segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Há duas classes de pessoas no metro:

as que olham avidamente para o ecrã do smartphone, muitas vezes com auscultadores nos ouvidos, e as que dormem, contorcidas a tentar encostar-se ao apoio da cabeça que não existe. Uma coisa é certa: há um silêncio quase sepulcral, só entrecortado aqui e ali pelo anúncio das estações vindouras, sempre com uma voz infantilizada (mais até do que propriamente jovem), que roça o ridículo.
Shinjuku
pronunciado como “txiiinjuku”, com um “i” longo e repetido maquinalmente após uma curta pausa
Shinjuku Shinjuku Shinjuku
Como se fosse um alerta redobrado, triplicado, etc., para os mais distraídos. Num dos dias levo uma T-shirt vestida que comprei em Camden Town há mais de uma década. Tem o símbolo do metro londrino e, numa brincadeira que certos considerarão de mau gosto, lê-se “Fuck the gap”, num óbvio trocadilho. Sentado num dos bancos compridos com as costas para as paredes laterais da carruagem, vejo duas adolescentes com traje de escola – saia de flanela e blusa branca – entrar e sentar-se no banco em frente àquele onde estou. Apercebo-me que estão a olhar para a minha indumentária, levam a mão à boca a conter um risinho agudo que parece querer escapar. Uma pega no telemóvel, olha para a T-shirt e para o teclado à vez, aparentemente a digitar aquilo que vê escrito. Depois disso, de obter uma confirmação ou maior precisão da tradução, o risinho intensifica-se.

Nas lojas, supermercados, os funcionários das caixas falam connosco enquanto passam os artigos pela máquina registadora e os colocam em sacos. Em japonês, quase me esquecia de adicionar. Duvido que não estejam cientes de que não percebemos patavina. Mas ainda assim vão dizendo uma lenga-lenga suave e delicada, quase monocórdica, que acompanha a tarefa e, no fim,
Arigato gozaimasu
As duas mãos, sempre as duas mãos a dar e receber coisas, e uma pequena vénia ao qual tentamos responder. Fico um pouco dividido em tentar retribuir estes comportamentos de cortesia, tenho algum receio de não reproduzir os gestos de uma forma correcta e apropriada, e que, por isso, possa ser interpretado de forma errada.

Um dia, numa loja de conveniência, porque a despesa ultrapassou um determinado limiar, sou presenteado com uma raspadinha que daria acesso a um qualquer prémio. Coloco a mão dentro de uma caixa de cartão e tiro um papel ao calhas. Raspo a superfície prateada e mostro-lhe o resultado pouco afortunado. E o que então se segue é extremamente curioso: a senhora solta uma profunda exclamação de pesar, acompanhada de uma expressão facial de quase consternação, como se tivesse acabado de assistir a uma injustiça terrível. Os mais cépticos poderão argumentar que se trata de uma reacção teatralizada, farisaica, com o intuito de gerar qualquer tipo de empatia com o cliente. Aceito, é uma observação totalmente válida. Mas devo dizer que pareceu bastante genuína e ainda para mais numa situação em que a criação da empatia com o cliente pouco proveito traria àquela senhora (nunca mais pus os canudos na mesma loja).

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