sábado, 27 de novembro de 2010

Festarolas

«Uma parte essencial da saloiice indígena é a mania do prestígio. Ontem o DN falava da cimeira da NATO, notando com grande satisfação que ela nos trazia grande prestígio. E porquê? Porque Portugal recebia os "chefes" (e que "chefes") dos 28 Estados membros, mais duas dezenas de "representantes" de outros desgraçados países, desde o afegão Karzai ao russo Medvedev. Esta festarola já tornou Lisboa num inferno e provocou o governo a dar o presente do costume ao grosso do funcionalismo: a sempre abençoada e nunca verdadeiramente merecida "tolerância de ponto". Mas parece - dizem os peritos - que o mundo pasma com a nossa "capacidade" de organização, ainda por cima de um "evento" que "mudará o futuro próximo da humanidade". Para dona-de-casa não estamos mal.

A Expo-98 e o Europeu de Futebol de 2004, embora sem "mudar o futuro próximo da humanidade", o que foi uma pena, tinham a seu tempo mostrado essa nossa extraordinária vocação. E mesmo hoje Portugal continua ardorosamente à procura de um espectáculo qualquer que reforce e alargue a sua enorme fama de "receber bem", necessária como pão para a boca a um país que se preze. Consta, por exemplo, que vem aí o Mundial de Futebol e até, suponho que em homenagem à Comporta, a Ryder Cup (uma espécie de campeonato de golfe). Só falta agora o pingue-pongue e o ténis, que se escondeu, talvez por modéstia, no Estoril. A única coisa que espanta neste fulgurante currículo é que Portugal não use a sua "capacidade de organização" para se organizar a si próprio, uma coisa por que ninguém certamente o criticaria.

De resto, há por aí gente, como a sra. Merkel, que é muitíssimo capaz de preferir Portugal com uma dívida externa mais pequena, um défice razoável e uma economia em crescimento. Sabemos que essa gente é mesquinha e má. E que nada paga a íntima alegria de ver Obama e os seus duzentos guarda-costas nas ruas de Lisboa. O brilho de uma boa "cimeira" não substitui a mediocridade de uma vida honesta e de uma sociedade um pouco menos miserável e caótica. Os pobres - é uma velha verdade - gostam de se roçar (figurativamente) pelos ricos. Como a insignificância gosta de se roçar pela grandeza e discutir a sério o "futuro próximo da humanidade", em especial do Afeganistão em que o interesse de Portugal é óbvio. Mas, de quando em quando, convinha que o governo descesse à realidade de que teoricamente se devia ocupar.»

Vasco Pulido Valente

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