sábado, 3 de setembro de 2011

Pífaro

Está normalmente na esquina da farmácia, de frente para as pessoas que saem do buraco do metro com ajuda das escadas rolantes. Cabelo grisalho a escorrer pelas costas, uma saia velha e desajeitada. Tem uma flauta velha de madeira escura, um saco que deposita à frente dos pés enfiados em sandálias de enfiar o dedo. E toca. Toca de frente para a boca do metro, para a praça, para as pessoas que dobram a esquina à sua frente e seguem rua abaixo até ao centro da cidade.

Toca tão bem como eu faço crochet: desafina a cada três notas numa melodia insuportável. Faz-me lembrar quando tinha aulas de flauta na primária e não conseguia controlar as notas agudas. O dó central e as notas adjacentes eram relativamente fáceis mas subir na escala tornava-se penoso quando era forçoso ter uma série de dedos na flauta e os mindinhos não tinham a destreza suficiente para controlar os orifícios finais. Tem uma tristeza espelhada na cara que eu não sei explicar e que joga na perfeição com aquela música deprimente. As pessoas passam e não ligam puto e ela continua a olhar para o infinito enquanto se concentra na música.

Vasculho a minha cabeça e não me lembro de ver seja quem for dar-lhe esmola. Vasculho ainda mais e apercebo-me de que não há recipiente, não me lembro de ver um recipiente para as moedas dos transeuntes incomodados com a pobreza alheia. Não sei onde as pessoas que precisam de se sentir bem com elas próprias podem depositar a moedinha, o troco de uma porcaria qualquer que compraram. E então considero a hipótese de que toca apenas para partilhar a sua melancolia, a sua tristeza com os que passam por aquela esquina.

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