sábado, 2 de janeiro de 2010

Anda devagar.

Tão devagar que parece que atravessa a rua em câmara lenta. Isso faz-me ficar alerta com receio que venha algum carro de repente. Mas não. O velhote chega mesmo ao outro lado. Costas arqueadas, roupas muito usadas, cara gasta. Leva, debaixo do braço direito, como se fosse o jornal, dois guarda-chuvas. O cabo é praticamente tudo o que vejo dos objectos, o resto está soterrado no casaco muito usado, de um castanho claro de gasto. Um deles de cabo de madeira, o outro prateado.

Passa muito perto da dianteira do meu carro. Sempre muito devagar, a cara gasta rasgada de rugas. E dirige-se ao contentor, àquele contentor que está um pouco mais à frente da dianteira do meu carro, uns metros à frente do banco do condutor onde me sento. Em câmara lenta. Abre a tampa com dificuldade, é pesada para os seus braços curtos, encobertos pela roupa muito usada. Gastos pela idade. Põe o pé na barra de metal perto do chão e pressiona devagar, alivia a força que tem que fazer com os braços gastos, encobertos pelo casaco castanho claro de gasto.

Ao mesmo tempo, ao meu lado, sacos são colocados num conjunto de contentores de reciclagem. Amarelo, verde, azul. Lixo para reciclar, diferente do lixo indiferenciado onde agora mergulha as mãos que não vejo, a direita sempre a amparar os guarda-chuvas que não vejo senão os cabos, um deles castanho de madeira, o outro de metal. Mergulha as mãos no contentor de lixo indiferenciado, mergulha as mãos no lixo parecido com o lixo reciclado onde, ao meu lado, pessoas despejam os seus sacos bem fechados, as garrafas, o papel, as embalagens.

Empurra a barra de metal perto do chão com o pé direito que fraqueja, a mão segura a tampa entreaberta do contentor escuro, o braço direito nunca se afasta muito do casaco usado de castanho claro de gasto para não deixar cair os guarda-chuvas; um de cabo de madeira, o outro de metal.

Devagar, em câmara lenta.

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