quinta-feira, 11 de junho de 2020

Do the right thing

Finalmente, passados estes anos todos, sentei-me a ver um dos mais aclamados filmes do Spike Lee. Estranhamente, o que mais gostei no filme foi o crescendo de irritação que ele consegue gerar. É possível que, em tempo de confinamento, esteja mais susceptível à irritação. Ainda assim, a constante tensão e fricção entre os personagens é desgastante. A certa altura era já eu próprio que queria saltar para o meio da película e (tentar) fazer com que se calassem. Conclusão: fui para a cama irritado. 

 Dito isto: ainda a meio, cheguei à conclusão de que não iria gostar. Não me enganei: confirmou-se e, quando cheguei ao fim, cheguei à conclusão de que não gostei. Não porque ache que o filme seja mau per se: não é. Ou que faça um mau retrato da realidade: acho que é um retrato fidedigno. E continua a ter uma actualidade arrepiante: vejam-se os recentes acontecimentos nos EUA. 

 O que não me agrada é a nítida intenção de dar uma lição, a carga de didatismo ou proselitismo, que instintivamente me repele. Neste particular, estou com o Ricardo Araújo Pereira, que, segundo o próprio, não faz humor para mudar o mundo, mas para fazer as pessoas rir (um objectivo totalmente inesperado). O Spike Lee tem uma posição diametralmente oposta: a arte serve para mudar o mundo. 

 Não que ache impossível ou errado que a arte faça mudar o mundo: pode ser uma consequência natural. O que irrita é que o ponto de partida seja exactamente esse: mudar o mundo. Parece uma quase presunção ou sobre-autoestima moral. Para senhora sabichona, de dedo em riste, com uma propensão inata para dar sermões aos outros, já me bastou a minha avó.

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