terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Des

Não faz sentido que «desfalecer» signifique perder as forças ou desmaiar; como o próprio nome indica, deveria ser algo como ressuscitar.

domingo, 27 de dezembro de 2020

Sentir e pensar

«Seremos criaturas pensantes que também sentem ou criaturas dotadas de sentimento que também conseguem pensar? A resposta é clara. Vivemos a vida a sentir, ou a raciocinar, ou ambas as coisas, dependendo daquilo que nos é exigido pelas circunstâncias. A natureza humana serve-se de toda esta gama de tipos de inteligência, explícita e não-explícita, bem como do uso do sentimento e da razão, quer sozinhos, quer a par.» 

Sentir & saber, António Damásio

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Platonismo

A impossibilidade de transposição para o plano físico custava-lhe menos no amor do que no ódio platónico. 

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Durante semanas, as portadas abriam, de par em par, para o amarelo outonal das folhas.

Uma invasão de cor em dias de céu maioritariamente cinzento que, aos poucos, foi desaparecendo. Começou na manhã em os "sopradores" de folhas acordaram toda a vizinhança: de aparelhos barulhentos em riste, amontoaram as folhas caídas a um canto para depois as varrer do chão. Nesse período, casais de namorados aproveitaram a o mesmo amarelo outonal, agora no passeio, para tirar retratos, daqueles que acabam nas redes sociais, com esse pano de fundo. O processo de queda das folhas pareceu obedecer a uma coreografia ensaiada, começando numa das árvores e só passando para as seguintes depois de totalmente terminado na anterior. Consequentemente, árvores completamente nuas coabitaram com árvores ainda completamente vestidas. Neste momento, apenas uma ainda tem folhas, todas as outras têm os ramos magros totalmente expostos. E, praticamente, não se vê uma folha no chão.  

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Senti

Disse-lhe que ouvia religiosamente tudo o que lhe dizia. O problema é que tinha tendência para, em seguida, se esquecer. 

segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

domingo, 13 de dezembro de 2020

Superior à média

Na conferência de imprensa em que falou do plano de restruturação da TAP, o ministro Pedro Nuno Santos despejou alguns números que comparam a empresa negativamente com as congéneres europeias e que, na sua perspectiva, justificam as medidas de redução de pessoal. Não fixei as percentagens mas, segundo o que referiu, a empresa portuguesa terá rácios de pilotos e pessoal de cabine por avião da frota superiores aos da concorrência. 

Ficou-me na tímpano (expressão que me apetece cunhar, em analogia com ficar na retina): a única vez que me aconteceu receber, na manga no decurso do embarque, um saco de papel pardo com uma sandes mal-amanhada e uma garrafa de água, foi num voo da TAP. A razão para esta solução de recurso, tal como nos foi explicado, foi a falta de um número mínimo de membros da tripulação de cabine para que a "refeição" pudesse ser servida, de forma normal, durante o voo.

sábado, 5 de dezembro de 2020

Confiança

«Trust obviates the need for money, and money without trust has no value. Perhaps it is trust that makes the world go round.»

The end of alchemy, Mervyn King

sábado, 28 de novembro de 2020

terça-feira, 24 de novembro de 2020

Last dance

Não são as jogadas, os cestos, os afundanços, os passes, as assistências, as vitórias, o sucesso. Nem sequer as tricas, as intrigas, as jogadas de bastidores, os conflitos. O que mais me chamou a atenção no documentário da Netflix foi mesmo a quantidade incrível de charutos que os jogadores dos Chicago Bulls fumavam, a começar pelo Michael Jordan

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

terça-feira, 10 de novembro de 2020

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Fartar-se

«O carpinteiro exala impassível o seu fumo:«Simplesmente: que seja pobre quem tiver gosto nisso. Ah, sim, cá por mim os outros que sejam pobres à vontade. Agora eu cá é que precisamente não tenho gosto nenhum nisso. É que realmente co'o tempo um tipo acaba por se fartar.»»

Berlim Alexander-Platz, Alfred Doeblin  

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Brisa do mar

O mapa eleitoral dos EUA mostra o quão importante são os ares do mar para a saúde das pessoas.  

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

As sondagens, as sondagens

238 votos de colégio eleitoral para o Biden, 21 para o Trump. Com os votos estaduais determinados até esta hora, Biden deverá ganhar o Nevada e o Arizona. Não chega: ficaria nos 255, a precisar de 15 para os 270 necessários. Trump deverá ganhar a Carolina do Norte e a Geórgia, que o deverão aos 244. Portanto, pendurados por estados da blue wall. Mas tendo em conta o que já foi apurado, Trump está claramente à frente na Pennsylvania (20 votos) e também à frente, mas menos expressivamente, no Michigan (16) e Wisconsin (10). 

Avizinha-se uma longa espera. 

terça-feira, 3 de novembro de 2020

Azedou

Alguns jornalistas ainda se referem à Covid como o "novo corona vírus". Aí está um adjectivo cujo prazo de validade parece ter expirado. Ou, dito de outra forma, o novo já está velho. 

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Da roupa ao lençol

Usamos roupa com diferentes capacidades térmicas e até camadas em diferentes zonas do corpo: nesta altura do ano, é normal uma t-shirt/camisa, seguida de uma camisola e, nas idas à rua, um casaco; no entanto, nas pernas temos as mesmas calças de ganga, e camada única. Mas na cama usamos uma estrutura que não diferencia as diferentes zonas do corpo em matéria de capacidade térmica (embora possamos ter camadas diferentes). Por uma questão de consistência, o cobertor ou edredon que cobre o tronco deveria ser diferente daquele que cobre as pernas e os pés.  

terça-feira, 27 de outubro de 2020

Tânia e Cátia são nomes próprios como tantos outros.

No entanto, na génese, nas línguas eslavas, Tânia é o diminutivo de Tatiana, Cátia o de Catarina. Ou seja, são diminutivos que foram importados e assimilados por outras línguas que, ao longo do tempo, os promoveram a nomes próprios por si só, distintos dos nomes que lhes deram origem. 

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Seguir

Na vida virtual, as pessoas amiúde (dizem que) seguem outras nas redes sociais. Querem com isto dizer que acompanham as partilhas de conteúdos e notícias que outros vão colocando e, desta forma, mantêm-se a par do que vai acontecendo. Na vida não virtual (real?), seguir outrem parece, de imediato, coisa de stalker. Sendo certo que o stalking digital também existe, na vida não real é mais difícil falar em seguir uma pessoa sem ser com o pendor negativo da perseguição persistente.  

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Filantropia

Comprar jornais, seja em papel ou na versão digital, cada vez mais parece uma forma de filantropia. Só falta dar descontos sem sede de IRS.

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

terça-feira, 20 de outubro de 2020

Tonnerre de Brest

Quando ouço falar tempestade, que actualmente assola o território nacional, nunca sei se "bárbara" é nome ou adjectivo.

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

A ilação de Costa

A culpa é nossa, conclui o Primeiro-ministro, depois de constatar o preocupante aumento de casos de infecção por Covid-19 dos últimos dias. Porque este aumento é claramente devido (só pode) a um relaxamento dos comportamentos e das medidas individuais de protecção, própria e alheia. Impossível haver mais justificação que seja para este aumento. Aliás, o facto de que o número de infecções está a aumentar noutros países europeus, também de forma que causa preocupação - e, em algumas casos, medidas duras de suspensão de actividade e/ou confinamento, a fazer lembrar os idos de Março -, é uma manifestação adicional que consubstancia a ilação de Costa. Não há cá sazonalidade nenhuma, não houve nenhum alerta de que uma segunda vaga poderia despontar com a chegada do Outono, às cavalitas da gripe (quê? quê?) sazonal (sazo-quê?) 

Costa constata ainda outra coisa, que consubstancia ainda mais o seu desapontamento com a população portuguesa: não há maneira de perceberem que têm de instalar a aplicação StayAway Covid, um valioso instrumento no combate à pandemia. Aplicação essa cuja instalação ele só tentará tornar obrigatória se a mesma população portuguesa não decidir voluntariamente, por livre e espontânea vontade, descarregar do espaço etéreo para o seu telemóvel (esperto). Uma aplicação de fácil utilização, uma vez que apenas requer que, aquele que testou positivo, solicite (rapidamente) um código às entidades de saúde e o introduza (rapidamente) no StayAway Covid.

Um amigo testou positivo há dias. Entre as várias aventuras e peripécias que o processo acarretou, destaco que as três tentativas que levou a cabo para obter o código e o poder inserir na aplicação, que tem instalada no seu telemóvel, foram totalmente infrutíferas. O que está em linha com esta notícia, que também reporta a dificuldade na obtenção dos necessários códigos. O que corrobora a pouca utilidade da aplicação que, sem códigos introduzidos, não serve para nada. O que corrobora que a insistência na obrigatoriedade da sua instalação é pouco avisada e, mais, é uma tentativa de sacudir a água do capote e tentar lançar a culpa do alastramento recente sobre a generalidade da população, esse bode expiatório. o que corrobora que se trata de uma tentativa de alijar responsabilidades. 

Stay away, StayAway Covid.      

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Igualdade no meio de desigualdade

Para evitar a desigualdade de tratamento entre quem tem e quem não tem telemóvel, implícita na proposta de tornar obrigatória a instalação da aplicação para a Covid, o governo só tem uma solução: distribuir telemóveis por toda a população, que não os poderá rejeitar. 

terça-feira, 13 de outubro de 2020

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

domingo, 11 de outubro de 2020

O outlook ainda não se adaptou ao novo dia-a-dia

Questiona-me sempre se tenho mesmo certeza quando envio um pedido de reunião sem especificar a localização.

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

É uma rua que me aparece, de vez em quando, em sonhos e que não sei localizar.

De todo. Parece estreita, ladeada de casas velhas e carcomidas, janelas que abrem para estendais com roupa a secar ao céu cinzento. O pavimento de paralelepípedos é rasgado pela linha metálica do eléctrico e não se vê um carro. Do meu ponto de observação, algures no passeio do lado direito, vejo a ligeira inclinação que desce à frente dos meus olhos. Não sei onde termina: uma curva à direita impede-me de ver muito mais a partir do sítio onde estou, e donde parece que não vou sair.  

terça-feira, 6 de outubro de 2020

Eddie

 Eddie Van Halen Recalls '1984' Battles With Producer

O Primeiro-ministro atou o Presidente da República à recente polémica relativa ao Presidente do Tribunal de Contas...

..., referindo a prática de não recondução dos detentores destes cargos. O argumento é atendível: a recondução pode dar azo a interpretações de favorecimento por parte do detentor do cargo, para fortalecer a probabilidade de vir a exercer um segundo mandato. Ou seja, quanto menos incómodo, melhor para as aspirações pessoais. Aliás, foi esta a argumentação utilizada para não atribuir um segundo mandato a Joana Marques Vidal como Procuradora Geral da República. É uma questão estrutural que poderia ser resolvida através da alteração das regras, por forma a que estes cargos tivessem mandatos únicos, potencialmente com uma duração mais longa (por exemplo, oito anos versus cinco). 

O problema é quando estas decisões são tomadas numa conjuntura que pode suscitar a aparência do problema oposto, i.e., que a não recondução é fruto do incómodo que o detentor do cargo efectivamente gera. Esta é uma interpretação mais do que justificada no caso de Marques Vidal: é (muito) difícil defender a ideia de que terá sido meiguinha para assegurar que o nome dela estivesse no topo da lista para mais uns anos à frente da Procuradoria Geral. Aliás, a haver uma percepção generalizada do seu papel é de que foi bastante incisivo e temerário, o que tende a andar de mãos dadas com o dito incómodo. Ora a mesma relevância conjuntural pode ser avançada para o actual caso do Presidente de Tribunal de Contas, numa altura em que o país vai ser inundado de fundos europeus, e dado o histórico de utilização dos mesmos ao longo das últimas décadas. 

Donde, em ambos os casos, a percepção do problema conjuntural parece claramente dominar o do estrutural, pelo que a opção pela recondução poderia ter gerado menos polémica. 

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

A recente crise não afectou o dia-a-dia dos presidentes americanos (e outros que tais)

É certo que terão condições bastante melhores que a maioria do comum dos mortais mas, no final de contas, já trabalhavam a partir de casa. 

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Trabalhar remotamente

 Os braços da cadeira do escritório doméstico ficaram consideravelmente mais gastos nos últimos meses. 

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Tenho sérias dúvidas que seja um ser humano:

parece-me mais um estar humano. Falta-lhe a centelha, a vontade. Existe, é certo. Mas parece estar aqui apenas de passagem, sem grande vontade, sem grande convicção. Como se não tivesse outra opção senão existir. 

terça-feira, 22 de setembro de 2020

Pureza

Como medida para combater a descarbonização do planeta e, dessa forma, dar algum descanso à consciência ambiental, passou a beber gin puro. 

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

É uma permanente luta para pôr certos à frente dos pontos.

Ou não resistir à vontade de riscá-los, de torná-los totalmente ilegíveis, como se nunca tivessem estado naquele bocado de papel. Num misto de alívio e alguma raiva, descarregada nervosamente através da caneta. Isto até aos novos pontos fazerem o seu caminho até entrarem na lista, numa nova lista ou na mesma, agora com adições. Qual rol de compras de mercearia que parece nunca acabar: há sempre coisas para substituir no frigorífico e na despensa. Uma subjugação em pontos, uma ditadura em alíneas.  

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Era isso que não conseguia aceitar

(e não entender, entendia perfeitamente): que não fica mais fácil com o passar do tempo. Não interessa a experiência e o calo, os cabelos brancos e a mundividência. Podem ajudar conjunturalmente, em determinadas situações e casos. Mas não estruturalmente.  

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Ácido

No recente documentário sobre Miles Davis "Birth of the cool", Carlos Santana descreve o acid jazz, ao qual o músico do trompete a certa altura se dedicou, como música que tinha o condão de pôr sóbrios os que estavam a tripar em ácidos e pedrados os que estavam sóbrios.

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Feel the need

Numa palestra na Google, um dos espectadores pergunta a Christopher Hitchens se não sente a necessidade de se juntar a outros ateus, como ele, para, de uma forma organizada, defender as suas ideias face às organizações religiosas que estão do outro lado da discussão, a defender posições contrárias. Ou seja, a organização como forma de nivelar a contenda. Hitchens começa por responder de uma forma surpreendentemente mais abrangente:

«I'm no longer a joiner up of groups. I don't feel the belonging need anymore. I used to when I was younger and more left that I am now feel that, the need to be involved in an organized way. Now I don't, and I think I probably have more influence as an individual than I ever did as a cogwheel in a so-called party.»

terça-feira, 8 de setembro de 2020

Com algum atraso

Não é uma daquelas datas redondas, estilo 10, 15, 20 anos: são 29. E, ainda por cima, atrasei-me uns dias - devia ter posto um lembrete na agenda. 

30 de agosto 1991, Campeonato do Mundo de Atletismo em Tokyo. Carl Lewis e Mike Powell defrontam-se no salto em comprimento. Senão o melhor confronto de sempre da modalidade, seguramente um dos melhores. 

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Não tinha uma opinião nada original (como não costumo ter, verdade seja dita)

A minha aposta era a de tantos outros: que Djokovic iria vencer este Open dos Estados Unidos, o que lhe abriria a porta para definitivamente atingir as marcas de Nadal e Federer. 

E depois acontece um evento estranho e raro que culmina na desqualificação do sérvio, que atingiu, sem querer, uma juíza de linha, quando devolvia uma bola para trás, após o final de um ponto. O resultado não poderia ser outro, e os antecedentes são bastante claros: que o digam, por exemplo, Fernando Meligeni que, em 1999, foi desqualificado do Open do Estoril por ter acertado num espectador e David Nalbandian que foi pelo mesmo caminho no torneio de Queens de 2012, após ter dado um chuto numa placa de madeira perto da cadeira do árbitro de linha, que acabou por o mandar ao chão. 

A questão de ser voluntário ou não é de menor importância para esta sanção em concreto. Da mesma forma  que, se bater no carro que vai à minha frente, serei sempre culpado, independentemente da potencial condução errática e perigosa do outro condutor faça. A responsabilidade é mina de garantir que consigo sempre imobilizar o meu carro sem embater no da frente. Ora, qualquer jogador de ténis é responsável por não magoar ninguém - de uma acção que não resulte do próprio jogo, claro. 

A questão seguinte é a severidade da punição. Parece brutal excluir alguém por algo que é claramente não-intencional - não se trata de, voluntariamente, demorar muito tempo entre pontos, partir uma raquete ou ofender o árbitro, situações normalmente punidas com sanções de importância crescente, a partir de uma primeira advertência verbal sem nenhuma consequência material, até penalizações de um ponto, jogo, partida. Mas, verdade seja dita, mesmo involuntariamente, Djokovic pôs em risco a integridade física de uma pessoa. 

Pela positiva, fica a reacção de Djokovic que, embora tenha trocado palavras com a equipa de arbitragem e tentado contra-argumentar, nunca perdeu a compostura e, quando percebeu que não havia volta a dar, aceitou e abandonou o court. Mais, reconheceu publicamente o erro e pediu desculpas à juíza de linha. Contraponha-se esta reacção com a de Serena Williams, aquando do seu episódio na final do mesmo Open dos Estados Unidos, em 2018.

sábado, 5 de setembro de 2020

Ainda sobre Abe

O Japão é uma espécie de candeia que vai à frente e alumia duas vezes, um canary in the coal mine. Por alguma razão se fala na japanificação, uma ameaça do possível alastramento, às restantes economias avançadas, de uma performance económica anémica, caracterizada por estagnação, inflação baixa ou mesmo deflação, e taxas de juro muito baixas. 

Em 2013, Shinzo Abe tornou-se primeiro-ministro, e levou consigo para o trabalho a sua estratégia de 3 setas: política monetária audaz, política orçamental flexível e estratégia de crescimento. Embora objectivamente houve metas não atingidas (por exemplo, o objectivo de inflação) as opiniões dividem-se no que concerne à avaliação do legado de Abe. Seja como for, a Abenomics simbolizou uma viragem de página com determinação, uma pedrada no charco. Talvez por isso, o anúncio da sua saída da vida política activa, por motivo de doença, seja, em si, outra viragem de página.    

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Genuflexão virtual

No seu perfil de Facebook, reparou na secção relativa ao estado de relação, a seguir a outras informações, como morada ou local de trabalho. Relembrou-lhe do campo do estado civil do velhinho bilhete de identidade, morto e enterrado pelo prático cartão de cidadão, que já não divulga essa componente da vida das pessoas. Subitamente, apeteceu-lhe actualizar a informação, como se estivesse em falta para com qualquer entidade responsável por monitorar estes assuntos. Ao enviar o pedido à sua cara metade - que tem de o certificar e consentir, bem entendido - sentiu o momento como uma genuflexão virtual. E sentiu-o como se fosse complementar (e até necessário) ao momento em que, de joelhos e com uma caixa de anel na mão estendida, a pediu, de acordo com a tradição, em casamento. 

terça-feira, 1 de setembro de 2020

Da leitura de sorrisos

Os povos asiáticos são, amiúde, mal interpretados no que respeita a sorrisos: um sorriso genuíno pode facilmente ser interpretado por um amarelo (mas não vice-versa). 

domingo, 30 de agosto de 2020

Rubrica descubra a inconsistência

Em entrevista ao Expresso, o Primeiro-ministro é questionado se será necessário o Governo apoie directamente algumas empresas. O Primeiro-ministro inicia a sua resposta mencionando que tal já foi feito nos casos da TAP e Efacec. Explica que, para o efeito, tem à disposição o Banco de Fomento, bem como instrumentos de capitalização "que permitem acorrer a empresas viáveis, social e economicamente (...) e que estejam a enfrentar situações conjunturais que exijam essa intervenção.".

E depois acrescenta a seguinte questão: "Se quero pôr dinheiro em empresas que estavam a falir?" à qual, de imediato, responde enfaticamente que não, acrescentando "Não faz sentindo estar a consumir recursos dos contribuintes para alimentar artificialmente quem estava falido."

E lucevan le stelle


 

sábado, 22 de agosto de 2020

Ainda sobre a escolha de Kamala

Joe Biden tinha feito o compromisso de escolher uma vice-presidente. Em si, embora relativamente refrescante, não é totalmente inédito: Sarah Palin foi a escolhida por John McCain para o segundo posto. O que seria verdadeiramente novo seria a escolha de alguém da ala mais esquerda do Partido Democrata, como Elisabeth Warren. Alguém com um discurso mais progressista, que defende, entre outros, o acesso universal a cuidados médicos e educação, o combate à desigualdade, a taxação de grandes fortunas, e tem um discurso bastante duro em relação ao sector financeiro, aos bancos e a Wall Street. 

Ora Biden não é nada disto: o ex-vice de Obama tem, normalmente, um posicionamento muito próximo do centro da distribuição do Partido Democrata. Desse ponto de vista, um second-in-command com as características de Warren daria uma grande complementaridade e, concorde-se ou não, uma lufada de ar fresco. 

Em contraste, o posicionamento político de Kamala está seguramente mais próximo do de Biden. Por outras palavras, ao escolher uma mulher afro-americana, tenho dúvidas que Biden esteja a fazer mais história do que se tivesse escolhido a caucasiana Elisabeth Warren. Conquistar os votos afro-americano e latino não é o principal objectivo desta escolha: estes são grupos que tipicamente votam democrata. É, ao invés, uma escolha cautelosa, que evita o risco de potencialmente alienar parte dos votos democratas, que não receberiam Warren de braços abertos. Por alguma razão os mercados reagiram bem à nomeação de Kamala.

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Zona

 O DVD ficou repleto de erupções cutâneas e bolhas e foi diagnosticado com um grave problema de zona.

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Ainda sobre a escolha da Kamala

Um dos comentários que Obama fez quando escolheu Biden para o seu "ticket" foi a diferença de opiniões entre ambos. O antigo presidente frisou os aspectos positivos de ter, ao seu lado, alguém com opiniões distintas em vários assuntos para o aconselhar. Não preciso de ninguém que concorde comigo. É uma postura refrescante, característica de quem aprecia a discussão e o confronto de opiniões. E, sobretudo, de quem tem a confiança e a coragem para não se rodear de yes men e women, que se limitam difundir o discurso que emana do lugar cimeiro, ao mesmo tempo que abanam a cauda, numa subserviência calculada. Uma lição neste país onde, como referiu António Barreto na entrevista à RTP de há algumas semanas atrás, existe o resvaladiço conceito de "confiança política".   

Biden aposta na mesma complementaridade: Kamala deve ter sido quem mais o atacou durante a campanha democrata e alguns desses ataques, durante os debates, tornaram-se soundbytes. Derrotada nessa circunstância, é agora repescada para uma possível vice-presidência, que pode vir a ter uma preponderância maior que o cargo normalmente implica, por razões estritamente naturais: Biden tem quase 80 anos. Mesmo que o resultado das eleições seja diferente e Trump permaneça um segundo mandato na Casa Branca, este convite tem o potencial para cimentar a hipótese de Kamala vir a ter sucesso numa futura candidatura à eleição democrata. 


quinta-feira, 13 de agosto de 2020

That little girl was me

O antigo vice-presidente escolheu, para vice-presidente na sua candidatura a presidente, a mulher que tinha dito que ele poderia ser o seu vice-presidente, quando ela própria estava na corrida para a eleição do candidato democrata à presidência. 

  


segunda-feira, 10 de agosto de 2020

All in

Mais do que skin in the in the game, os actores porno têm foreskin in the game (excepto circuncidados, claro). 

sábado, 8 de agosto de 2020

Os apelidos não eram o problema.

Porque os apelidos decorrem de uma regra, o resultado de um processo social ou cultural, que estabeleceu a importação de, pelo menos, o último apelido da mãe e o do pai, bem como a ordem pela qual devem aparecer na designação da geração seguinte. A questão residia com o nome próprio que é, única e exclusivamente, decorrente de uma escolha (dentro da lista de nomes próprios admissíveis, bem entendido). Mais e pior: uma escolha alheia. E não própria, para usar o mesmo termo do próprio nome próprio. 

Por isso, ao entrar na Conservatória do Registo Civil, com o intuito de submeter um requerimento para alterar o nome próprio, só tinha uma coisa na cabeça: reclamar um quinhão de liberdade ao aniquilar uma parte da liberdade alheia. Não havia outra forma senão através deste jogo de soma nula. 

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Beber para recordar

O homem sentado no banco, simetricamente de frente para o realizador/protagonista, diz-lhe que os palestinianos são diferentes: enquanto os outros bebem para esquecer, os palestinianos bebem para recordar.

domingo, 2 de agosto de 2020

Gesundheit

Felizmente a vontade de espirrar surgiu quando estava parado no semáforo: espirrar enquanto se conduz é sempre uma aflição, uma momentânea falta de controlo e necessidade de fechar os olhos. Para o interior do braço, como (agora) manda a lei - quando era pequenino, ensinavam que se devia tapar a boca com as mãos. Vindo do meu lado esquerdo (estava na faixa da direita) oiço gritar
Salute!
Viro-me para gritar 
Grazie! 
Mesmo a tempo de ver o vidro da esquerda do tipo parado ao meu lado no semáforo a subir. 

sábado, 1 de agosto de 2020

Ta tãã ta tããã pa pã pãã

O 9º episódio da série Philip K. Dick's Electric Dreams mal tinha começado e o swing rápido surge. O protagonista chama a atenção para o saxofone, cujo solo irá começar segundos depois. Na cabeça fica-me o tema
Ta tãã ta tããã pa pã pãã
ao qual estupidamente não consigo associar o nome. O episódio continua sem conseguir captar grande coisa da minha atenção, a engrenagem da minha cabeça continua a dar voltas, 
Ta tãã ta tããã pa pã pãã
sem conseguir resolver este esquecimento, que me consome e irrita. Para piorar um pouco mais, passados uns minutos, o tema volta novamente a ouvir-se
Ta tãã ta tããã pa pã pãã
e não vai ser a última vez até ao final: quando, a certa altura, o protagonista entra no café, onde já tinha ido e comido uma fatia de bolo e, desta vez, a música ambiente é essa mesmo, que não me sai da cabeça e de cujo nome não me consigo lembrar.

Sento-me com este teclado na mão e deixo o google resolver o meu drama. A solução era relativamente óbvia (ainda há pouco aqui pus uma versão do Pat Martino), o executante bastante menos.


sexta-feira, 31 de julho de 2020

Der frühe Vogel fängt den Wurm

Dirigiu-se à stripper e, com todo o formalismo cavalheiresco, perguntou-lhe se lhe daria o prazer uma dança.

quinta-feira, 30 de julho de 2020

De "hábil" a "habilidoso" não vai uma distância muito grande.

Apesar disso, enquanto o primeiro é, normalmente, um termo mais genuíno, o segundo é, muitas vezes, usado com um tom pejorativo. Mais ou menos como a diferença entre ser esperto e espertinho. Demasiado esperto. Ou chico-esperto. 

quarta-feira, 29 de julho de 2020

Igualdade através de desigualdade

É um lugar-comum dizer que as sociedades ocidentais tendem a privilegiar o indivíduo face ao colectivo enquanto nas sociedades asiáticas a relação é tipicamente inversa. Tal pode ser até ser levado ao extremo de ser definido como subjugação naquelas que não são primam pelos exemplo democrático.  

O caso da China é curioso. Na sua tentativa de instilar uma uniformização de comportamentos, criou um sistema de rating social. Isso, em si, encerra uma contradição: o sistema, para funcionar e atingir o objectivo de tornar todos iguais, tem de distinguir os cidadãos, através de diferentes pontuações num ranking. 

terça-feira, 28 de julho de 2020

La mauvaise éducation

«Je commençais à connaître l'exacte valeur de la langage parlé ou muet de l'amabilité aristocratique, amabilité heureuse de verser un baume sur le sentiment d'infériorité de ceux à l'égard desquels elle s'exerce mais pas pourtant jusqu'au point de la dissiper, car dans ce cas elle n'aurait plus raison d'être. «Mais vous êtes notre égal, sinon mieux », semblaient, par toutes leurs actions, dire les Guermantes; et ils disaient de la façon la plus gentille que l'on puisse imaginer, pour être aimés, admirés, mais non pour être crus; qu'on démêlât le caractère fictif de cette amabilité, c'est ce qu'ils appelaient être bien élevés; croire l'amabilité réelle, c'était la mauvaise éducation.»

Sodome et Gomorrhe, Marcel Proust

segunda-feira, 27 de julho de 2020

Por quem os sinos dobram

Disse mal da minha vida durante os 4 meses e meio que vivi quase paredes-meias com uma igreja, cujos sinos se faziam ouvir, pelos menos, 3 vezes ao dia. Algumas das minhas rotinas não tiveram outro remédio senão adaptar-se e moldar-se ao som metálico (e gravado) que, normalmente, durava perto de cinco minutos de cada. Fechava janelas perto das 12h, quando tinha vídeo-chamadas ou telefonemas, caso contrário era difícil ouvir o que me diziam; o toque das 18h alertava-me para a aproximação do final de dia de trabalho e o das 19h30 lembrava-me de começar a pensar em preparar o jantar. Ao fim-de-semana, os horários eram um pouco diferentes. Em alguns casos, para pior: nas noites mais longas ou de ida mais tardia para a cama, cheguei a ser acordado, no dia seguinte, uma ou outra vez, pelo toque pouco antes das 10h.

De regresso a Lisboa, dei por mim a aperceber-me (consciencializar-me), pela primeira, de que também, por aqui, se ouvem sinos de igreja. O som é bastante mais distante e não consegui ainda depreender a frequência e os horários. Mas até nisso a exposição temporária a sinos estrangeiros me afectou: desenvolvi uma espécie de sino-sensibilidade.  

domingo, 26 de julho de 2020

Bruit

«J'en conclus plus tard qu'il y a une chose aussi bruyante que la souffrance, c'est le plaisir, surtout quand s'y ajoutent (...) des soucis immédiats de propreté.» 

Sodome et Gomorrhe, Marcel Proust

sexta-feira, 24 de julho de 2020

Com salada de pimento

Nos dias que correm, fazer uma greve e obrigar quem não tem transporte próprio a ir (ainda mais) ensardinhado do que o normal dentro de uma carruagem, não é propriamente responsável. Como se não tivesse existido uma discussão sobre a frequência de transportes públicos. 

quinta-feira, 23 de julho de 2020

A marca

Segundo o que foi noticiado pela revista Sábado, o que terá suscitado a indicação (ordem?) para os professores da casa não referirem a sua afiliação quando emitem a sua opinião terá sido a defesa da marca Nova SBE. Resta saber se o custo reputacional de vir a público que uma faculdade prefere que os seus professores não indiquem onde trabalham para não incomodar as instituições filantrópicas não será ainda maior.  

terça-feira, 21 de julho de 2020

segunda-feira, 20 de julho de 2020

Chega pra lá

A recomendação para evitar os cumprimentos com apertos de mão são como música para os ouvidos do Paulinho Santos 

domingo, 19 de julho de 2020

Gouailleuse

« - (...) Tout le monde n'aime pas être pleuré de la même manière, chacun a ses préférences.
- Enfim, il lui a voué un vrai culte depuis sa mort. Il est vrai qu'on fait quelquefois pour les morts des choses qu'on n'aurait pas faites pour les vivants.
- D'abord », répondit Mme de Guermantes sur un ton rêveur qui contrastait avec son intention gouailleuse, «on va à leur enterrement, ce qu'on ne fait jamais pour les vivants!»»

Le côté de Guermantes, Marcel Proust

quinta-feira, 16 de julho de 2020

quarta-feira, 15 de julho de 2020

Reconversão

One child nation é um documentário sobre a política de filho único que vigorou durante décadas na China. Uma das pessoas entrevistadas pela realizadora é a parteira que a ajudou a nascer. À altura, essa senhora, como as demais colegas de profissão, acumulava um conjunto inusitado de tarefas: para além de realizar partos, levava a cabo abortos e esterilizações (forçadas) de mulheres. Hoje em dia, como forma de (auto-) penitência, ajuda casais com problemas de fertilidade. 

domingo, 12 de julho de 2020

Uma questão de asteriscos

Aquando da designação de significant other, de imediato perguntou qual o respectivo p-value. 

sábado, 11 de julho de 2020

Começo a invejar as malas de senhora

Há um momento a partir do qual não se sai de casa sem carteira e chaves. No meu caso, a carteira terá vindo pelos 10 anos, aquando da passagem da escola primária para o ciclo, onde andar com dinheiro passou a ser necessário. As chaves vieram mais tarde: havia sempre alguém em casa. Depois inventaram o telemóvel e, algures lá para o final da minha adolescência, passou a somar-se ao conjunto de coisas que automaticamente coloco nos bolsos antes de sair de casa. Agora passámos também a ter a máscara, que que coloco no móvel de entrada no sítio dos objectos indispensáveis, para evitar esquecimentos pela falta de automatização de hábitos e gestos. 

domingo, 5 de julho de 2020

At arm's length

A distância passou, nos dias que correm, a ser um tópico incontornável por uma razão bastante palpável. Distância física, neste caso. Para além desta, há também uma distância, não necessariamente física, entre pessoas. O relacionamento entre pessoas é, entre outros, função dessa distância, que tem um determinado nível óptimo: há aqueles que funcionam bem aos mesmos 2 metros recomendados pelas autoridades de saúde, como outros a 2 centímetros, e mesmo outros a 2 milhas. No limite, a 2 mil milhas, que começa a ser o equivalente a dizer que o melhor relacionamento é a sua ausência. 

Determinar essa distância não é pêra doce, não é fácil calcular essa função quadrática e maximizá-la. É um equilíbrio, como quase tudo. E como quase todos, difícil de manter, como diz o cliché. O problema é a assimetria do erro por defeito ou por excesso. É perfeitamente possível lidar com o primeiro, quase ad eternum; já o último é, normalmente, irreversível: depois da constatação da falta de adequação, por excesso, de um determinado nível de proximidade, é virtualmente impossível voltar atrás. Pelo que os erros de julgamento tendem a só ser feitos uma vez: a última.   

sábado, 4 de julho de 2020

Prisão domiciliária - 116º dia

É possível que tenha deixado de ser uma prisão. Agora que penso nisso. Em primeiro lugar, pelo regresso a casa, que claramente foi uma considerável melhoria de qualidade de vida. Depois pela habituação, pela normalização, à bruta, de uma circunstância que deveria ser altamente anormal. O eventual regresso ao escritório, seja lá quando isso for, tem o potencial (crescente no número de dias que ficamos em casa) de vir a ser sentido como a prisão que foi a ida para casa. Agora que penso nisso.  

sexta-feira, 3 de julho de 2020

A localidade chama-se Galiza.

Fica no topo (chamemos-lhe assim) de São João do Estoril e tem uma ligação familiar especial. Para além disso, foi na escola desta localidade que andei nos 5º e 6º anos. Lembro-me, naquela altura, quando alguém exclamava perante o curioso toponímico, a piada que mais se fazia nome era dizer que ficava em Espanha. Há uns tempos, ao sair da auto-estrada, passei pela antiga estrada (agora há uma nova que evita passar pela localidade a caminho de São João) e reparei na placa com a indicação do nome: um maduro qualquer acrescentou um "le" no início da palavra. Apeteceu-me voltar atrás e actualizar a piada, substituindo Espanha por Jamaica. 

quinta-feira, 2 de julho de 2020

Cedo erguer

Costumamos dizer de alguém que respeitamos e a quem reconhecemos mérito, que merece que lhe ergam uma estátua. No actual contexto, o homenageado é capaz de recusar.  

quarta-feira, 1 de julho de 2020

Alouette

Aqueles que dizem não se arrepender de nada deviam começar por se arrepender exactamente por dizerem que não se arrependem de nada. Das duas uma: ou não é verdade, ou é altamente irresponsável. 

segunda-feira, 29 de junho de 2020

domingo, 28 de junho de 2020

Cão que ladra

«L'amour? avait-elle répondu une fois à une dame prétentieuse qui lui avait demandé: "Que pensez-vous de l'amour? L'amour? je le fais souvent mais je n'en parle jamais.»

Le côté de Guermantes, Marcel Proust

quinta-feira, 25 de junho de 2020

Arricar-se

De acordo do com o critério etário, a Guerra da Coreia passou a ser um grupo de risco do Covid.

Off with their heads

É possível que a introdução de quotas para determinados cargos, como forma de combater a desigualdade de género, possa conduzir a um aumento das operações de mudança de sexo. 

quarta-feira, 24 de junho de 2020

Tosse

Há umas décadas atrás, os assaltos com agulhas, presumivelmente infectadas com sida, surgiram e passaram a ser a alternativa à mão armada de arma convencional. Hoje, parece que tossir pareceu a ser uma arma que explora o medo do Covid.

terça-feira, 23 de junho de 2020

domingo, 21 de junho de 2020

Prisão domiciliária - 103º dia

Desconfinamento em solo nacional com o receio, em pano de fundo, de um possível futuro confinamento.  

sexta-feira, 19 de junho de 2020

Prisão domiciliária - 101º dia

Sinto-me como os prisioneiros que são transferidos de uma prisão de alta segurança para outra. Continuo encarcerado mas tenho muito mais comodidades.  

terça-feira, 16 de junho de 2020

Os paus já cá cantam, venham os contos

Quando muitos lamentavam a entrada em cena dos euros e o adeus dos escudos, com razões certamente bastante certeiras, a mim ocorria-me a grande perda que seria não voltar a ouvir as denominações de "paus" e "contos", cuja utilização estava submetida a regras muito estritas. Senão veja-se: 500 paus mas nunca meio conto; 1000 paus, raramente um conto (só se fosse dito por uma pessoa de mais idade, seguido de "de reis"); 1500 paus, nunca um conto e meio; 2 contos, nunca 2000 paus, 2 contos e quinhentos, e etc. 

Recentemente, voltei a ouvir a expressão "paus". 20 paus são, nos tempos que correm, 20 euros. Assim como também ouvi 50 paus e 100 paus e por aí fora. Foi toda uma nostalgia que me invadiu, o regresso de uma expressão que não ouvia há décadas, senão quando dito por brasileiros a falar de reais. Há uma certa fase de ajustamento - 20 paus equivalem (nominalmente) aos 4 contos de antigamente, ou seja, não dá para pensar muito nos valores, não vá uma pessoa baralhar-se. Mas depois é aceitar e seguir em frente. 

Aguardo agora pelos contos. 

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Prisão domiciliária - 96º dia

Ao 15º dia de confinamento veio-me à cabeça a música dos Xutos. Ao 96º também, embora com uma perspectiva diametralmente oposta.  

Euros com cêntimos.

O sotaque nortenho saltou logo à vista (ou ouvido, neste caso). Não era daqueles muito carregados e incisivos mas mais do que suficiente para ter uma ideia muito precisa da latitude de origem. O mais interessante surgiu na altura do pagamento, quando me disse que tinha de pagar X euros com Y. Isso mesmo que ouviram (ou leram, neste caso). Não foi X euros e Y cêntimos, a formulação típica e standard. Foi X euros com Y (sem cêntimos a acompanhar), à boa maneira espanhola, algo que eu não tinha visto (nem ouvido) dizer a um compatriota. E depois o murcon sou eu. 

quinta-feira, 11 de junho de 2020

Do the right thing

Finalmente, passados estes anos todos, sentei-me a ver um dos mais aclamados filmes do Spike Lee. Estranhamente, o que mais gostei no filme foi o crescendo de irritação que ele consegue gerar. É possível que, em tempo de confinamento, esteja mais susceptível à irritação. Ainda assim, a constante tensão e fricção entre os personagens é desgastante. A certa altura era já eu próprio que queria saltar para o meio da película e (tentar) fazer com que se calassem. Conclusão: fui para a cama irritado. 

 Dito isto: ainda a meio, cheguei à conclusão de que não iria gostar. Não me enganei: confirmou-se e, quando cheguei ao fim, cheguei à conclusão de que não gostei. Não porque ache que o filme seja mau per se: não é. Ou que faça um mau retrato da realidade: acho que é um retrato fidedigno. E continua a ter uma actualidade arrepiante: vejam-se os recentes acontecimentos nos EUA. 

 O que não me agrada é a nítida intenção de dar uma lição, a carga de didatismo ou proselitismo, que instintivamente me repele. Neste particular, estou com o Ricardo Araújo Pereira, que, segundo o próprio, não faz humor para mudar o mundo, mas para fazer as pessoas rir (um objectivo totalmente inesperado). O Spike Lee tem uma posição diametralmente oposta: a arte serve para mudar o mundo. 

 Não que ache impossível ou errado que a arte faça mudar o mundo: pode ser uma consequência natural. O que irrita é que o ponto de partida seja exactamente esse: mudar o mundo. Parece uma quase presunção ou sobre-autoestima moral. Para senhora sabichona, de dedo em riste, com uma propensão inata para dar sermões aos outros, já me bastou a minha avó.

quarta-feira, 10 de junho de 2020

To give the floor

A expressão to give the floor já é engraçada de se ouvir aquando da passagem de testemunho em apresentações, seminários ou palestras com componente física. Agora, no ambiente virtual em que estas coisas se fazem via webinar, a expressão toda uma nova força.

terça-feira, 9 de junho de 2020

Apron strings

Apenas no contexto da maçonaria a não atribuição de um avental a uma senhora pode ser visto como discriminação de género.

sábado, 6 de junho de 2020

quarta-feira, 3 de junho de 2020

Prisão domiciliária - 85º dia

Sinto o espirro a aproximar-se pouco tempo depois da comichão no nariz e na garganta começar. Nesta altura do ano, o mundo vegetal gosta de me pregar partidas e tem o condão de interferir com o meu bem estar. Viro-me para o lado da estrada, com a boca tapada a tempo do primeiro e, logo a seguir, do segundo. Quando volto os olhos novamente para o passeio, lá à frente, a uns bons 20 metros de mim, duas senhoras, que caminham no passeio na minha direcção, tiram rapidamente as máscaras da respectiva mala e ajustam-na à cara, mesmo a tempo de se cruzarem comigo em perfeitas condições de segurança.

segunda-feira, 1 de junho de 2020

Pêle-mêle

Quando o médico lhe disse que tinha um problema de higiene de sono, não conseguiu evitar insurgiu-se perante as acusações de, digamos, badalhoquice e perguntou-lhe se tomar banho antes de ir para a cama resolveria o problema.

domingo, 31 de maio de 2020

sexta-feira, 29 de maio de 2020

quinta-feira, 28 de maio de 2020

Vertu

«(...) ce n'est pas que la richesse sans plus, la richesse sans la vertu, fût aux yeux de Françoise le bien suprême, mais la vertu sans la richesse n'était pas non plus son idéal. La richesse était pour elle comme une condition nécessaire de la vertu, à défaut de laquelle la vertu serais sans mérite et sans charme. Elle les séparait si peu qu'elle avait fini par prêter à chacune les qualités de l'autre, à exiger quelque confortable dans la vertu, à reconnaître quelque chose d'édifiant dans la richesse.»

Le côté de Guermantes, Marcel Proust

quarta-feira, 27 de maio de 2020

Prisão domiciliária - 78º dia

À chegada ao supermercado, duas senhoras aguardavam a sua vez de entrar, algo que, normalmente, não acontece a esta hora matinal. Permaneci na fila, atrás delas, respeitando a distância protocolar, até, pelas portas automáticas, sair a pessoa que me deu o seu lugar. Entrei, coloquei nas mãos o desinfectante fornecido à entrada e segui esfregando-as, preparando-me para começar o monótono processo das compras, tentando navegar pelo espaço exíguo sem me aproximar demasiado dos outros e, ao mesmo, sem deixar que os outros se aproximem demais de mim. Alguns minutos depois, após ter passado a secção das frutas e legumes, onde normalmente dedico uma grande parte de todo o tempo empregue no abastecimento alimentar, apercebo-me que me esqueci de ajustar a máscara a tapar a boca e o nariz: ainda está como saí de casa, ao queixo, onde a deixo até entrar em sítios fechados, para minimizar o desconforto. Não há rigorosamente nada estranho com o meu esquecimento; ao invés, é absolutamente inacreditável que ninguém me tenha chamado a atenção, de forma escandalizada, para a minha falha.

terça-feira, 26 de maio de 2020

Version N.0

O populismo de Steve Bannon, segundo o próprio, só é, ao fim do dia, diferente do da esquerda de Bernie Sanders na medida em que apresenta soluções distintas. Na génese, ambos identificam correctamente o mesmo problema: o actual sistema capitalista de oligarcas e servos (servos russos, para ser mais preciso). Não consigo perceber se Marx estará a anuir ou a dar voltas na campa.

domingo, 24 de maio de 2020

Être dans les choux

Van Gogh enveredou pela pintura depois de ter chegado à conclusão que não tinha grande ouvido para a música.

sábado, 23 de maio de 2020

Embaixada da língua

Se a embaixatriz é a esposa do embaixador, então actriz devia ser a mulher do actor. Já a mulher que impera deveria ser a imperador e a que representa deveria ser actora. Analogamente, o esposo da embaixadora deveria ser o embaixatriz, o da imperadora deveria ser o imperatriz e da actora o actriz.

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Prisão domiciliária - 73º dia

Em Roma sê romano: coloquei duas salsichas bojudas na frigideira quente, ao mesmo tempo que um bocado de arroz fervia num pequeno tacho. As salsichas têm um formato arredondado, o que faz com que repousem naturalmente em alguns lados e outros fiquem naturalmente sem contacto com a superfície quente. Para evitar que partes ficassem com uma coloração rosado-crua e outras escuro-carbonizada, fui ajeitando, de garfo e faca na mão, para forçar que o calor fosse uniformemente aplicado. Tarefa nem sempre fácil, uma vez que se tratava de duas e não apenas uma mas, devo dizer, estava a sair-me relativamente bem quando, já perto de um grau de fritura satisfatório, um som estridente e ensurdecedor (e enlouquecedor) se fez ouvir pelo apartamento, bem como, calculo, por toda a vizinhança.

Tratava-se do pequeno aparelho redondo, branco, colocado no tecto da sala, a que vulgarmente chamam detector de incêndio, e que gritava a plenos pulmões, com uma pequena luz vermelha a pulsar. Não tive muito tempo para aprofundar a profunda (pleonasmo à parte) falta de lógica: já fiz tanta coisa nesta cozinha com igual grau de frigideira, não se entende o porquê desta queixa súbita e histérica. Atravesso a sala de frigideira na mão (não tentem isto em casa), abro a porta que dá para varanda e ai coloco a fonte do sinistro, longe da fonte do ruído. De seguida abro todas as janelas possíveis e imaginárias (esta casa tem mesmo muitas janelas), abro a porta do quarto, que tinha fechado por causa do cheiro, e também aí escancaro as janelas e, finalmente, a porta da rua, para forçar uma corrente de ar.

O aparelho infernal não pára. Já a imaginar uma invasão de bombeiros, já a imaginar todo o género de explicações - juro que estava só a fazer o jantar, pode ver, ainda está na varanda, tem bom aspecto, não tem? Não senhor, não fumo! - reparo, repentinamente, que há um pequeno botão, uma espécie de uma patilha mesmo ao lado da irritante luz vermelha que pulsa freneticamente. Pego na cadeira, ponho-me em cima, e carrego naquela coisa em desespero de causa. O barulho continua. Carrego novamente, com mais convicção, com muita mais convicção, com a convicção de quem está farto desta chinfrineira e só quer o jantar que lentamente arrefece ao ar livre da varanda.

O aparelho infernal não pára. Desisto, salto da cadeira, quem te disse que aquela patilhazita é para se carregar, se calhar aquela porcaria daquele botão não serve para nada ou então serve para outra porcaria qualquer. Considero pegar nos papéis que me entregaram quando me mudei, com os contactos a utilizar em caso de emergência. Quando revolvo a cabeça à procura do local onde os guardei, sou obrigado a reconhecer que, de repente, tudo parece silencioso. Redirecciono a atenção da procura dos papéis para o aparelho infernal e reparo que se calou.

Pego na frigideira e ponho-a novamente na chapa, mais que não seja para voltar a aquecer as salsichas. Reparo que, na confusão, me esqueci do arroz, que começa a querer pegar ao tacho: retiro da chapa, mexo rapidamente e alegro-me por ver que não chegou a queimar. Ponho tudo no prato, onde já estavam os brócolos. Fecho quase todas as janelas e deixo só as que têm rede mosquiteira. Finalmente janto.

quarta-feira, 20 de maio de 2020

Linearidade

De mau que era a fazer associações, traçava paralelos entre assuntos totalmente ortogonais.

terça-feira, 19 de maio de 2020

À prende avec des gants

Apesar do combate à corrupção, patente em processos judiciais de grande mediatismo, envolvendo altas figuras da nossa sociedade, a verdade é que parece que pouco progresso foi alcançado: nunca se ouviu falar tanto de luvas como agora.

segunda-feira, 18 de maio de 2020

Prisão domiciliária - 69º dia

Primeira refeição num restaurante em meses. A empregada de mesa recebe-nos de máscara (quase não se percebe o que diz), leva-nos para uma mesa socialmente distante. Regressa com uma folha A4 plastificada (e desinfectada), a fazer de menu, e um impresso para preenchermos o nome, contacto, data e hora.

domingo, 17 de maio de 2020

Au fur et à mesure

If all of this sounds familiar, it’s because, pre-Covid, this precise app-driven, gig-fuelled future was being sold to us in the name of friction-free convenience and personalisation. But many of us had concerns. About the security, quality and inequity of telehealth and online classrooms. About driverless cars mowing down pedestrians and drones smashing packages (and people). About location tracking and cash-free commerce obliterating our privacy and entrenching racial and gender discrimination. About unscrupulous social media platforms poisoning our information ecology and our kids’ mental health. About “smart cities” filled with sensors supplanting local government. About the good jobs these technologies wiped out. About the bad jobs they mass produced.

And most of all, we had concerns about the democracy-threatening wealth and power accumulated by a handful of tech companies that are masters of abdication – eschewing all responsibility for the wreckage left behind in the fields they now dominate, whether media, retail or transportation.

That was the ancient past, also known as February. Today, a great many of those well-founded concerns are being swept away by a tidal wave of panic, and this warmed-over dystopia is going through a rush-job rebranding. Now, against a harrowing backdrop of mass death, it is being sold to us on the dubious promise that these technologies are the only possible way to pandemic-proof our lives, the indispensable keys to keeping ourselves and our loved ones safe.

sábado, 16 de maio de 2020

Tell me lies, tell me sweet little lies

«Le genre de fraude qui consiste à avoir l'audace de proclamer la vérité, mais en y mêlant pour une bonne part des mensonges qui la falsifie, est plus répandu qu'on ne pense et même chez ceux qui ne le pratiquent pas habituellement, certaines crises dans la vie, notamment celles où une liaison amoureuse est en jeu, leur donner l'occasion de s'y livrer.»

À l'ombre des jeunes filles en fleurs, Marcel Proust

quinta-feira, 14 de maio de 2020

terça-feira, 12 de maio de 2020

Pombos faquir

Adaptaram-se aos espigões metálicos, colocados nos edifícios, para evitar que aí posem e nidifiquem.

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Prisão domiciliária - 64º dia

Quando penso na módica quantia de 35 paus que vai custar o meu corte de cabelo - agendado para a próxima 6a feira, a primeira vaga disponível - comparo o absoluto com o relativo (parar me sentir um pouco melhor): é certo que 35 paus é extorsão pura mas, por quantidade de cabelo que será efectivamente cortado, é capaz de ser dos cortes mais baratos que alguma vez fiz.

domingo, 10 de maio de 2020

As escadas de metal estão perto do canto esquerdo da varanda.

Há uma pequena parte da barreira metálica, que separa a varanda do vazio, que abre como uma pequena portinhola, para um patamar metálico, a partir do qual estão os degraus que levam, passando pelas varandas dos restantes andares até ao chão. Uma estrutura metálica redonda acompanha os degraus, como que fechando quem sobe ou desce dentro de um casulo, desta forma evitando que possa cair de costas.

Pela porta de vidro que dá para a varanda, vejo subitamente alguém: uma miúda, talvez dos seus vinte anos, acabada de trepar escadas acima, ficou imobilizada no pequeno patamar metálico assim que me viu encolher as mãos e levantar os braços, perante a invasão inusitada. Abro a porta e, ironicamente, digo-lhe
Hi
Como se fosse normal cumprimentar cordialmente quem invade a casa alheia. Ficou manifestamente incomodada, desfez-se em desculpas
I just wanted to see what was up here.
que me soa verdadeiramente parvo como justificação. Respondo
My flat.
afirmação dificilmente refutável e com a vantagem de trazer, implicitamente acoplada, a exclamação Clooneana "what else...?". Ela desculpa-se novamente enquanto inicia o processo de descida. Digo-lhe
That's ok
Que é como quem diz, aceito a desculpa, mas não me andes para aí a subir às varandas dos outros.

sábado, 9 de maio de 2020

Autoria

No campo cientifico, as co-autorias em artigos e livros são bastante comuns. Na literatura, parece sequer bizarro pensar numa obra escrita por mais de duas mãos. Na música, há géneros onde as músicas são atribuídas a vários; já na música clássica, fala-se no compositor da sinfonia, do concerto, da ópera, na forma singular (apesar de Rimsky-Korsakov parecer uma dupla eslava) embora, certas peças possam ser interpretadas a quatro ou mais mãos no mesmo teclado. O mesmo com a pintura.

quinta-feira, 7 de maio de 2020

Em ré

O requiem de Mozart é, naturalmente, uma peça em ré menor. Se fosse em dó, seria um doquiem; em mi seria miquiem. Faquiem, ainda mais apelativo para os anglo-falantes. Sibemolquiem. Etc.

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Macaquinho de imitação

Nas poucas vezes em que participei (tive que participar) em cerimónias religiosas, senti-me como quando se vai a uma aula de exercício físico pela primeira vez: passei o tempo a olhar para o que os outros faziam e tentei acompanhar.

terça-feira, 5 de maio de 2020

Libre penseur

«À côté de mon assiette je trouvai un oeillet dont la tige était enveloppée dans du papier d'argent.Il m'embarrassa moins que n'avait fait l'enveloppe remise dans l'antichambre et que j'avais complètement oubliée. L'usage, pourtant aussi nouveau por moi, me parut plus intelligible quand je vis tous les convives masculins s'emparer d'un oeillet semblable qui accompagnait leur couvert et l'introduire dans la boutonnière de leur redingote. Je fis comme eux avec cet air naturel d'un libre penseur dans une église, lequel ne connaît pas la messe, mais se lève quand tout le monde se lève et se met à genoux un peu après que tout le monde s'est mis à genoux.»

À l'obre des jeunes filles en fleurs, Marcel Proust

segunda-feira, 4 de maio de 2020

Foda-se

No código penal da minha avó, o crime de proferir um palavrão tinha, como sentença associada, a colocação de pimenta na língua. Devia ter-lhe perguntado: e se o palavrão for escrito? Pimenta nos dedos não parece ter grande efeito.

domingo, 3 de maio de 2020

Ad

De misógino que era, nunca fazia argumentos ad hominem: apenas ad mulherem.

quinta-feira, 30 de abril de 2020

Exclusão alimentar

Vegetariano, ficou ofendido quando descobriu que o faqueiro apenas tinha talheres específicos para refeições de carne e de peixe.

quarta-feira, 29 de abril de 2020

Vai para baixo

Tinha tanto azar que, quando chegou a sua vez de apanhar o elevador-social, deflagrou um incêndio e o aparelho imobilizou-se no rés-do-chão.

terça-feira, 28 de abril de 2020

Metade

Acusou-o de ser um misógino. Respondeu-lhe que só tinha percebido metade: na verdade era um misantropo, pelo que à misógina faltava ainda somar a misandria.

segunda-feira, 27 de abril de 2020

Droga

«Et de fait, l'amour de Swann en était arrivé à ce degré où le médecin et, dans certaines affections, le chirurgien le plus audacieux, se demandent si priver un malade de son vice ou lui ôter son mal, est encore raisonnable ou même possible.»

À la recherche du temps perdu, Marcel Proust

domingo, 26 de abril de 2020

Narrativa

No título da notícia, há uma referência à narrativa oficial do governo chinês ao combate há pandemia. Como é expectável, trata-se da possível discrepância entre a forma demasiado rosada como as autoridades estarão a comunicar o processo e o regresso à normalidade e aquilo que verdadeiramente aconteceu no local.

Há uns tempos, um amigo chamou-me a atenção para o emprego que, hoje em dia, se faz, amiúde, da palavra "narrativa". Da mesma forma que, neste exemplo, o governo chinês tem uma narrativa (que pode ser mais abrangente do que o episódio de combate ao Covid-19), há tantas outras narrativas. A esquerda e a direita têm as suas narrativas, as religiões têm as suas narrativas. Outro exemplo: a narrativa (ou uma das) deste governo PS é que pôs fim à austeridade, algo que é contestado por outros partidos e sensibilidades políticas. Até as pessoas que acreditam que a Terra é plana tem a narrativa delas: acreditam que a Terra é plana.

O termo "narrativa" remete-me, de forma quase automática, para uma carteira de sala de aula, que eu ocupava na pré-adolescência. A disciplina é, naturalmente, português, na altura em que abordámos as particularidades deste tipo de texto, os seus elementos - acção, tempo, personagens, narrador, etc.. Lembro-me (surpreendentemente) relativamente bem da professora desta disciplina: costumava insistir, com alguma veemência, na forma como avaliávamos se o narrador era participante ou não-participante: "entra na história...? Mas bate à bota e pergunta "posso entrar?", é isso?".

Em si, narrar é contar, descrever, relatar algo e esse algo pode ser a realidade. Intuitivamente, reservo o verbo "narrar" para aquelas histórias que os anglo-falantes definem como "stories", para distinguir de History, e que tem um equivalente (horripilante) no novo acordo da língua portuguesa sob a forma de "estórias". Ou seja, associo "narrativa" a ficção. Por isso, parece-me inadequado quando se pretende narrar a realidade: é tratá-la como se fosse uma história (estória).

Há o espaço para a subjectividade da interpretação daquilo que é: será um sucesso ter apenas o número de vítimas mortais registado oficialmente, ou será um desastre termos todos estes falecidos contabilizados? Seguramente haverá uma narrativamente para as posições, assim como inúmeras outras para outras posições intermédias ou mais extremadas. Mas o ponto é esse: mesmo em face do mesmo, é uma posição sobre o que significa.

Donde, como sugestão de resolução deste profundo dilema: se fizer sentido, basta substituir a palavra "narrativa" por "opinião", "teoria" ou "hipótese". Porque, normalmente, não é mais do que isso: é uma forma de ver e interpretar a realidade. Certo que, em alguns casos, estamos claramente no campo daquela ficção das história (estórias): por exemplo, no que concerne à hipótese/teoria/opinião que defende que a Terra é plana. Excluindo esses casos da mais obtusa negação da realidade, a troca parece funcionar bem.

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Love in an elevator

Toda a gente sabe identificar uma boa música de elevador. Já música de elevador-social parece ao alcance de poucos.

quarta-feira, 22 de abril de 2020

Prisão domiciliária - 43º dia

Ao fim de algum (bastante) tempo, a perspectiva de regresso à normalidade quase parece desencadear agorafobia.

sábado, 18 de abril de 2020

Prisão domiciliária - 39º dia

Pior do que estar fechado em casa é estar fechado em casa a gramar com a música pindérica que algum vizinho resolveu pôr aos berros. Já dizia o outro: l'enfer c'est les autres.

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Infinitivar

Dizer que o Secretário de Estado da Saúde por vezes, fala assim, ou seja, inicia as frases com um verbo no infinitivo.

Realçar que não é o único, é uma prática que se verifica em diferentes contextos,

Acrescentar que é bastante recorrente notório na televisão, nos telejornais, especialmente nos casos de jornalistas que fazem directos.

Indicar que não dei conta quando quando começou.

Agradecer ao Ricardo Araújo Pereira, que foi quem me despertou para o fenómeno, referindo-se às pessoas que dizem frases que podem, genericamente, começar com a expressão "grande chefe índio"

Expressar, nesta fase, alguma incompreensão: a que se deve esta renitência em conjugar verbos? Tratar-se-á de uma moda que ninguém sabe de onde brotou? Será, pura e simplesmente, preguiça?

Enfatizar que é um hábito um bocado ridículo.

Pedir que parem com esta parvoíce e voltem a conjugar.

quinta-feira, 16 de abril de 2020

Mi-voix

«Dans la chambre voisine, j'entendais ma tante qui causait toute seule à mi-voix. Elle ne parlait jamais qu'assez bas parce qu'elle croyait avoir dans la tête quelque chose de cassé et de flottant qu'elle eût déplacé en parlant trop fort, mais elle ne restait jamais longtemps, même seule, sans dire quelque chose, parce qu'elle croyait que c'était salutaire pour sa gorge et qu'en empêchant le sang de s'y arrêter, cela rendrait moins fréquents les étouffements et les angoisses dont elle souffrait»

Du côté de chez Swann, Marcel Proust