segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Sem rei mas com roque

Há muitos anos, um convidado de um programa de televisão, abertamente monárquico, foi questionado sobre a razão da sua preferência política. Respondeu à pergunta com outra pergunta que alguém, uma referência sua, lhe teria colocado: já reparaste que os países europeus mais desenvolvidos são monarquias? Estava a referir-se aos países escandinavos, ao Reino Unido, à Holanda, à Bélgica que, efectivamente, têm níveis de desenvolvimento dos mais elevados do mundo.

Esta história é particularmente interessante para explicar a típica confusão que por vezes existe entre correlação e causalidade. Mas antes disso, em primeiro lugar, há um importante ponto em relação à delimitação do perímetro elegível para analisar monarquias. A escolha da Europa (ocidental) não é inocente uma vez que é uma das zonas do mundo onde existe simultaneamente um grande número de monarquias e países com elevado desenvolvimento. No entanto, mesmo assim há os casos da Alemanha e da França que não têm monarquias mas têm elevado nível de desenvolvimento e, por outro lado, a Espanha que tem uma monarquia e que, no quadro da Europa Ocidental, não sendo terceiro-mundista, também não é propriamente escandinava.

Para ter uma abordagem mais exaustiva, resolvi consultar a Wikipedia, essa fonte de elevado gabarito. De acordo com a enciclopédia virtual, há uma série de outras monarquias no mundo para além das dos países europeus, e mesmo sem contar com os países da Commonwealth. Comecemos no que está mais longe de nós, a Oceânia, onde só temos um exemplar: Tonga. Daí passemos à Ásia onde temos o Brunei, a Malásia, o Cambodja e a Tailândia e, mais ao norte, o Butão. Continuando para oeste, Arábia Saudita, Bahrain, Emirados Árabes Unidos, Jordânia, Kuwait, Oman e Qatar no Médio Oriente. Em África, o Lesotho e a Swazilândia e, no norte, no Magrebe, temos Marrocos.

De repente, a coincidência entre elevado desenvolvimento humano e a existência de um regime monárquico deixar de ser tão óbvia. Claro que poderia ser argumentado que as monarquias coincidem com os países mais desenvolvidos dentro de um grupo com características comuns, ou seja, uma análise por clusters. Ainda assim, por exemplo, o Cambodja é um dos países com um Índice de Desenvolvimento Humano mais baixos do mundo em qualquer grupo que possa ser considerado.

De uma forma mais geral, a confusão entre correlação e causalidade é algo abundante. Lidamos mal com aquilo que não sabemos ou entendemos e estamos programados para tentar construir relações de causa/consequência. Por vezes, isso faz-nos interpretar erradamente aquilo que vemos: uma relação de correlação sem causalidade. Ou que não vemos: uma terceira variável que não observamos e que, essa sim, tem uma relação de causalidade sobre outras duas (correlacionadas entre si) que observamos.

Um exemplo mais palpável. Tenho cada vez mais rugas e cabelos brancos mas dificilmente poderia argumentar convincentemente que os cabelos brancos são a causa das rugas ou vice-versa. Em princípio, a minha idade, genética ou hábitos de vida terão uma responsabilidade maior na evolução desses dois “indicadores”.

O facto de que (alguns) países com elevado nível de desenvolvimento terem monarquias não significa que uma das variáveis cause a outra. Há seguramente um conjunto de variáveis históricas, sociais, económicas e culturais que conduziram tanto a esse sistema político (ou à ausência de mudança para outro) e a esse nível de desenvolvimento. Ter uma monarquia não é uma condição necessária – e muito menos suficiente – para um país subir no ranking do desenvolvimento. A questão verdadeiramente relevante é se instaurar uma monarquia conduz a um melhor funcionamento do país tudo o resto igual. E este “tudo o resto igual” faz toda a diferença: a nossa vida seria muito mais fácil se tornar o nosso país numa nação mais próspera fosse tão elementar como construir um trono e designar alguém para nele se sentar.

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