terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Cabine

Se a minha boleia ainda não à porta no momento em que acabava a minha aula e saía, costumava caminhar os poucos passos até à esquina da rua do liceu. Facilitava porque assim escusava de entrar na rua de acesso aos blocos de apartamentos. Na maioria das vezes, pouco tempo depois surgia um carro que fazia de imediato inversão de marcha para seguir no sentido inverso.

Mas também havia os dias, que àquela hora eram noites, em que a boleia demorava. Para tentar apressar o processo e encurtar a espera, por vezes até obviando possíveis esquecimentos, ali estava a cabine telefónica, mesmo na esquina, perto do poste de iluminação pública com um caixote do lixo verde agarrado.

Por vezes estava em muito mau estado: a proximidade do liceu garantia actos de vandalismo regulares. A caixa do telefone arrombada, certamente em busca das moedas, o auscultar partido ou pura e simplesmente arrancado do fio metálico. O próprio caixote do lixo também sofria. Um dia foi incendiado algo dentro dele; derretia numa agonia lenta, o plástico esverdeado escorria e pingava para o chão sujo de calçada.

O problema era a minha falta de fundos. Tinha algures entre os sete e os dez, onze anos e não tinha ainda o hábito de andar com dinheiro. Numa altura em que as simples moedas de dois escudos e cinquenta centavos dariam para uns instantes razoáveis de conversa, nem isso o meu bolso estava em condições de cuspir.

A minha sorte era a falta de tecnologia. Aqueles telefones permitiam que a chamada fosse executada sem moeda. A chamada caia passado pouco tempo assim que a luz cor-de-laranja a exigir dinheiro começava a piscar. Mas era o suficiente para que minha voz fosse entendida e, à la Sozinho em Casa, se lembrassem de mim.

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