quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Cão que ladra

A cadela nunca descia senão o primeiro metro da rampa de acesso à garagem, ficava lá ao longe a ladrar à distância. Um ladrar irritante. Estávamos à porta, esperávamos os outros que ainda não tinham chegado e ela ladrava-nos. Pequenina, uma rafeira acanichada, branca. Os donos chamavam-lhe Princesa, o que só acentuava a vontade que tínhamos de a achar insuportável.

De repente, a ideia. Calaríamos a cadela calando-nos a nós próprios. E então ficámos silenciosos, encostados à parede de cimento. A cadela ladrou mais um pouco e depois parou, mais ou menos quando começou a estranhar o nosso silêncio imóvel. Rodou ligeiramente a cabeça, aguçou os ouvidos, as orelhas fizeram um movimento curioso e começou a fazer um ruído novo, um ladrar diferente entrecortado com uns quantos uivos, quase como se nos acusasse de estar a gozar com ela.

Não aguentámos. Largámos uns risos meio abafados, meio por abafar e, assim que os ouviu, de imediato a Princesa largou a ladrar furiosamente, tal e qual como no início. Tentámos outra vez. Vá lá, agora sem rir, ela há-de se fartar e vai-se embora. Mas, passados uns instantes daquele ladrar alternativo e curioso, novamente um de nós rebentava e o plano do silêncio ia por água abaixo.

E foi então que surgiu a ideia da estratégia inversa: se não a conseguimos calar com silêncio, vamos calá-la com barulho. Retirámos do interior da garagem o amplificador. Posicionado de frente para o bicho. Põe os agudos no máximo que os cães não gostam. E, claro, o volume nos píncaros. Depois, foi só tocar alguns acordes com a força dos duzentos watts que os dois speakers soltavam.

O som distorcido e ensurdecedor não durou mais que alguns segundos. Os acordes cessaram e olhámos todos para o cimo da rampa. A cadela largou dois ou três latidos tímidos e desatou a correr, desapareceu no sentido da entrada da casa. Largámos a rir ruidosamente, como se também nós tivéssemos duzentos watts de potência de som.

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