quinta-feira, 30 de setembro de 2021

A blackfriar walks into a whitechapel #8

O sentimento de nostalgia pré-regresso começou progressivamente a instalar-se. Não limitou os planos de última hora: no últimos sábado, fizemos de tudo quase um pouco, incluindo mercados, parque, fish and chips, jazz e sing along. No dia seguinte, o despertador tocou relativamente cedo. Arrumámos as últimas coisas e preparámos a casa para os nossos anfitriões, já ausentes de nossa casa, e prestes a embarcar para regressar a casa, a partir de Itália. 

Uma última olhadela para ver se não nos esquecemos de nada. E mais outra última olhadela, que às vezes as coisas são fugidias e gostam de se esconder onde não devem. Saco às costas, porta fechada, chaves na caixa do correio. Dali apanhámos um Uber (ou Freenow ou Bolt) até ao expresso para o aeroporto, com tempo suficiente para acautelar possíveis atrasos e complicações decorrentes dos requisitos adicionais associados a viajar com pandemias em curso.

Mala despachada, passagem pela segurança e o terminal abriu-se à nossa frente. No quadro do aeroporto de Stansted, à frente dos voos que ainda não têm porta de embarque atribuída, lê-se a palavra "relax".  

terça-feira, 28 de setembro de 2021

A blackfriar walks into a whitechapel #7

As ruas do Soho estavam repletas de mesas a ocupar o asfalto, onde gente descontraída conversava, enquanto bebia. Galgámos, em passo estugado, as centenas de metros de distância a que o Uber (ou Free Now ou Bolt) teve de nos deixar, devido a um trajecto temporariamente bloqueado. Já passava das 17h30 a que as portas abriam e os lugares não eram marcados, apenas a zona dos bilhetes era pré-definida. A hora não era a melhor, mas a segunda sessão da noite, assim como as datas de sábado, já só tinham zonas de visibilidade reduzida disponíveis. Foi assim que decidimos optar por esta solução de final de tarde de 6a feira, cientes de que seguramente iria envolver uma correria para conseguir despachar o trabalho e sair a tempo de navegar na hora de ponta. 

Pela segunda vez, dei por mim na fila para entrar no Ronnie Scott's. Desta vez para o espectáculo principal: da primeira vez, estive no espectáculo de menos destaque, que tem lugar no "upstairs". Dei o meu nome ao recepcionista e uma funcionária levou-nos às cabines disponíveis para sentar. Ficámos do lado direito do palco e aproveitámos para pedir jantar de imediato e evitar fazê-lo depois da música começar.  

O espectáculo em causa foi escolhido em função das datas em que estaríamos em Londres e não - sem qualquer desprimor, mais uma consequência de ignorância - porque conhecesse os artistas em causa. Enfim, em boa verdade, resultou de uma busca online dentre as várias alternativas existentes: a possibilidade de ver uma banda homenagem a Jimi Hendrix é sempre difícil de descartar. 

E depois há as características da banda, que só se tornam possíveis num local destes. Uma big band que, para além do guitarrista, líder da banda, de um teclista e da secção rítmica, tem três naipes de sopros, de quatro elementos cada: saxofones (barítono, tenor e alto), trompetes e trombone de varas. Ou seja, um total de 16 (sim, dezasseis) músicos em palco. Esta não é uma formação típica de bar de jazz, pelo menos aqueles que associamos a caves pequenas e escuras; em alguns, nem caberiam no palco. É necessário uma audiência grande e bem pagante, com jantar incluido, e duas sessões por noite, para que uma formação do género possa ser rentável.

Ou seja, dito de outra forma: entre bilhetes e jantar, gastámos uma pipa de massa. Mas valeu bem a pena. O concerto arrancou com o Ain't no telling (primeiro vídeo abaixo), que me pôs de imediato a cantar e, no final, a responder à pergunta "quem sabe o nome desta música?", o que mereceu um gesto de aprovação do saxofonista alto. Depois disso foi uma enxurrada de temas de Hendrix, com óptimos arranjos, que deram uso e exploraram os inúmeros recursos que uma formação destas permite.  Passado umas duas horas, regressámos à movimentadas ruas do Soho com uma barrigada que era mais de groove do que do jantar em si. 

(o segundo vídeo é de uma gravação de um espectáculo feito no início do ano, sem público, durante o confinamento)






 

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

A blackfriar walks into a whitechapel #6

Ao passar a porta do prédio para a rua, de manhã, o céu ainda estava encoberto. Corria um ventilo matinal, que justificava uma camisola fina. Algumas horas depois, quando saí das entranhas da terra, depois da visita aos Cabinet War Rooms, fui recebido por um céu azul e um calor abafado pouco condizentes com a latitude.

Caminhei por entre pessoas vestidas com equipamento de desporto e dorsais: aparentemente, tinha acabado uma qualquer prova de desporto. Perto de Westminster, apanhei um autocarro até ao Marble Arch, a poucos passos do Speaker's Corner do Hyde Park, onde fiquei a observar (à sombra e à distância, claro está) os oradores e a interacção acesa que mantiveram com alguns dos espectadores. 

No local onde tínhamos uma mesa reservada para um sunday roast, pedimos para ficar dentro em vez de na esplanada, à beira canal. De barriga cheia, seguimos para o Tate Modern, aproveitando para tirar fotos na Millennium Bridge. A visita ao museu durou pouco, chegámos perto da hora de encerramento. Dali, resolvemos caminhar ao longo da margem do Tamisa, até chegar à Torre Bridge, onde uma multidão aproveitava o fim do dia. 

terça-feira, 21 de setembro de 2021

A blackfriar walks into a whitechapel #5

Dois eventos marcantes da vida britânica durante a nossa estadia. 

A primeira, uma questão política: o anúncio - precedida de uns zunzuns, como costuma ser apanágio das notícias de relevo - de um aumento de impostos, destinado a financiar o famoso National Health Service, pressionado pela Covid. Uma das motivações para o financiamento adicional é o tratamento das pessoas que ficaram em lista de espera, resultantes da reordenação de emergência de recursos para o combate à pandemia, em detrimento de outras necessidades assistenciais. A reacção foi acesa, como com qualquer outro anúncio de aumento de impostos, ainda para mais porque emanou de um governo de direita.  

A segunda, no campo do desporto: o desempenho da jovem britânica Emma Raducanu no US Open. A cada ronda que passava, a imprensa jubilava. Vinda do qualifying, foi despachando todas as adversárias que lhe passaram pela frente, sem apelo nem agravo. Após os quartos de final, seria a primeira tenista nestas condições a chegar tão longe num US Open. Depois tornou-se a primeira chegar à final e depois tornou-se a primeira a ganhar. Como se tudo isto não fosse ainda suficiente, Raducanu resolveu ganhar um Slam sem perder sequer um set.

domingo, 19 de setembro de 2021

A blackfriar walks into a whitechapel #4

A Covid morreu. Poderia ser o lema, o mote dos britânicos, a fazer lembrar a célebre frase de Nietzsche. Ou pelo menos assim parece: há poucas pessoas a usar máscara em locais públicos, mesmo que fechados. Por exemplo, nos transportes públicos, nas lojas e supermercados, no cinema, nos espectáculos. Contrastamos de tal forma que, por vezes, sentimo-nos extra-terrestres de máscara posta. Apenas uma vez - para ver um concerto no Royal Albert Hall - nos foi exigido o certificado de vacinação.

É difícil conceber, tendo em conta o elevado número de casos diários de infeção e que os níveis de vacinação já não parecem assim tão impressionantes. Ainda para mais, a experiência de Israel - a candeia que alumia duas vezes ou canary in the coal mine - já havia exemplificado como 60-70% de pessoas totalmente vacinadas não impede o surgimento de surtos.  

No regresso a Lisboa - onde a percentagem de pessoas vacinadas é mais elevada e o número de infeções muito mais baixo -, dou por mim a andar na rua sem máscara e - uma vez mais, pelo contraste - a sentir a pressão social de a pôr.


sábado, 18 de setembro de 2021

A blackfriar walks into a whitechapel #3

É importante não tirar férias: trabalhar, mesmo que seja à distância, torna a experiência mais interessante. E, acaso seja possível usar este termo neste circunstância, até mesmo autêntica, na medida em que permite afastar, em certa medida, a percepção de turismo. E, dessa forma, contribui para gerar a ideia (ilusão?) de que somos residentes da cidade. É certo que programamos os fins de dia de semana e os fins-de-semana ao milímetro, para aproveitar todos os bocadinhos de tempo disponível, de uma forma que não faríamos se fossemos verdadeiramente locais - não seria necessária esta correria, esta ânsia. Nem a carteira aguentaria tamanho rombo, entre restaurantes, bilhetes de museus, espectáculos, concertos. O resultado final fica algures entre ser um local e um turista.  

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

A blackfriar walks into a whitechapel #2

De repente, no meio dos preparativos sou assolado por uma dúvida: será que posso entrar no Reino Unido apenas com o cartão de cidadão, agora que o país saiu oficialmente da União Europeia? A dúvida coloca-se porque o meu passaporte caducou algures no início do ano, quando o país (e grande parte do mundo) estava totalmente fechado e as infecções e mortes por Covid se sucediam a um ritmo assustador. Como não podia deixar de ser, os serviços para renovar documentos foram encerrados e a validade de alguns documentos oficiais foi excepcionalmente prolongada. Em Maio, consegui fazer uma marcação para renovar o passaporte, mas só para meados de Setembro, demasiado tarde para o pretendido. 

De imediato procurei no (entretanto relativamente familiar) site do governo britânico e, para meu (nosso) descanso, verifiquei que ainda era possível. Mas tangencialmente: a entrada com os cartões nacionais dos países do UE só é permitida até 30 de Setembro; a partir de 1 de Outubro, é necessário um passaporte válido, tal como para os países extra-comunitários, que o Reino Unido resolveu voltar a ser. No meio de alguns azares, nesta questão tivemos sorte.

A parte menos simpática -  - foi a fila do controlo fronteiriço no aeroporto de Stansted. Com o passaporte, poderíamos ter evitado a longa espera passando numa das máquina electrónicas. O problema já se colocava antes e justificava plenamente o recurso à utilização do passaporte electrónico muito antes de Brexit sequer pairar no horizonte: o Reino Unido não pertencia ao espaço Schengen e, portanto, havia sempre que passar no controlo fronteiriço. Ser sujeito a este processo, ainda para mais demorado, nesta altura, fez-me sentir a barreira com mais intensidade. 

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

A blackfriar walks into a whitechapel #1

A ideia parte de uma premissa simples: eles vivem em Londres e gostariam de vir passar uns dias em Lisboa: nós vivemos em Lisboa e gostaríamos de passar uns dias em Londres. Os quatro preferimos não pagar alojamento, se possível. Nem taxas de intermediários, de sites que funcionam como uma espécie de Tinder do imobiliário de curto-prazo.  

Parece que se designa "house swap", um termo que, até então, me era totalmente desconhecido. E não estava sozinho na ignorância: já depois de ter dito a alguns amigos que ia fazer uma troca de domicílio por umas semanas, um deles perguntou-me se sempre ia fazer o tal "swing". 

O resto é história. Enfim, uma história um pouco mais longa e com alguns contratempos. A primeira tentativa foi em Maio, com data prevista para Junho. Infelizmente, já com tudo combinado com a outra parelha, bilhetes comprados, testes à Covid comprados e muito investimento emocional, o governo britânico colocou Portugal na lista âmbar. Parece pouco significativo mudar de verde para uma espécie de amarelo mas esta alteração implicaria uma quarentena de 14 dias à chegada ao Reino Unido, mesmo que tivéssemos testes à Covid negativos. Escusado será de dizer que 14 dias obrigatoriamente em casa deitariam por terra o propósito da aventura. 

Enterrámos o assunto, chateados. O Freud diria que a experiência ficou recalcada e eu digo que gerou mau-humor e frustração. Sem antever um upgrade de Portugal que levasse o país novamente ao topo-de-gama da lista verde, não haveria outra possibilidade, disse eu, a certa altura, pesaroso e pouco esperançado. 

Até que houve: apesar do Euro-cepticismo o governo britânico passou (finalmente!) a aceitar o certificado de vacinação da União Europeia (aquela coisa da qual faziam parte até há coisa de uns dias). Em consequência, mesmo oriundos de um país colocado na lista âmbar, ser-nos-ia permitido entrar em terras de Sua Majestade sem obrigatoriedade de quarentena. 

Falámos novamente com a parelha. Exumámos a ideia, ajustando os dias para o final do verão. Marcámos o voo para o dia imediatamente a seguir aos 14 dias sobre a data de última vacina do meu certificado. E foi assim que aqui chegámos.