terça-feira, 2 de março de 2010

A frigideira cheia de azeite a borbulhar, a salpicar o fogão sujo da cozinha pequena. O calor pegajoso, o suor a escorrer pelas minhas costas, os cubos de gelo que tirávamos do congelador. O rádio a tocar sempre a mesma música, a inundar a sala de acordes e de versos, o barulho dos carros lá em baixo na avenida, à distância de um oitavo – seria o oitavo? – andar. O sofá comprido, os pés em cima da mesa de café, o soalho de madeira a estalar. O jornal em cima da mesa, o janelão que dava para a varanda inclinada. Oitavo andar. Detesto alturas, detesto qualquer varanda, detestava ainda mais aquela varanda do que as outras porque era inclinada, parecia que ia cair. O barulho dos carros lá em baixo, o chão a aproximar-se, o barulho do azeite a borbulhar, a salpicar o fogão, o lume estava forte. A cozinha pequena, o rádio a cuspir acordes e versos pela cozinha, pela sala de soalho de madeira, a estalar com o calor pegajoso. Os pés em cima da mesa de café, sentados no sofá com o jornal nas mãos e a varanda ali ao lado. Mesmo ao lado. Inclinada, não conseguia pôr mais do que um pé em cima daquela língua de cimento que se projectava no ar. Tu debruçada a espreitar para a rua, os carros lá em baixo a fazer barulho ao atravessar a avenida e eu sem conseguir sequer aproximar-me, sem conseguir sequer imaginar-me naquele bocado de cimento que parece que a qualquer momento se vai soltar do oitavo – seria o oitavo – andar e vai acabar estatelado lá em baixo ao pé dos carros que cruzam a avenida. De maneira que fico cá dentro, não saio da sala banhada pelos acordes do rádio, o barulho do azeite a borbulhar na frigideira quente, o calor pegajoso, o jornal e os pés em cima da mesa de café. Não saio do sofá, não me aproximo da varanda, não quero saber do que se passa lá em baixo na rua, na avenida. Detesto varandas.

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