segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Mo better blues

Depois de um ano fechado em casa, isolado de toda a gente, Bleek decide regressar. É um momento delicado: Bleek volta de pois de se ter envolvido numa luta e, à la Chet Baker, ter sido agredido na boca com o seu próprio trompete. “I make my living with my lips”, costumava dizer. E com razão. A embocadura é tudo para um trompetista.

Por isso, ao juntar-se aos antigos músicos com quem costumava tocar, Bleek está a ser posto à prova. Sobe ao palco com a mesma confiança de sempre. Mas dura pouco. O som não lhe sai confortavelmente do trompete, sem força, sem intensidade. O público esfria, não está cativado. E, gradualmente, a confiança dele esvai-se, esfuma-se mais ao menos como o seu som. De repente, é só ar que sai do instrumento, notas falsas. Agora o público apupa.

Abandona o palco a meio do tema. Atravessa a porta para a noite chuvosa. À saída, Denzel Washington entrega o trompete ao seu ex-manager, um Spike Lee coxo da tareia que levou, revira a gola do casaco e afasta-se. Giant não consegue acompanhar a passada do seu amigo; fica parado, braço com o trompete na mão erguido no ar: “I won’t sell it!”.

Nunca mais conseguirá tocar. Ou, pelo menos, tocar como tocava antes. Para quem dizia que a única coisa importante na sua vida “is my music”, Bleek perdeu, então, tudo. Confrontado com a aspereza da sua limitação física, perdeu tudo. E é aqui que se opera a mudança. O reencontro consigo próprio. Não admira que, depois desta cena, é o Love Supreme que se ouve.

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