segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

domingo, 26 de dezembro de 2021

O casal vinha à minha frente, caminhava pelo passeio da Avenida da República.

Ela do lado esquerdo, ele do lado direito. Quando me aproximei, em passo de corrida, para os ultrapassar, reparei no tubo de borracha, meio azulada, entre os dois, separados por cerca de metro, metro e meio. Ao passar ao lado dela, um relance confirmou a minha suspeita: era o tubo de uma algália, o saco estava dentro da mala que ela levava ao ombro. O contraste: por um lado, o saco escondido dentro de uma mala, para que não se visse o conteúdo; por outro lado, a despreocupação com o tubo exposto.  

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

A reciclagem de vidro é uma actividade que gera um elevado trauma.

Acho sempre que os meus vizinhos vão pensar que tenho um problema com alcool quando oiço o barulho estridente das garrafas a cair no interior do vidrão do prédio.  

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Dirijo-me ao segurança, como todos as manhãs, à entrada.

Está a atender uma pessoa à minha frente e demora algum tempo. Quando finalmente chega à minha vez, começa por apontar o aparelho ao pulso direito, que lhe estendo de imediato, ainda antes de dizer "bom dia". Que a leitura não saia à primeira, é já algo a que estou habituado, por isso não estranho que vá percorrendo diversas zonas do pulso, enquando carrega no botão. Nem sequer é incomum que, após meia dúzia de tentativas frustradas, me peça para medir a temperatura na testa. Acedo ao pedido e, com alguma vergonha, afasto desajeitadamente a minha franja Justin Bieberesca da testa. 

O processo transforma-se oficialmente num problema quando nem literalmente de arma apontada à cabeça o meu corpo resolve fornecer uma temperatura. Aos poucos, a atrapalhação do segurança cresce e ultrapassa a minha. Em desespero de causa, pede-me para medir no pulso esquerdo, pode ser que resulte aí: está-se mesmo a ver que não resultar e, de facto, não resulta.

Com isto, formou-se uma longa fila atrás de mim, que se prolonga até à porta. Pede-me para esperar um pouco enquanto testa a máquina nas restantes pessoas que, uma a seguir à outra, são rapidamente processadas, sem nenhum problema. Observo, desconsolado, a facilidade com a que máquina lê outros pulsos e testas, crescentemente convencido de que o problema sou eu. Após ter varrido toda a fila e as pessoas terem ido à sua vida, volta a mim. Tenta novamente e, novamente, não tem sucesso. 

Estamos numa encruzilhada: a ausência de uma temperatura que permita tomar uma decisão sobre a minha entrada é um vazio legal não previsto no protocolo. Não faz ideia como agir nestes casos. Pega no telefone e liga a quem de direito para saber o que fazer. A instrução é para me deixar entrar: segundo o informam, devo estar "demasiado frio" para que o aparelho possa fazer o seu trabalho em condições. Entro a matutar na frieza deste comentário.  

terça-feira, 9 de novembro de 2021

It's all in the reflexes

O impacto da digitalização e robotização no mercado laboral não é uma discussão recente. O espectro de profissões que podem vir a ser afectadas é bastante alargado mas há algumas, tais como os condutores de camiões, que são consideradas quase como casos paradigmáticos. Os progressos no desenvolvimento de tecnologias de condução automática passaram a ser uma espécie de espada de Dâmocles que paira sobre a cabeça dos profissionais do sector. 

Por isso é que os mais recentes relatos de escassez de condutores de camiões têm alguma piada. Primeiro foi no Reino Unido, relacionado com as dificuldades de obtenção de visto de mão-de-obra estrangeira. Mais recentemente, nos EUA, onde muitos trabalhadores do sector (assim como de outros, tais como a resturação e hotelaria) decidiram abandonar os empregos duros, fisicamente exigentes, que em alguns casos causam disrupção na vida pessoal e familiar e, ainda para mais, não fantasticamente bem pagos. 

The biggest kink in America's supply chain: not enough truckers


segunda-feira, 8 de novembro de 2021

In loco

Dar conselhos sobre saúde mental nas redes sociais é como alertar para as alterações climáticas numa central termoeléctrica. 

domingo, 7 de novembro de 2021

Tell me why

«Que importância tem que eu acredite ou não? Escolhi este caminho, sinto-me útil! Que interesse tem saber se faço isso com sinceridade ou não? Faço alguma coisa, estou ao serviço de uma...[causa]»

Cevdet Bei e os seus filhos, Orhan Pamuk

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Não me lembro da última vez que me pediram fotos de tipo passe.

Os modernos cartões de identificação dispensam-nas e, fora uma ou outra vez que me sentei num fotomaton a fazer caretas para o aparelho, não me ocorre mais nenhuma utilidade para as mesmas. 

Acontece que, recentemente, necessitei desse tipo de fotografias. E, pasme-se, para um documento oficial. Acto contínuo googlei onde as poderia fazer e descobri que as lojas da Fotosport ainda prestam o serviço. Sentando num banco alto, costas direitas a pedido da funcionária, olhei, de sorriso amarelo, para a máquina fotográfica à minha frente, qual índio que sente a alma a ser capturada pelo obturador. 

O resultado, cerca de 10 minutos depois, foi um envelope com um conjunto de fotos da dimensão pretendida, assim como uma maior, aparentemente oferta.  

Em miúdo, sempre que fazia fotos de tipo passe, a minha avó pedia-me uma da colecção para guardar. Eu fazia sempre o figurão de lhe dar esta foto maior, não necessária para o propósito que me levava ao fotógrafo, mas de grande utilidade para a questão familiar.  


terça-feira, 19 de outubro de 2021

Francamente

Cada um é como cada qual, mas parece-me que expressões como "é o que é" valem o que valem. E essa é que é essa.

terça-feira, 5 de outubro de 2021

A leste

A certa altura, o comentador disse "o importante é que a equipa do Porto não perca o norte". Por um momento, julguei ter ouvido um "n" maiúsculo na última palavra. 

quinta-feira, 30 de setembro de 2021

A blackfriar walks into a whitechapel #8

O sentimento de nostalgia pré-regresso começou progressivamente a instalar-se. Não limitou os planos de última hora: no últimos sábado, fizemos de tudo quase um pouco, incluindo mercados, parque, fish and chips, jazz e sing along. No dia seguinte, o despertador tocou relativamente cedo. Arrumámos as últimas coisas e preparámos a casa para os nossos anfitriões, já ausentes de nossa casa, e prestes a embarcar para regressar a casa, a partir de Itália. 

Uma última olhadela para ver se não nos esquecemos de nada. E mais outra última olhadela, que às vezes as coisas são fugidias e gostam de se esconder onde não devem. Saco às costas, porta fechada, chaves na caixa do correio. Dali apanhámos um Uber (ou Freenow ou Bolt) até ao expresso para o aeroporto, com tempo suficiente para acautelar possíveis atrasos e complicações decorrentes dos requisitos adicionais associados a viajar com pandemias em curso.

Mala despachada, passagem pela segurança e o terminal abriu-se à nossa frente. No quadro do aeroporto de Stansted, à frente dos voos que ainda não têm porta de embarque atribuída, lê-se a palavra "relax".  

terça-feira, 28 de setembro de 2021

A blackfriar walks into a whitechapel #7

As ruas do Soho estavam repletas de mesas a ocupar o asfalto, onde gente descontraída conversava, enquanto bebia. Galgámos, em passo estugado, as centenas de metros de distância a que o Uber (ou Free Now ou Bolt) teve de nos deixar, devido a um trajecto temporariamente bloqueado. Já passava das 17h30 a que as portas abriam e os lugares não eram marcados, apenas a zona dos bilhetes era pré-definida. A hora não era a melhor, mas a segunda sessão da noite, assim como as datas de sábado, já só tinham zonas de visibilidade reduzida disponíveis. Foi assim que decidimos optar por esta solução de final de tarde de 6a feira, cientes de que seguramente iria envolver uma correria para conseguir despachar o trabalho e sair a tempo de navegar na hora de ponta. 

Pela segunda vez, dei por mim na fila para entrar no Ronnie Scott's. Desta vez para o espectáculo principal: da primeira vez, estive no espectáculo de menos destaque, que tem lugar no "upstairs". Dei o meu nome ao recepcionista e uma funcionária levou-nos às cabines disponíveis para sentar. Ficámos do lado direito do palco e aproveitámos para pedir jantar de imediato e evitar fazê-lo depois da música começar.  

O espectáculo em causa foi escolhido em função das datas em que estaríamos em Londres e não - sem qualquer desprimor, mais uma consequência de ignorância - porque conhecesse os artistas em causa. Enfim, em boa verdade, resultou de uma busca online dentre as várias alternativas existentes: a possibilidade de ver uma banda homenagem a Jimi Hendrix é sempre difícil de descartar. 

E depois há as características da banda, que só se tornam possíveis num local destes. Uma big band que, para além do guitarrista, líder da banda, de um teclista e da secção rítmica, tem três naipes de sopros, de quatro elementos cada: saxofones (barítono, tenor e alto), trompetes e trombone de varas. Ou seja, um total de 16 (sim, dezasseis) músicos em palco. Esta não é uma formação típica de bar de jazz, pelo menos aqueles que associamos a caves pequenas e escuras; em alguns, nem caberiam no palco. É necessário uma audiência grande e bem pagante, com jantar incluido, e duas sessões por noite, para que uma formação do género possa ser rentável.

Ou seja, dito de outra forma: entre bilhetes e jantar, gastámos uma pipa de massa. Mas valeu bem a pena. O concerto arrancou com o Ain't no telling (primeiro vídeo abaixo), que me pôs de imediato a cantar e, no final, a responder à pergunta "quem sabe o nome desta música?", o que mereceu um gesto de aprovação do saxofonista alto. Depois disso foi uma enxurrada de temas de Hendrix, com óptimos arranjos, que deram uso e exploraram os inúmeros recursos que uma formação destas permite.  Passado umas duas horas, regressámos à movimentadas ruas do Soho com uma barrigada que era mais de groove do que do jantar em si. 

(o segundo vídeo é de uma gravação de um espectáculo feito no início do ano, sem público, durante o confinamento)






 

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

A blackfriar walks into a whitechapel #6

Ao passar a porta do prédio para a rua, de manhã, o céu ainda estava encoberto. Corria um ventilo matinal, que justificava uma camisola fina. Algumas horas depois, quando saí das entranhas da terra, depois da visita aos Cabinet War Rooms, fui recebido por um céu azul e um calor abafado pouco condizentes com a latitude.

Caminhei por entre pessoas vestidas com equipamento de desporto e dorsais: aparentemente, tinha acabado uma qualquer prova de desporto. Perto de Westminster, apanhei um autocarro até ao Marble Arch, a poucos passos do Speaker's Corner do Hyde Park, onde fiquei a observar (à sombra e à distância, claro está) os oradores e a interacção acesa que mantiveram com alguns dos espectadores. 

No local onde tínhamos uma mesa reservada para um sunday roast, pedimos para ficar dentro em vez de na esplanada, à beira canal. De barriga cheia, seguimos para o Tate Modern, aproveitando para tirar fotos na Millennium Bridge. A visita ao museu durou pouco, chegámos perto da hora de encerramento. Dali, resolvemos caminhar ao longo da margem do Tamisa, até chegar à Torre Bridge, onde uma multidão aproveitava o fim do dia. 

terça-feira, 21 de setembro de 2021

A blackfriar walks into a whitechapel #5

Dois eventos marcantes da vida britânica durante a nossa estadia. 

A primeira, uma questão política: o anúncio - precedida de uns zunzuns, como costuma ser apanágio das notícias de relevo - de um aumento de impostos, destinado a financiar o famoso National Health Service, pressionado pela Covid. Uma das motivações para o financiamento adicional é o tratamento das pessoas que ficaram em lista de espera, resultantes da reordenação de emergência de recursos para o combate à pandemia, em detrimento de outras necessidades assistenciais. A reacção foi acesa, como com qualquer outro anúncio de aumento de impostos, ainda para mais porque emanou de um governo de direita.  

A segunda, no campo do desporto: o desempenho da jovem britânica Emma Raducanu no US Open. A cada ronda que passava, a imprensa jubilava. Vinda do qualifying, foi despachando todas as adversárias que lhe passaram pela frente, sem apelo nem agravo. Após os quartos de final, seria a primeira tenista nestas condições a chegar tão longe num US Open. Depois tornou-se a primeira chegar à final e depois tornou-se a primeira a ganhar. Como se tudo isto não fosse ainda suficiente, Raducanu resolveu ganhar um Slam sem perder sequer um set.

domingo, 19 de setembro de 2021

A blackfriar walks into a whitechapel #4

A Covid morreu. Poderia ser o lema, o mote dos britânicos, a fazer lembrar a célebre frase de Nietzsche. Ou pelo menos assim parece: há poucas pessoas a usar máscara em locais públicos, mesmo que fechados. Por exemplo, nos transportes públicos, nas lojas e supermercados, no cinema, nos espectáculos. Contrastamos de tal forma que, por vezes, sentimo-nos extra-terrestres de máscara posta. Apenas uma vez - para ver um concerto no Royal Albert Hall - nos foi exigido o certificado de vacinação.

É difícil conceber, tendo em conta o elevado número de casos diários de infeção e que os níveis de vacinação já não parecem assim tão impressionantes. Ainda para mais, a experiência de Israel - a candeia que alumia duas vezes ou canary in the coal mine - já havia exemplificado como 60-70% de pessoas totalmente vacinadas não impede o surgimento de surtos.  

No regresso a Lisboa - onde a percentagem de pessoas vacinadas é mais elevada e o número de infeções muito mais baixo -, dou por mim a andar na rua sem máscara e - uma vez mais, pelo contraste - a sentir a pressão social de a pôr.


sábado, 18 de setembro de 2021

A blackfriar walks into a whitechapel #3

É importante não tirar férias: trabalhar, mesmo que seja à distância, torna a experiência mais interessante. E, acaso seja possível usar este termo neste circunstância, até mesmo autêntica, na medida em que permite afastar, em certa medida, a percepção de turismo. E, dessa forma, contribui para gerar a ideia (ilusão?) de que somos residentes da cidade. É certo que programamos os fins de dia de semana e os fins-de-semana ao milímetro, para aproveitar todos os bocadinhos de tempo disponível, de uma forma que não faríamos se fossemos verdadeiramente locais - não seria necessária esta correria, esta ânsia. Nem a carteira aguentaria tamanho rombo, entre restaurantes, bilhetes de museus, espectáculos, concertos. O resultado final fica algures entre ser um local e um turista.  

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

A blackfriar walks into a whitechapel #2

De repente, no meio dos preparativos sou assolado por uma dúvida: será que posso entrar no Reino Unido apenas com o cartão de cidadão, agora que o país saiu oficialmente da União Europeia? A dúvida coloca-se porque o meu passaporte caducou algures no início do ano, quando o país (e grande parte do mundo) estava totalmente fechado e as infecções e mortes por Covid se sucediam a um ritmo assustador. Como não podia deixar de ser, os serviços para renovar documentos foram encerrados e a validade de alguns documentos oficiais foi excepcionalmente prolongada. Em Maio, consegui fazer uma marcação para renovar o passaporte, mas só para meados de Setembro, demasiado tarde para o pretendido. 

De imediato procurei no (entretanto relativamente familiar) site do governo britânico e, para meu (nosso) descanso, verifiquei que ainda era possível. Mas tangencialmente: a entrada com os cartões nacionais dos países do UE só é permitida até 30 de Setembro; a partir de 1 de Outubro, é necessário um passaporte válido, tal como para os países extra-comunitários, que o Reino Unido resolveu voltar a ser. No meio de alguns azares, nesta questão tivemos sorte.

A parte menos simpática -  - foi a fila do controlo fronteiriço no aeroporto de Stansted. Com o passaporte, poderíamos ter evitado a longa espera passando numa das máquina electrónicas. O problema já se colocava antes e justificava plenamente o recurso à utilização do passaporte electrónico muito antes de Brexit sequer pairar no horizonte: o Reino Unido não pertencia ao espaço Schengen e, portanto, havia sempre que passar no controlo fronteiriço. Ser sujeito a este processo, ainda para mais demorado, nesta altura, fez-me sentir a barreira com mais intensidade. 

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

A blackfriar walks into a whitechapel #1

A ideia parte de uma premissa simples: eles vivem em Londres e gostariam de vir passar uns dias em Lisboa: nós vivemos em Lisboa e gostaríamos de passar uns dias em Londres. Os quatro preferimos não pagar alojamento, se possível. Nem taxas de intermediários, de sites que funcionam como uma espécie de Tinder do imobiliário de curto-prazo.  

Parece que se designa "house swap", um termo que, até então, me era totalmente desconhecido. E não estava sozinho na ignorância: já depois de ter dito a alguns amigos que ia fazer uma troca de domicílio por umas semanas, um deles perguntou-me se sempre ia fazer o tal "swing". 

O resto é história. Enfim, uma história um pouco mais longa e com alguns contratempos. A primeira tentativa foi em Maio, com data prevista para Junho. Infelizmente, já com tudo combinado com a outra parelha, bilhetes comprados, testes à Covid comprados e muito investimento emocional, o governo britânico colocou Portugal na lista âmbar. Parece pouco significativo mudar de verde para uma espécie de amarelo mas esta alteração implicaria uma quarentena de 14 dias à chegada ao Reino Unido, mesmo que tivéssemos testes à Covid negativos. Escusado será de dizer que 14 dias obrigatoriamente em casa deitariam por terra o propósito da aventura. 

Enterrámos o assunto, chateados. O Freud diria que a experiência ficou recalcada e eu digo que gerou mau-humor e frustração. Sem antever um upgrade de Portugal que levasse o país novamente ao topo-de-gama da lista verde, não haveria outra possibilidade, disse eu, a certa altura, pesaroso e pouco esperançado. 

Até que houve: apesar do Euro-cepticismo o governo britânico passou (finalmente!) a aceitar o certificado de vacinação da União Europeia (aquela coisa da qual faziam parte até há coisa de uns dias). Em consequência, mesmo oriundos de um país colocado na lista âmbar, ser-nos-ia permitido entrar em terras de Sua Majestade sem obrigatoriedade de quarentena. 

Falámos novamente com a parelha. Exumámos a ideia, ajustando os dias para o final do verão. Marcámos o voo para o dia imediatamente a seguir aos 14 dias sobre a data de última vacina do meu certificado. E foi assim que aqui chegámos.  

segunda-feira, 23 de agosto de 2021

No brainer

«For a long time I didn't understand why so many black people had abandoned their indigenous faith for Christianity. But the more we went to church and the longer I sat in those pews the more I learned about how Christianity works: If you're Native American and you pray to the wolves, you' re a savage. If you're Afrian and you pray to your ancestors, you're primitive. But when white people pray to a guy who turns water into wine, well, that's just common sense.»

Born a crime, Trevor Noah

sábado, 21 de agosto de 2021

Branco o é

O projecto artístico tinha tanto de simples como de questionável: pintar paredes e muros de branco. Talvez numa alusão à pureza e simplicidade. Arrancou em Lisboa, com alguma pompa e circunstância. Seguiu, pouco depois, para Madrid, com a perspetiva de continuar em direcção a Paris e ir essa Europa fora. O progresso foi bruscamente interrompido quando o prenderam por branqueamento de capitais.   

segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Outsourcing

 «The problem of outsourcing morality is that it exacerbates the original problem of the absence of internal inhibitions or constraints. Everyone either will try to walk the fine line between legality and illegality (doing things that are unethical but technically legal) or will break the law while trying not to be caught. Breaking the law is not unique to today's commercialized societies. But what is unique is for people to claim that they have done everything in the most ethical manner possible if they have remained just barely on the right side of the law, or, if they have strayed into illegality, that is the business of others to catch them and prove they have broken the law. Internal check, stemming from one's own belief in what is moral and what is not, seem to play no role whatsoever. 

This is perhaps most obvious in commercialized sports, where the old-fashioned notions of fair play, which internalised acceptable conduct, have all but disappeared and have been replaced by behavior that, in some cases openly breaks the rules. Such behavior is fully accepted and even encouraged, since people believe that it is up to the referees alone to enforce the rules. Take the 2009 example of the famous soccer goal marked by hand by Thierry Henry, which allowed the French national team to qualify for the World Cup and sent the Irish team home. No one, from Henry to the last French supporter, denies that the goal was scored by hand, that it was illegal, and that is should not have been allowed to stand. But they would not draw the obvious consequences. In everyone's opinion the matter was not to be decided by Henry (say, by his telling the referee that the goal was illegal) or by his teammates (doing the same thing), but solely by the referee. Once the referee, not having seen how the goal was scored, has accepted it, the goal is as legal as can be, and there is no shame in celebrating it. Or even bragging about it.»

Capitalism, Alone, Branko Milanovic

domingo, 15 de agosto de 2021

Distância

«Global inequality of opportunity is not generally considered a problem at all, much less a problem in need of a solution. Within nation-states, many people regard the intergenerational transmission of family-acquired wealth as rather objectionable; but among nations, the intergenerational transmission of collectively acquired wealth is not considered an object of concern. This is interesting because individuals' links to their family are closer than their links to an entire community, and one might thing that the transmission of family wealth across generations could be viewed as less objectionable than the transmission of societal wealth across generations of unrelated individuals. The reason that it is not seems to lie in one crucial difference, namely that in the first case, where the intergenerational transmission of wealth tase place within the same community, individuals can easily compare their positions with each other, and they resent injustice; in the other case, inequality is international, and individuals cannot easily compare themselves or perhaps they do not care to do so (or, at least, the rich do not). Distance, as Aristotle noted, often makes people indifferent to the lot of others, perhaps because they do not see them as peers with whom they compare their income or wealth.» 

Capitalism, Alone, Branko Milanovic

sábado, 14 de agosto de 2021

Os pais sentam a criança à mesa com um tablet à frente.

Durante todo o jantar, o aparelho passa desenhos-animados. Mas com uma particularidade: com o volume alto. Bem alto. A técnica usada para manter a criança sossegada e em silêncio o ruído do aparelho na etiqueta do preço. Como se estabelecesse um trade off, que permite trocar o ruído da criança barulhenta pelo do tablet.

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Ilha Graciosa II

Subimos uns degraus que levam ao topo de uma espécie de fortaleza que ladeia e protege a praia. Percorremos aquele pequeno trilho elevado na expectativa de encontrar um novo conjunto de degraus que nos permita descer para a areia. Resignados, descemos mais à frente, após o areal, para o lado oposto onde está a estrada. Só então nos apercebemos que a entrada é feita por um arco na mesma estrutura, no topo da qual caminhámos antes. Como se a praia tivesse uma porta que a guardasse de visitantes indesejados. 

Pares de espreguiçadeiras com um guarda-sol de palha no meio preenchem uma parte da areia escura. Há algumas livres e decidimos usar um par. Resolvo ir perguntar à rapariga que trabalha no café que fica à direita da entrada quanto é o aluguer das ditas espreguiçadeiras. Recebo uma resposta, repleta de sotaque, que deita por terra a minha pré-concepção do urbana do mundo

Ó senhor não custa nada, as espreguiçadeiras são públicas. 


É verdade, ainda há disto.

terça-feira, 10 de agosto de 2021

Ilha Graciosa

Uns dias antes da chegada, perguntamos ao senhor que nos aluga o carro como fazer o levantamento, que tínhamos pedido para o aeroporto. Diz-nos que um Toyota Corolla, cinza prata, a gasolina, com a matrícula assim-assado, estará à nossa espera nas últimas filas do parque de estacionamento, perto das árvores, com a chave no cinzeiro. É precisamente aí que o volto a deixar, passados dois dias, antes de ir para o voo de regresso à Terceira: praticamente no mesmo lugar de estacionamento (só não é no mesmo porque estava ocupado) e com a chave no cinzeiro.

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

São Jorge ou fajã-hopping

Os deuses da meteorologia estão contra nós. A chuva e o nevoeiro denso teimam em não desaparecer e, com base nos conselhos dos entendidos, rapidamente percebemos que não vai ser possível fazer o trilho que liga a Serra do Topo à Fajã dos Cubres, passando pela Fajã da Caldeira de Santo Cristo, um dos ex-libris da ilha. Para além de perdermos a vista que motiva a caminhada, o chão fica enlameado e convidativo a escorregadelas.  

Desapontados, rumamos ainda assim à Fajã dos Cubres, onde tipicamente os caminheiros estacionam os carros, que ali fica à espera até que terminem o trajecto, e arranjam boleia que os leve até ao início. Como a esmagadora maioria das estradas que levam às fajãs, esta é também sinuosa e apertada. Faço figas e rezo a todos os santinhos para não me cruzar com outro veículo. O nevoeiro denso dissipa-se, aos poucos, à medida que vamos descendo. Pelo caminho, abrandamos perto de um senhor que vem no sentido ascendente e nos sossega: lá em baixo o tempo está aberto. 

 

À chegada ao pequeno parque de estacionamento, perto da igreja, ocorre-me que há forma de minimizar o estrago: pode ser que consigamos fazer apenas a parte do trajecto que liga as duas fajãs e voltar, mantendo-nos sempre ao nível do mar. A senhora do quiosque onde compramos umas garrafas de água confirma que é perfeitamente possível e demora uns 45 minutos.

 

Fazemo-nos ao caminho. São cerca de 4.5 kms, feitos com algumas subidas e descidas entre as fajãs, muito humidade e calor. A paisagem compensa largamente o esforço e a T-shirt empapada, que exibimos com algum orgulho aos desistentes que se socorrem do serviço de tipos de moto 4.  

 

No regresso, sentamo-nos na esplanada de outra roulotte e completamos o ritual: pedimos uma dose das grandes, vistosas e caras ameijoas da Fajã da Caldeira de Santo Cristo, o único sítio da ilha onde estes lindos espécimes são cultivados. Acompanhadas de pão para o molho, uns camarões fritos e duas minis fresquinhas, é a recompensa pelos 10kms de caminhada. Isso e um duche à chegada ao alojamento.  

sábado, 7 de agosto de 2021

Casa de biológo

Em entrevista ao Expresso, um dos fundadores da biofarmacêutica Moderna - entretanto afastado da gestão da mesma há anos - afirma que recebeu a vacina da Pfizer. Apenas por uma questão de conveniência, porque uma entidade com a qual colaborou o contactou para ser vacinado e, à chegada, era essa a vacina disponível. Ainda assim, uma afirmação interessante - e respeitável, pela candura - para alguém que ainda tem uma posição accionista na Moderna.

quinta-feira, 22 de julho de 2021

Desde miúdo que fico em polvorosa com viagens.

Faço contagens decrescentes até ao dia da partida. Na véspera durmo mal, muito mal, tal não é a excitação. Desta vez é diferente o que sinto: não é tanto excitação, é mais ansiedade. Ou seja, tem um cariz mais negativo do que positivo. E acho que nunca estive assim ansioso porque é a primeira vez que a realização de uma viagem está dependente do resultado de um teste PCR. Eu não acho que o resultado do teste venha a ser positivo: porque estou de saúde, porque não tive contactos de risco, porque me protejo. Mas mas não vou conseguir descansar enquanto não receber uma mensagem com a palavra "negativo" lá pelo meio. E nem sequer pude ir a correr tratar do assunto para acabar com a minha miséria mais cedo, porque o dito teste tem que ser, no máximo, uns dias antes de partir. Talvez lá para o início da tarde de amanhã - altura em que espero já ter recebido o tão aguardado resultado - possa transformar a ansiedade na mais simpática excitação. E, a partir de um resultado negativo, passe para uma emoção positiva. 

domingo, 4 de julho de 2021

Donde é difícil dizer qual o saldo líquido.

Costuma dizer-se que, com a idade, aprendemos a preocupar-nos apenas com aquilo que interessa. E, em certa medida, é verdade. Aprende-se a relativizar: determinadas coisas que poderiam parecer bichos de sete cabeças em décadas idas são agora meros pormenores, relegados à insignificância. Mas também se aprende a identificar chatices e reconhecer perigos onde dantes, em idade mais tenra, não se vislumbrava nada. A despreocupação da ignorância é substituída pela preocupação de quem está mesmo a ver o filme. 

sexta-feira, 2 de julho de 2021

Pessoas de armas

Gendarme é daquelas palavras que têm uma lógica auto-explicativa bastante vincada. Lembro-me quando, em miúdo, me explicaram o que me deveria ser óbvio mas não era. A palavra foi-me pronunciada devagar, separando o "gens" de "d'armes", de forma quase teatral. A associação destas pessoas com armas a uma força policial, por seu turno, foi imediata. 

O modelo de força militar com responsabilidades policiais e de assegurar o cumprimento da lei foi exportado para vários países, incluindo para a portuguesa Guarda Nacional Republicana. Nem todos conservaram a piada da palavra (uma vez mais, como a GNR); já os italianos desenrascaram-se lindamente com os carabinieri. 

Ocorreu-me que, pela força da razão do significado da palavra, a solução francesa não funcionaria em todo o lado: por exemplo, nos EUA falar em pessoas com armas não permite distinguir forças policiais de qualquer outro cidadão. 

quinta-feira, 1 de julho de 2021

Porsches e cozinhas

Não, até porque o foco está muito na pequena fraude com os fundos, estão a recuperar-se as histórias que ocorreram nos anos de 1980, 1990, do empresário que recebeu o dinheiro dos fundos europeus e que em vez de o investir foi comprar um Porsche. Essas fraudes, neste momento, estão muito mais controladas, diria que já não se fazem, mas que permitem ao discurso político vir dizer: ‘Como viram, isto correu tudo bem porque já ninguém comprou Porsches ou renovou a cozinha’. E é verdade que está tudo mais informatizado e é mais difícil fazer uma fraude desse género neste momento. Mas com o foco neste tipo de fraudes, esquece-se todo o resto, que é o que acontece a montante, e isto de duas formas: a primeira, é com a escolha dos projetos que são financiados, há vários tipos de financiamentos europeus, diversas formas de fazer o financiamento, que podem ir, por exemplo, para aquelas linhas de financiamento das empresas, e quando se fala de fraude, e é aí que devemos ter agora alguma da atenção. Mas há outras coisas. As grandes obras públicas têm sido financiadas por fundos europeus, e aí a questão não é tanto quem é que ficou com o dinheiro. Imagine-se que se volta a fazer um TGV, a escolha do TGV ou a opção por fazer um novo aeroporto, temos que pode ser desnecessária a obra em si, ou desnecessário o tamanho da obra, mas que se decide fazer porque se sabe que isso vai favorecer determinados grupos económicos, ou até a localização das obras. Fazendo-se uma grande obra no município x em vez de se fazer no município y, porque o município x é governado pelo partido do poder ou porque é necessário, também por razões políticas, que ali haja um determinado benefício.

segunda-feira, 28 de junho de 2021

Fome

«The assiduous food-habit of a lifetime had trained the English body to the pitch of producing a punctual nervous excitation in the upper belly at the fixed hour of each meal: and we sometimes gave the honoured name of hunger to this sign that our gut had cubic space for more stuff. Arab hunger was the cry of a long-empty labouring body fainting with weakness. They lived on a fraction of our bulk-food and their systems made exhaustive use of what they got.»

Seven pillars of wisdom, T. E. Lawrence

quarta-feira, 9 de junho de 2021

Chips

Quando oiço falar em semi-condutores, penso em pessoas que só fizeram metade das aulas de condução. Isso ou anões a conduzir carros. 

terça-feira, 8 de junho de 2021

A anatomia da procrastinação

De magro que era, tinha dificuldade em procrastinar: não tinha barriga para poder empurrar as tarefas. 

quarta-feira, 2 de junho de 2021

Parque de estacionamento

Pouca gente consideraria interessante a hipótese de ir a um restaurante ou beber um copo com vista para um parque de estacionamento. No entanto, é perfeitamente fazerem-no num parque de estacionamento de barcos, vulgarmente conhecido como marina.

terça-feira, 1 de junho de 2021

Bot

Há quase 10 anos, no filme Her, um Joaquin Phoenix contemplativo apaixona-se por uma Scarlett Johansson assistente virtual de computador. Com este enredo, o realizador Spike Jonze testou-nos ao confrontar-nos com o nascimento e desenvolvimento de uma relação que, por gritantemente heterodoxa que seja, acaba por ter traços verdadeiramente humanos em terreno onde não parecia ser possível vê-los nascer. 

Hoje leio esta notícia sobre o recurso a bots para sessões terapêuticas. 

segunda-feira, 31 de maio de 2021

A pergunta

Vivia mesmo ao pé da paragem de autocarro onde eu costuma esperar pelo 413 ou 423 para ir para a escola. Magro, alto, cabelo loiro. Conhecia-o de vista e até sabia o seu nome e calculo que também me conhecesse a mim. Não só porque morávamos perto mas também porque andávamos na mesma escola, temos sensivelmente a mesma idade. E, no entanto, nunca tínhamos falado um com o outro. 

Naquele dia, esperava o tal 413 ou 423 como em tantos outros, sozinho na paragem. Apareceu e meteu conversa comigo, não me lembro exactamente a que propósito. Mas lembro-me que, a certa altura, me perguntou se podia ser meu amigo, uma pergunta que parece algo inusitada, como se a amizade pudesse ser decretada com base num pedido e numa anuência (ao contrário do namoro: esse sim, pode ser solicitado). Respondi-lhe que sim, embora nunca tivéssemos verdadeiramente ficado amigos - lá está, é uma relação que precisa de um crescimento orgânico, não pode ser determinada por uma resposta afirmativa a uma simples pergunta. E a verdade é que não tínhamos grande contacto para que pudesse verdadeiramente existir.  

A excepção são as amizades virtualmente solicitadas dos dias de hoje. Aquelas que nascem de um click num botão, que desencadeia uma notificação ao solicitado.  

terça-feira, 25 de maio de 2021

segunda-feira, 24 de maio de 2021

Irrealismo prodigioso

«Se a História, no sentido restrito do «conhecimento do historiável», é o horizonte próprio onde melhor se apercebe o que é ou não é a realidade nacional, a mais sumária autópsia da nossa historiografia revela o irrealismo prodigioso da imagem que os Portugueses se fazem de si mesmos.»

O labirinto da saudade, Eduardo Lourenço

segunda-feira, 26 de abril de 2021

A quanto obrigas

Palácio das Necessidades parece uma designação eufemística para casa-de-banho. 

sexta-feira, 23 de abril de 2021

terça-feira, 13 de abril de 2021

segunda-feira, 12 de abril de 2021

Direito

«O direito não é aquilo que eu desejo muito ou que sinto fortemente que me é devido. O direito é aquilo que os outros reconhecem como sendo o meu direito. Se os outros não reconhecem o meu direito, ou se só uma parte reconhece, ou ainda se reconhecem apenas em parte, nesse caso o que tenho não é um direito mas uma exigência.» 

Caros fanáticos, Amos Oz 

sexta-feira, 9 de abril de 2021

Pluricórnio

Para além das agruras típicas de casos análogos de traição, o(a) unicórnio(a) traído(a) ainda tem a complicação adicional de ficar com a designação desactualizada.    

quinta-feira, 8 de abril de 2021

Coisas que me ralam

Quando, após um suspiro, digo que só tenho coisas que me ralem, normalmente não estou a pensar literalmente. Por isso, fico bastante surpreendido quando me distraio e corto um bocado do polegar a ralar cenoura.

quarta-feira, 7 de abril de 2021

terça-feira, 6 de abril de 2021

Tudo começou porque, no meio das músicas que estava a ouvir, surgiu o Band on the Run.

Fui, de imediato transportado para a minha infância, para uma versão da música que julgo não ouvia desde essa altura. A única coisa que sabia é que fazia parte de um álbum ao vivo do Paul McCartney, duas cassetes que ouvia furiosamente num rádio amarelão dos meus pais. Não me restava outra coisa senão fazer aquilo que hoje em dia temos a possibilidade de fazer. Não foi à primeira pesquisa informática que descobri, mas foi à segunda. O álbum chama-se Tripping the Life Fantastic e tem uma foto algo desfocada, como se estivesse em movimento, do mítico baixo Höfner, imagem de marca.

Entretanto já (re)ouvi umas boas dezenas de vezes, desta feita na Apple Music, que dispensa mudar de lado da cassete. Uma série de clássicos dos Beatles e da carreira a solo do próprio McCartney, gravados em diversos concertos, um pouco por todo o mundo, no final dos anos 80 e início dos 90. Por exemplo, o Fool on the Hill, que Sir Paul dedica a "three mates of mine". Assim como o Eleanor Rigby, que quanto mais ouço mais gosto; ao contrário do Ebony and Ivory que, quanto mais ouço, mais pindérico me parece. O Can't Buy Me Love, banda sonora dos tempos em que o Patrick Dempsey se passeava em cima de um cortador de relva. Hey Jude, Back in the U.S.S.R., Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band. É assim com os aqueles quatro moços de Liverpool: são umas atrás das outras.  

sábado, 3 de abril de 2021

Virtude

«Céus não existem, não existe Inferno:
O prémio da virtude é a virtude, 
É castigo do vício o próprio vício»

Bocage

UNKNOWN

Pede-me ajuda para preencher um formulário online em inglês. Sentamo-nos os dois à frente do computador. Eu vou explicando o que é solicitado e pedindo os dados à medida que as perguntas vão surgindo. Ao terceiro ou quarto separador, pedem a filiação e eu pergunto-lhe qual o nome do pai. Responde-me

Não sei

uma resposta que, no primeiro momento, me desarma até, uma fracção de segundo depois, perceber o que está em causa. Ela procura o cartão de cidadão, vira-o e mostra-me: naquele campo onde a (esmagadora?) maioria de nós tem dois nomes, ela tem apenas um, o da mãe. 

Carrego no ponto de interrogação, encaixado dentro de uma bolinha, à direita deste campo de preenchimento obrigatório. Na janela que se abre, pedem para, nestes casos, escrever

UNKNOWN

assim, em letras garrafais. Escrevo duas vezes: uma no nome próprio, outra no apelido. 

sexta-feira, 2 de abril de 2021

Totalitário

«To be an unbeliever is not to be merely "open-minded". It is, rather, a decisive admission of uncertainty that is dialectically connected to the repudiation of the totalitarian principle, in the mind as well as in politics.»

Hitch-22, Christopher Hitchens


terça-feira, 30 de março de 2021

Suportabilidade

A utilização do verbo "suportar", à semelhança do inglês, como sinónimo de "apoiar", "consubstanciar" ou "dar assistência a" é um bocado insuportável. 

domingo, 28 de março de 2021

Distinto

«I distinguish remorse from regret in that remorse is sorrow for what one did do whereas regret is misery for what one did not do.»

Hitch-22, Christopher Hitchens

quinta-feira, 25 de março de 2021

Enviesado

"O meu viés..." diz-me quando inicia a explicação daquilo que consideraria ser, simplesmente, a sua opinião. A expressão aterra-me na cabeça de tal forma que me abstraio das palavras seguintes. Como se não fosse possível ter uma opinião que não seja, por definição, enviesada. Assim como solicitar uma opinião isenta, a alguém que consideremos imparcial.   

segunda-feira, 22 de março de 2021

Sotaque

Na sua autobiografia - intitulada Hitch-22 -, Christopher Hitchens fala da experiência de ser um britânico nos EUA, assim um pouco à semelhança do célebre tema de Sting. Um dos aspectos que realça são as diferenças na utilização da língua inglesa. Refere, inclusivamente - e este é um fenómeno que, segundo consta, abrange outros anglo-falantes não-americanos em terras do tio Sam - que a sua sonoridade britânica teria sido, em algumas circunstâncias, uma boa alavanca para conquistas junto do sexo oposto. Neste contexto, relata o episódio de uma jovem, que se terá referido ao seu "sotaque"; Hitchens respondeu-lhe, de imediato, que seguramente ele não tinha sotaque, mas sim o contrário: ela é que tinha.  

Este episódio, por sua vez, fez-me recordar um outro muito semelhante, protagonizado por José Saramago: no decurso de uma entrevista, uma jornalista brasileira disse-lhe que tinha dificuldade em perceber o seu "sotaque", ao que Saramago de imediato retorquiu, com o tom seco e austero que o caracterizava, que "sotaque tem a senhora". O escritor português não avançou, contudo, se, na sua experiência, o sotaque, perdão, o português de Portugal granjeia qualquer tipo de vantagem junto do sexo feminino luso-falante doutras latitudes. 

A noção da ausência de sotaque no país de origem da língua, para além de soar um certo toque de sobranceria, acarreta, em si, algumas inconsistências. Desde logo porque não permite categorizar os diferentes sotaques dentro do próprio país de origem. Das duas uma: ou nenhum é sotaque - o que é chato porque eu ia jurar que já ouvi o sotaque do Porto, açoreano, madeirense, alentejano, algarvio, das Beiras, de Setúbal, de Viseu, etc.; ou são todos excepto um, que é o não-sotaque, e em cujo caso é necessário definir qual é exactamente este último. 

Costuma dizer-se que o português falado na região de Coimbra é o mais correcto ou mais aproximado do padrão da língua. Mas, acaso este fosse o não-sotaque, teríamos outro problema: do ponto de vista da origem - a lógica aparentemente subjacente aos comentários de Hitchens e Saramago - Coimbra não fará sentido. Certamente teríamos que rumar mais a norte.

A minha sugestão simplificadora é aceitar que todos temos sotaque. Embora um(ns) coincida(m) com a forma como a língua se fala numa parte do território onde originariamente se formou.  

domingo, 21 de março de 2021

Chumbo

Olhando para as pontuações que atribuem aos filmes, por vezes desconfio que os críticos de cinema, pura e simplesmente, não gostam de cinema. 

quarta-feira, 17 de março de 2021

Equivalência

À pergunta do jornalista sobre a ausência de processo anterior na política, Nuno Graciano retorque que tal não é correcto: o candidato do Chega à Câmara Municipal de Lisboa foi presidente (ou coisa que o valha) da associação de estudantes (ou coisa que o valha) no liceu e na universidade (ou coisa que o valha).

terça-feira, 16 de março de 2021

O Fidesz, partido de extrema-direita de Vitor Orbán, saiu do Partido Popular Europeu.

Em bom rigor, Orbán apenas se antecipou a uma provável expulsão, espoletada por alterações às regras do partido recentemente aprovadas. Ainda assim, o registo do governo húngaro não é mau: só agora saem do partido de centro-direita. E este parece um desenlace pouco dramático, já que, pelo menos em tese, o regime autocrático da Hungria - assim como dos restantes países do grupo de Visegrado - colide frontalmente com os valores democráticos da União Europeia.  

A única vez que a porta de saída da UE foi mostrada a um país foi à Grécia do Syriza. É certo que também havia umas pequeníssimas questões pecuniárias envolvidas e, ao que parece, o dinheiro tem o dom de se imiscuir em muitas decisões. Ainda assim, parece haver maior tolerância europeia para países com regimes irritantes mas de direita, do que outros com regimes igualmente irritantes mas de esquerda. 

sábado, 13 de março de 2021

Colado nas costas

«Somos cães a correr atrás da própria cauda, sempre à procura, longe de nós, de algo que temos a abanar nas costas. O sentido da vida é como aquela brincadeira perpetuada pelos cretinos que existem em todos os empregos e que consiste em colar um papel nas costas de um colega, com algum insulto escrito. É isso a vida, um papel colado nas costas. Andamos a fazer figuras, a perguntar-nos a que se deve a felicidade dos outros, e o segredo está colado nas nossas costas.»

Para onde vão os guarda-chuvas, Afonso Cruz

terça-feira, 9 de março de 2021

quinta-feira, 4 de março de 2021

Sequência

Na Índia, as pessoas fazem filas paquistanesas.

(Para evitar estragar a piada, vamos esquecer que, na génese da expressão não estão, aparentemente, os indianos, mas sim os índios americanos, que caminhavam uns atrás dos outros para ocultar as pegadas)

quarta-feira, 3 de março de 2021

Arbitrariedade

«The conventional word that is employed to describe tyranny is "systematic". The true essence of a dictatorship is in fact not its regularity but its unpredictability and caprice; those who live under it must never be able to relax, must never be quite sure if they have followed the rules correctly or not. (The only rule of thumb was: whatever is not compulsory is forbidden.) Thus, the ruled can always be found to be in the wrong.»

Hitch-22, Christopher Hitchens

domingo, 28 de fevereiro de 2021

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Macht

«Power, let us not forget, is not just about being able to buy whatever you want; that is mere wealth. Power is about being able to get whatever you want at below the market price. It is about being able to get people to perform services or part with goods that they would not ordinarily offer to sell at any price.»

Colossus, Niall Ferguson

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Em círculos

Leio um artigo sobre um livro que aborda o papel de domínio da Amazon. Resolvo procurar o livro online e vou dar à Amazon. 

sábado, 6 de fevereiro de 2021

O filme é do final da década de 80 e chama-se Blind Date.

Walter - um Bruce Willis novo e com mais cabelo do que agora nos lembramos que alguma vez teve - algo reticente deixa-se, ainda assim convencer, por um amigo, a ir a um encontro às cegas. She is a really nice girl. Do outro lado do encontro está Nadia, uma Kim Basinger estonteantemente vestida de vermelho, de cima a baixo, incluindo a mala e o verniz das unhas.  

O encontro corre bem e Walter resolve arriscar e levar Nadia a um estúdio de música, munido de uma garrafa de champagne, comprada numa loja de conveniência. Lá dentro, a gravar enquanto bebem champagne com copos de plástico e trocam o primeiro beijo, está Stanley Jordan a fazer um cameo.



quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Longing

«There is plainly much more longing than can be realised legitimately in the age of freedom and entrepreneurship; more desires for objects of consumption than can be fulfilled by actual income; more dreams than can be fused with stable society by redistribution an greater opportunity; more discontents than can be allayed by politics or traditional therapies; more demand for status symbols and brand names than can be met by non-criminal means; more claims made on celebrity than can be met by increasingly divided attention spans; more stimulus from the news media than can be converted into action; and more outrage than can be expressed by social media.

Simply defined, the energy and ambition released by the individual will to power far exceed the capacity of existing political, social and economic institutions. Thus, the trolls of Twitter as much as the dupes of ISIS lurch between feelings of impotence and fantasies of violent revenge.»


Age of Anger, Pankaj Mishra 

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

A pluviosidade tem destas coisas.

As recentes notícias relativas à apropriação indevida de vacinas para a Covid-19 têm um certo travo a inevitabilidade, a estava-se-mesmo-a-ver que tem tanto de indignação como de resignação. Pior: permitem fazer uma extrapolação - já tão vastamente badalada como, rapidamente, rebatida - da possibilidade de um comportamento análogo aquando da recepção de fundos europeus, que choverão fortemente nos próximos tempos.     

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

sábado, 23 de janeiro de 2021

Retrocesso

A realização de testes de antigénio em escolas vai piorar o resultado das avaliações às competências dos alunos. 

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Arranjava sempre forma de levar a melhor sobre quem se atravessava na sua frente.

Qual craque, adorava driblar, fintar os seus adversários, fazer slalom com os argumentos que esgrimia como ninguém. Dava-lhes autênticos nós-cegos, verdadeiros golpes de rim, manobras acrobáticas e pontapés de bicicleta, que os deixavam feitos num oito, sem combustível, a precisar de ir à box.

Até que, um dia, encontrou alguém à sua altura. Entraram em ringue e começaram a bater bolas. Primeiro com alguma suavidade, estudando-se mutuamente. Aos poucos, depois de algumas piscinas a intensidade foi aumentando. Taco-a-taco, muito equilibrado, fazia antever uma maratona com um final em sprint e com recurso ao photo-finish.

Até que, confiante, sentiu que tinha surgido uma oportunidade para um ataque que o faria cruzar a meta em primeiro. E, então, sem cerimónia, já a antever a bandeira axadrezada, fez uma verdadeira entrada a pés juntos, de é em riste. “Bem jogado!”, pensou.

Para sua surpresa, no entanto, foi apanhado em contra-pé: o adversário desencadeou um contra-ataque feroz. Como se tivesse recebido uma assistência para uma desmarcação perfeita, tirou um verdadeiro ás na manga, que acertou, em cheio, na mouche. Um autêntico afundanço.

Tentou, sem sucesso, ripostar, virar o marcador: chutar para canto, cortar as vazas. O estrago estava feito, estava destrunfado. Antecipava o KO. Teria que pedalar muito, em contra-relógio, se quisesse ter qualquer hipótese de inverter o resultado até ao apito final. Sentiu-se fora-de-jogo, posto em xeque. Nunca havia sido vítima de uma tal placagem, um verdadeiro ensaio de porrada. O mundo todo desabava à sua volta.

Então, resignado, limitou-se a passar o testemunho.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Nem na tomada de posse

Sonia Sotomayor: "Repeat after me: I, Kamála David Harris, do solemnly swear..."

Kamala Harris: "I, Kámala David Harris, do solemnly swear..."

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Little 6655321

«It may not be nice to be good, little 6655321. It may be horrible to be good. And when I say that to you I realise how self-contradictory that sounds. I know I shall have many sleepless nights about this. What does God want? Does God want goodness or the choice of goodness? Is a man who chooses the bad perhaps in some way better than a man who has the good imposed upon him?»


A clockwork orange, Anthony Burgess

domingo, 17 de janeiro de 2021

Slooshying

«I don't mind about the ultra-violence and all that cal. I can put up with that. But it's not fair on the music. It's not fair I should feel ill when I'm slooshying lovely Ludwig van and G. F. Handel and others. All that shows you're and evil lot of bastards and I shall never forgive you, sods.»

A clockwork orange, Anthony Burgess

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Shotgun blues IV

No especial da Netflix, Dave Chapelle fala sobre os "shooting drills" que, segundo conta com algum espanto, começam a existir nas escolas americanas para treinar os alunos e professores, à semelhança de incêndios ou tremores de terra, a reagir e evacuar as instalações, mas numa situação de tiroteio.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Shotgun blues III

Só num país com a cultura de armas dos EUA existem expressões como "shotgun wedding", para designar um casamento forçado devido a uma gravidez não-planeada.   

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Carlos Daniel em modo paternalista:

ventila a possibilidade de cortar o som dos microfones caso os candidatos falem por cima ou interrompam os outros. 

Shotgun blues II

Só num país com a cultura de armas dos EUA existem expressões como "riding shotgun". Usada para designar quem ocupa o lugar do pendura, na génese referia-se ao guarda-costas do condutor de carruagens, que o protegia de potenciais ataques por parte de bandidos ou nativos-americanos. Tem a variante "call shotgun", para invocar a prerrogativa de ir no lugar da frente.  

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Shotgun blues I

Só num país com a cultura de armas dos EUA existem expressões como "shotgun houses". Tratam-se de casas nas quais a porta da frente dá para directamente para a porta de trás, através de um corredor, ao longo do qual as divisões se situam lateralmente.

domingo, 10 de janeiro de 2021

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Claramente uma tentativa de varrer a totalidade do espectro político.

Mayan Gonçalves tem (no mínimo) um tique: assim que acaba de dar uma resposta mais aguerrida (de acordo com o seu standard, claro), olhando para a sua direita, onde está a pivot da TVI, vira a cara rapidamente para a esquerda, antes de voltar a recentrar o olhar no oponente à sua frente. 

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Acção reacção

O dia (europeu) começa com a Georgia a dar maioria democrata no Senado e termina com uma invasão do Capitólio.

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Fila

A fila à porta do Instituto do Emprego e Formação Profissional, na 5 de Outubro, prolonga-se até à Rua de Picoas.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

A ingratidão de ser argumentista

Assumi que não chegaria a ver. Enganei-me. Num processo de zapping catatónico, o pequeno ícone apareceu-me à frente e resolvi espreitar. O menor número de episódios desta última temporada também fez o seu papel: afinal, o investimento seria menor. Convicto da pouca convicção, carreguei no play. 

A minha conjectura era que a ausência de Kevin Spacey, por força pelas razões conhecidas, tiraria muita da força de House of Cards. Não me enganei. O vácuo criado pelo desaparecimento do casal presidencial não chega nunca a ser preenchido, pese embora a tentativa de introduzir conflitos e intrigas palacianas com outras personagens, assim como, e sobretudo, pela dupla de irmãos protagonizada por Diane Lane e Greg Kinnear. O resultado é uma amálgama, uma tentativa falhada de terminar uma história, de lhe dar um final sem, no entanto, ter todos os recursos e instrumentos à disposição. 

domingo, 3 de janeiro de 2021

O primeiro debate com André Ventura foi aquilo que se esperava:

muito similar à actuação de Trump no seu primeiro debate, frente a Biden, há uns meses a esta parte. A técnica resulta: impediu que João Ferreira conseguisse tivesse grande hipótese de ripostar e granjeia apoio junto dos simpatizantes do Chega. 

Trump foi mais moderado no debate seguinte, em parte porque teve de o ser - as regras foram apertadas, incluindo o corte do som do microfone do candidato que não é suposto estar a falar - mas também auto-induzido - muitos votantes americanos não gostaram do espectáculo. No caso do Ventura, na medida em que não está verdadeiramente em causa a vitória nesta eleição, a moderação nos próximos debates não parece ser boa estratégia.    

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Quando me apercebi já só havia bilhetes para a data extra, adicionada ao calendário da Culturgest para tentar acomodar a avalanche de interesse.

IV. "Psalm" E às 11h, qual missa matinal, para tentar acomodar as restrições sanitárias. O habitual quarteto entra em palco em forma alargada: há um segundo baterista, assim como um saxofonista barítono e um trompetista. 

III "Pursuance" O formato é tão simples como, naturalmente, arriscado: pegar no Love Supreme e tocá-lo de fio a pavio. Os títulos dos andamentos (chamemos-lhes andamentos, como nas peças clássicas) são projectados no início de cada, com a respectiva numeração romana. 

II "Resolution" A duração é algo alargada face ao original, com a introdução em solo de baterias (interessante chamar solo à performance de dois instrumentistas) e outras artimanhas usadas como uma espécie de cola entre os diversos momentos. De resto, Toscano mergulha de cabeça no som, na voz, no saxofone de Coltrane. Sem medo. Eventualmente também sem olhar para trás e sem pensar duas vezes. 

I. Acknowledgement O resultado está à vista: com uma maturidade musical pouco característica e natural na idade, Toscano é, merecidamente, um dos nomes mais relevantes da actualidade.