terça-feira, 12 de agosto de 2014

Política de casino

No final de 2010, a meio do seu primeiro mandato, Barack Obama teve uma derrota histórica nas eleições intercalares. Perdeu o controlo da Casa dos Representantes para o Partido Republicano por uma margem significativa. A derrota foi estrondosa, punha em causa as suas hipóteses de reeleição em 2012 e levou-o a dizer, no discurso pós-eleitoral, “I need to do a better job”.

Pouco depois de ter tido essa derrota, a CIA comunicou ao Presidente que tinha obtido um conjunto de indicações acerca do eventual paradeiro de Osama bin Laden, numa casa no Paquistão. A informação não era, no entanto, precisa, havia apenas alguns indícios que apontavam nesse sentido.

Durante meses os detalhes do local foram estudados minuciosamente assim como as possibilidades de ataque. Pese embora toda a preparação, a decisão de avançar com uma operação era bastante arriscada e delicada por essencialmente duas razões. Por um lado, não havia nenhuma certeza de que se tratava do esconderijo de bin Laden. Por outro lado, se fosse efectivamente o esconderijo, tal seguramente significaria que existia conivência do governo do Paquistão, até então tido como um aliado pelos EUA. Por esta razão, Obama resolveu não partilhar nenhuma da informação que tinha com o governo paquistanês. Desta forma, havia o risco de os militares americanos serem interceptados por militares paquistaneses no percurso de 190kms entre a fronteira do Afeganistão e o local do suposto esconderijo, e a subsequente crise diplomática que tal geraria.

Como se sabe, a operação foi bem-sucedida. Tratava-se de facto do líder da Al Qaeda e, a 1 de Maio de 2011, o Presidente dirigiu-se ao país, explicando que o terrorista tinha sido morto no decurso da invasão da habitação onde se encontrava. Para além da importância da vitória para a luta americana contra o terrorismo, ela teve um impacto fulcral para o Presidente Obama e catapultou-o para a vitória nas eleições para o segundo mandato. Aliás, pouco tempo depois do anúncio da morte do homem mais procurado do mundo, Barack Obama começou a sua campanha política para a Casa Branca, surfando a onda de boa opinião pública que estava a ter.

A questão que me parece mais interessante nesta história pode ser resumida no seguinte contra-factual: teria a decisão de Obama sido diferente acaso o resultado das eleições intercalares não tivesse sido tão mau e a sua reeleição não estivesse em risco? Por outras palavras, se tivesse, ao invés, bons índices de popularidade, teria ele dado luz verde a uma operação arriscada que poderia pôr em causa a sua imagem junto da opinião pública?

A decisão do líder dos Estados Unidos parece um típico caso de “double or nothing” ou do nosso “perdido por cem, perdido por mil”: quando, partindo de uma situação desfavorável e confrontados com uma decisão arriscada que possa anular ou reverter o resultado final sem, no entanto, alterar materialmente o resultado actual, temos tendência a assumir mais risco do que numa situação normal. Se a operação tivesse corrido mal – porque, p.e., não se tratava do esconderijo de bin Laden – a popularidade do Presidente americano provavelmente cairia ainda mais mas, na prática, muito provavelmente não alteraria em nada o resultado final das eleições. Ao invés, ao ter corrido bem, é um dos maiores cartões-de-visita do seu primeiro mandato aos olhos do eleitorado – mais até do que ter conseguido alargar drasticamente a cobertura médica dos americanos – e, por conseguinte, o acontecimento tido como mais relevante para o levar a conseguir a sua reeleição.


Comportamentos de tomada de risco elevado são relativamente comuns. Mais: como esta história mostra, podem ser perfeitamente racionais do ponto de vista individual. Tudo depende das circunstâncias em que as decisões são tomadas, como a própria sabedoria popular nos explica, basta voltar ao “perdido por cem, perdido por mil”. Infelizmente, nem sempre a melhor estratégia ao nível do interesse individual coincide com a do interesse colectivo.

2 comentários:

  1. Lembra-me o q se diz no mundo do poker "The one who bets the most wins."

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  2. Já o povão é meramente binomial e não quantifica: "quem não arrisca, não petisca"

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