

Por isso, naquele verão, a possibilidade de passar tempo com outra gente de idades mais próximas da minha e sem ser num apartamento onde estávamos sempre a chocar uns nos outros, foi um verdadeiro bálsamo. Das poucas vezes - senão mesmo a única - que efectivamente gostei daquelas férias. Lembro-me quando descíamos, de manhã, pelo pinhal para a praia de Santa Eulália, e nos deitávamos na areia, na galhofa. Lembro-me de regressar para o almoço, esganados de fome e, umas horas depois, voltar para uma segunda dose de praia de tarde. Houve, inclusivamente, noites em que até fomos à água, sob o céu estrelado, só pela piada. 

Pouco tempo depois deste verão, o Algarve acabou-se: passei a ter idade suficiente para conseguir convencer os meus pais a não ir para aquele suplício e ficar na capital. A opção prolongou-se para lá do final da adolescência e pelos primeiros anos e décadas de adulto. Só mais recentemente pus fim ao interregno e recomecei a ir, com alguma frequência. Algumas vezes - ironia do destino - buscando activamente um conjunto de Groundhog Days, daqueles que servem para alhear o cérebro e recarregar baterias.

Num desses dias, fiz a estrada a caminho de Albufeira e, ao passar pelo portão estreito, com a cor pálida a pedir uma nova demão de tinta e ervas a sair pelos intervalos das grades, lembrei-me do ferro de engomar.

Sem comentários:

Enviar um comentário