Há já alguns meses que não falávamos. Aí desde o início do verão. Uma das coisas que lhe disse, na altura, foi para ver o Mecanismo, a série do Padilha. Desta vez, a conversa começou pela obrigatoriedade de votar de acordo com a lei brasileira, sob pena de coisas como, entre tantas outras, não poder renovar o passaporte, ser negado um pedido de empréstimo no banco, o ingresso na faculdade ser barrado. Ela disse que tinha votado nas últimas presidenciais e tinha guardado religiosamente o comprovativo, como sempre faz. E acrescentou que o voto tinha sido no Bolsonaro - o tema que, só aqui entre nós, eu queria aproveitar para discutir com eles, dois brasileiros dos seus 40 e picos anos.
Lancei mais algumas achas, o seguinte para a fogueira ganhar uma dimensão crítica e, a partir daí, arder por si: e esta do Moro aceitar ser ministro da Justiça? Defenderam a decisão dele, argumentando que é a única forma de acabar de fazer aquilo que começou enquanto juiz, sem os entraves e bloqueios que lhe foram semeando pelo caminho, e rodeado de pessoas da sua inteira confiança, sem ligações partidárias. Porque é preciso pôr ordem no país. E só um governo como o do Bolsonaro o pode fazer. Porque é preciso acabar com o ciclo da corrupção. Viu quando tentaram arranjar uma ordem de tribunal para pôr o Lula fora da prisão outra vez?
A forma como mentem descaradamente às pessoas. Olha o apartamento do Guarujá. É possível que seja o apartamento de um amigo e o Lula vai lá mais vezes que o amigo?? Há uma fotografia gigante dele na entrada? Você faria isso na casa do seu amigo, botar uma foto enorme sua na entrada?? Respondo negativamente e relembro que temos um ex-primeiro-ministro a contas com a Justiça por algo bastante similar. Têm a mesma escola, aprenderam uns com os outros, são farinha do mesmo saco.
E não são só os ricos e poderosos que se alimentam. Olha as bolsas que foram criadas para pobres. Pede-me desculpa por aquilo que acrescenta de seguida
Qual é a única coisa que pobre sabe fazer? É ter filho.
O montante é uma ninharia mas são importantes para a franja da população mais pobre, que se dedica a ter filhos como fonte de rendimento, através da acumulação destes apoios estatais. No fundo, são mecanismos de fidelização eleitoral: na prática, não são tomadas medidas que verdadeiramente mudem a vida destas populações e que lhes dêem melhores condições e possibilidades de vida; dão-lhes a esmola que lhes permite (sobre)viver e não mais, para que se tornem e permaneçam dependentes.
E o caso caricato das designadas bolsas-presidiário (cuja existência desconhecia), atribuídas aos dependentes de pessoas encarceradas. Não concordam com as visitas conjugais dos reclusos, mesmo quando tento contrapor dizendo que também têm direitos e relembrando a discussão suscitada pela recente greve dos guardas prisionais em Portugal. Descrevem-me como são as visitas conjugais domingueiras no país deles, que envolvem várias tendas no pátio da prisão. E, o que mais os escandaliza, a utilidade destas visitas para o aumento da prole e, neste caso concreto, a acumulação de bolsas atribuídas pelos filhos e pelo "estatuto" de presidiário.
Como é possível que isto aconteça quando há mulheres a dar à luz no chão de um hospital no Rio de Janeiro porque não há ninguém para tratar delas? - diz-me com a voz um pouco trémula e os olhos a humedecer ligeiramente. O vídeo circulou pela internet, encontrei esta reportagem da Globo.
E as questões de segurança. Ou melhor, de insegurança.
O que faz uma pessoa que sai à rua com um fusil? Não pode ser coisa boa. E não há outra forma de lidar com situações deste género senão recorrendo a mão pesada, acção decisiva. Aproveito para ir até às Filipinas e arrastar o encantador Duterte para a discussão mais a sua política musculada (um pleonasmo de utilização frequente neste contexto) de atirar a matar antes de julgar.
Tem que ser!
Tentam convencer-me (convencer-se?) que é a única forma de poder reganhar o controlo da situação. Porque a impunidade é demasiada, fazem o que querem.
E os casos de abusos sexuais nos transportes públicos. "O ser humano" (ele usa esta expressão nas descrições) não faz mais nada, coloca-se de pé ao lado da mulher e satisfaz-se à frente de toda a gente. Ela complementa: já foi vítima de uma situação destas, era ainda uma adolescente de 16 anos. Ficou sem reacção, sem saber como reagir e defender-se. Se bem que a possibilidade de defesa, em princípio, não é muito elevada, já que quem ousa contestar é, de imediato, ameaçado ou alvo de represálias.
E é escusado ir à polícia. A polícia não faz nada. A polícia também tem medo, evita o confronto e foge como qualquer outro. Já para não dizer que também recebe dos próprios bandidos. Que fazer quando lhes pagam 1000 reais por mês? O bandido vem e só precisa perguntar quanto ele quer para olhar para o outro lado. Os pais dele, quando os visita nas férias, dizem-lhe para fazer sempre o que a polícia disser e para não abrir a boca em nenhuma circunstância.
Com o seu sotaque meio quebrado, percebem que você não é de cá e vão pensar que tem dinheiro.
Foi a minha vez de me desculpar antes de falar, pela pergunta que ia fazer e atrevi-me a fazê-la: não têm medo que o Brasil vire um estado autoritário e repressivo?
Confesso que, a esta pergunta, esperava uma resposta mais contida, que admitisse alguns riscos e perigos de perda de liberdades mas que estes, ainda assim, fossem compensados pelas vantagens que a mudança de presidente acarretaria. Nada disso:
Quem me dera! Ao menos podia sair à rua!
Têm idade suficiente para ter vivido algum tempo durante a ditadura brasileira, enquanto eram miúdos, e não era assim tão mau como dizem. Os brasileiros que vêm para cá acham Portugal um paraíso. E é nesta senda que, a certa altura, atravessa para este lado do Atlântico e diz o nome Salazar, preparando-se para acrescentar qualquer coisa como "também fez coisas boas". É nesse preciso momento que o interrompo, não permito que termine essa frase, não consigo senão contrapor. Começo por lhe dizer que, se ainda vivêssemos nesse tempo, não poderíamos sequer ter a conversa que estávamos a ter. Acrescento mais exemplos de censura, da falta de liberdade de imprensa, da PIDE e dos presos políticos. Neste caso - e só mesmo neste - consigo fazê-los recuar um pouco. A certa altura admitem que a ditadura portuguesa possa ter sido pior do que a brasileira. Como se existisse uma espécie de escala, de pantone para avaliar a gradação dos regimes autoritários.
É tarde. Ela entra noutra divisão por um bocado. Vai buscar o casaco e as suas coisas para sair. Eu já estou de casaco vestido e a preparar-me para ir embora. Ele ainda vai ficar.
O que está escrito na bandeira não é mais.
Diz-me, os olhos vidrados no vazio do chão de pedra.
domingo, 30 de dezembro de 2018
sábado, 29 de dezembro de 2018
sexta-feira, 28 de dezembro de 2018
quinta-feira, 27 de dezembro de 2018
quarta-feira, 26 de dezembro de 2018
terça-feira, 25 de dezembro de 2018
segunda-feira, 24 de dezembro de 2018
Benéfico a longo prazo
«Em cada uma das conversas de 1973, Mao fez questão de transmitir a impermeabilidade da China a qualquer forma de pressão, mesmo e talvez especialmente à pressão nuclear. Se uma guerra nuclear matasse todos os chineses com mais de trinta anos, disse ele em fevereiro, isso podia revelar-se benéfico a longo prazo para a China, ao ajudar a unificá-la linguisticamente: «Se a União Soviética lançasse as suas bombas e matasse todos os que têm mais de 30 anos e são chineses, isso resolver-nos-ia o problema [da complexidade dos muitos dialectos da China]. Porque as pessoas de idade como eu não conseguem aprender chinês [mandarim].»»
Da China, Henry Kissinger
Da China, Henry Kissinger
domingo, 23 de dezembro de 2018
sábado, 22 de dezembro de 2018
sexta-feira, 21 de dezembro de 2018
quarta-feira, 19 de dezembro de 2018
Vai Formosa e não segura
Não é China. Mas também não é o Japão ou a Coreia. É uma mistura, um caldeirão onde se misturam uma série de ingredientes diferentes, que resultam num caldinho único.
Faz-me evocar o The man in the high castle, romance no qual Philip K. Dick constrói uma História alternativa, resultante de um desenlace diferente na Segunda Guerra Mundial: parte da premissa da vitória da Alemanha nazi e do Japão e imagina o que resultaria desse cenário. No caso de Taiwan, o exercício seria a elaboração de um contrafactual que resultaria de assumir que o Partido Comunista não tinha ganho ao Partido Nacionalista no final da década de 40. Pura especulação: é muito difícil atribuir uma probabilidade à possibilidade de o resto da China continental se tornar em algo similar ao que é actualmente aquela ilha.
Faz-me evocar o The man in the high castle, romance no qual Philip K. Dick constrói uma História alternativa, resultante de um desenlace diferente na Segunda Guerra Mundial: parte da premissa da vitória da Alemanha nazi e do Japão e imagina o que resultaria desse cenário. No caso de Taiwan, o exercício seria a elaboração de um contrafactual que resultaria de assumir que o Partido Comunista não tinha ganho ao Partido Nacionalista no final da década de 40. Pura especulação: é muito difícil atribuir uma probabilidade à possibilidade de o resto da China continental se tornar em algo similar ao que é actualmente aquela ilha.
segunda-feira, 17 de dezembro de 2018
Dou por mim precisamente no mesmo sítio do aeroporto de Pequim:
ao fundo de umas escadas, obrigam-nos a dar volta por debaixo do lance e desembocar numa fila. Uma espécie de déjà vu que me leva a questionar se não estarei no Matrix. À frente, está um tipo que verifica o passaporte e o cartão de embarque e nos tira uma fotografia com uma câmara de computador. Depois deste primeiro controle, segue-se uma única fila para o aparelho de raio X.
A mesma rotina: retiro a máquina de dentro da mochila almofadada, espalho o corpo e as lentes num daqueles recipientes de plástico que parecem adequados para expor uns robalos ou fanecas, em cima de gelo, num mercado de peixe. Tudo decorrer com a maior normalidade até a funcionária que inspeciona as minhas coisas desligar, rudemente, o cabo USB que ligava ao meu telemóvel ao power bank.
De seguida, perscrutou intensamente o power bank, olhou detalhadamente enquanto virava o aparelho em todos ângulos. Mostrou a outro colega, o tipo que estava a controlar o monitor do raio X e que que, após alguns segundos, lhe devolveu o power bank com um encolher de ombros. Ao terceiro funcionário, já tinha arrumado todas as restantes tralhas e posto o cinto nas calças, recebo uma instrução
Come with me, sir
Leva-me pelo mar de outros aparelhos para verificar o interior das posses dos passageiros – ao qual os que estão em trânsito para as três regiões especiais não têm acesso – até a um balcão onde está o encarregado de segurança do aeroporto, a quem entrega o power bank.
Demora algum tempo até, também ele, se dedicar a examinar o aparelho. Sem que me tivesse sido explicado nada até ao momento, aproveito para lhe perguntar qual é o problema. Responde-me qualquer coisa e eu pouco ou nada percebo. Pega noutro power bank e mostra-me as especificações de capacidade que este tem escrito no próprio corpo e que, pelos vistos, o meu não tem. Argumento que então basta ver o modelo e procurar online as especificações e já estou com o telemóvel em riste quando me diz que isso não é possível.
Why?
It’s the rule.
Respiro fundo.
This is unacceptable (o “un” pronunciado com forte ênfase)
Digo-lhe que (i) a semana passada passei por aquele mesmo aeroporto e não levantaram problemas (ii) o power bank me custou perto de 100 euros (mais para os 50 ou 60) (iii) que estou quase sem bateria no telemóvel porque não permitem que se faça o carregamento dentro do avião.
May be unacceptable but it’s the rule
Digo-lhe que quero fazer uma queixa.
Complaint?
De início não percebe; depois aponta-me para um número de telefone. Atiro-lhe o saco de pano que vinha com o power bank para guardar e o cabo de alimentação e viro-lhe costas.
A mesma rotina: retiro a máquina de dentro da mochila almofadada, espalho o corpo e as lentes num daqueles recipientes de plástico que parecem adequados para expor uns robalos ou fanecas, em cima de gelo, num mercado de peixe. Tudo decorrer com a maior normalidade até a funcionária que inspeciona as minhas coisas desligar, rudemente, o cabo USB que ligava ao meu telemóvel ao power bank.
De seguida, perscrutou intensamente o power bank, olhou detalhadamente enquanto virava o aparelho em todos ângulos. Mostrou a outro colega, o tipo que estava a controlar o monitor do raio X e que que, após alguns segundos, lhe devolveu o power bank com um encolher de ombros. Ao terceiro funcionário, já tinha arrumado todas as restantes tralhas e posto o cinto nas calças, recebo uma instrução
Come with me, sir
Leva-me pelo mar de outros aparelhos para verificar o interior das posses dos passageiros – ao qual os que estão em trânsito para as três regiões especiais não têm acesso – até a um balcão onde está o encarregado de segurança do aeroporto, a quem entrega o power bank.
Demora algum tempo até, também ele, se dedicar a examinar o aparelho. Sem que me tivesse sido explicado nada até ao momento, aproveito para lhe perguntar qual é o problema. Responde-me qualquer coisa e eu pouco ou nada percebo. Pega noutro power bank e mostra-me as especificações de capacidade que este tem escrito no próprio corpo e que, pelos vistos, o meu não tem. Argumento que então basta ver o modelo e procurar online as especificações e já estou com o telemóvel em riste quando me diz que isso não é possível.
Why?
It’s the rule.
Respiro fundo.
This is unacceptable (o “un” pronunciado com forte ênfase)
Digo-lhe que (i) a semana passada passei por aquele mesmo aeroporto e não levantaram problemas (ii) o power bank me custou perto de 100 euros (mais para os 50 ou 60) (iii) que estou quase sem bateria no telemóvel porque não permitem que se faça o carregamento dentro do avião.
May be unacceptable but it’s the rule
Digo-lhe que quero fazer uma queixa.
Complaint?
De início não percebe; depois aponta-me para um número de telefone. Atiro-lhe o saco de pano que vinha com o power bank para guardar e o cabo de alimentação e viro-lhe costas.
domingo, 16 de dezembro de 2018
Entro no autocarro e pergunto ao condutor quanto custa o bilhete.
Mostra-me um sinal onde está escrito 30 dólares taiwaneses. Tiro uma nota de 100 da carteira e, de imediato, o condutor diz-me
No change
Abro a bolsa onde estão as moedas e navego os dedos para separar as locais dos poucos euros. Sai-me uma moeda de 50 e algumas de 5. Começo a contar as de 5: são precisamente 5. Perante este cenário, preparo-me para colocar a moeda de 50 na ranhura e perder 20 dólares de troco
Passados uns dias, num café, peço aquele expresso pós-prandial que me vai ajudar a sobreviver mais uma tarde. Que, nestes sítios, é normalmente bastante caro face ao nível de preços – facilmente chega a metade do valor de uma refeição barata de rua. Pago e só depois me perguntam se é normal ou duplo, distinção que me esqueci de explicitar. Digo que quero duplo (peço quase sempre duplo) mas, entretanto, já tinha pago o preço do normal.
It’s ok
Diz-me a funcionária que me prepara o café e, pouco depois, o traz à minha mesa.
No change
Abro a bolsa onde estão as moedas e navego os dedos para separar as locais dos poucos euros. Sai-me uma moeda de 50 e algumas de 5. Começo a contar as de 5: são precisamente 5. Perante este cenário, preparo-me para colocar a moeda de 50 na ranhura e perder 20 dólares de troco
Passados uns dias, num café, peço aquele expresso pós-prandial que me vai ajudar a sobreviver mais uma tarde. Que, nestes sítios, é normalmente bastante caro face ao nível de preços – facilmente chega a metade do valor de uma refeição barata de rua. Pago e só depois me perguntam se é normal ou duplo, distinção que me esqueci de explicitar. Digo que quero duplo (peço quase sempre duplo) mas, entretanto, já tinha pago o preço do normal.
It’s ok
Diz-me a funcionária que me prepara o café e, pouco depois, o traz à minha mesa.
sábado, 15 de dezembro de 2018
Em tudo parecida a qualquer das outras que se vêem por estas ruas.
Os mais de 30 kms calcorreados em dois dias, de mochila com a máquina fotográfica pesada às costas, fizeram-me as pernas e as costas um pouco moídas Saio do apartamento pelas 18h30, para fazer a massagem antes do jantar.
Indico à senhora atrás do balcão que quero a full body massage de uma hora, sem óleo, que custa 700 dólares taiwaneses, um pouco menos de 20 euros. Sento-me no sofá para tirar os sapatos, que ela guarda num armário donde também tira os chinelos que vou usar. Indica-me as escadas para o piso superior e, uma vez lá em cima, uma das divisórias, que têm um colchão no chão. Dá-me uns calções e uma espécie de colete para o cobrir o torso.
Estou a tentar perceber como se ata o cordão do colete à minha volta quando entra a massagista, que me ajuda com o processo. Recebo a instrução para me deitar de barriga para baixo e ela abre as hostilidades, massajando dos glúteos até aos ombros e pescoço. De seguida, diz-me para me virar de barriga para cima e é a vez das minhas pernas serem massacradas: gémeos, quadricipedes, adutores, todos são torturados. Por vezes a massagista usa o seu antebraço para pressionar ainda mais fortemente os músculos. Numa das ocasiões, coloca-me primeiro com a perna direita a passar sobre a esquerda e passa fortemente o braço sobre o meu glúteo estirado.
Assim como a senhora não se coíbe de me dar pancada, também eu não me inibo de largar um ai ou um ui. Penso cá para os meus botões que este é o tipo de massagem que vai custar e ser desconfortável, mas cujos efeitos positivos vou sentir posteriormente.
Terminada a sessão de pancada nas pernas, senta-se ao meu lado direito e estica o meu braço direito, para prosseguir nessa zona do corpo. No entanto, ainda pouco aí mexido quando me diz
Money
abre uma mão a indicar o número 5
Five
e com a outra mão toca ao de leve os calções por cima da minha zona privada.
Digo-lhe
No
E ela insiste
Special massage
Enquanto continua a acariciar-me.
No special massage, just normal
Digo-lhe assertivamente, com a maior calma, como se propostas destas me fossem feitas amiúde.
Resigna-se, com uma cara quase desiludida ou desapontada, e faz o resto da massagem.
Indico à senhora atrás do balcão que quero a full body massage de uma hora, sem óleo, que custa 700 dólares taiwaneses, um pouco menos de 20 euros. Sento-me no sofá para tirar os sapatos, que ela guarda num armário donde também tira os chinelos que vou usar. Indica-me as escadas para o piso superior e, uma vez lá em cima, uma das divisórias, que têm um colchão no chão. Dá-me uns calções e uma espécie de colete para o cobrir o torso.
Estou a tentar perceber como se ata o cordão do colete à minha volta quando entra a massagista, que me ajuda com o processo. Recebo a instrução para me deitar de barriga para baixo e ela abre as hostilidades, massajando dos glúteos até aos ombros e pescoço. De seguida, diz-me para me virar de barriga para cima e é a vez das minhas pernas serem massacradas: gémeos, quadricipedes, adutores, todos são torturados. Por vezes a massagista usa o seu antebraço para pressionar ainda mais fortemente os músculos. Numa das ocasiões, coloca-me primeiro com a perna direita a passar sobre a esquerda e passa fortemente o braço sobre o meu glúteo estirado.
Assim como a senhora não se coíbe de me dar pancada, também eu não me inibo de largar um ai ou um ui. Penso cá para os meus botões que este é o tipo de massagem que vai custar e ser desconfortável, mas cujos efeitos positivos vou sentir posteriormente.
Terminada a sessão de pancada nas pernas, senta-se ao meu lado direito e estica o meu braço direito, para prosseguir nessa zona do corpo. No entanto, ainda pouco aí mexido quando me diz
Money
abre uma mão a indicar o número 5
Five
e com a outra mão toca ao de leve os calções por cima da minha zona privada.
Digo-lhe
No
E ela insiste
Special massage
Enquanto continua a acariciar-me.
No special massage, just normal
Digo-lhe assertivamente, com a maior calma, como se propostas destas me fossem feitas amiúde.
Resigna-se, com uma cara quase desiludida ou desapontada, e faz o resto da massagem.
sexta-feira, 14 de dezembro de 2018
Entro no restaurante coreano perto do hotel.
Para me atender, vem o funcionário que tem mais desenvoltura com a língua inglesa. Peço uma das panquecas típicas com frutos do mar e um bibimbap. Tenta explicar-me em que consistem os pratos e eu tento explicar-lhe delicadamente que os conheço.
Primeiro vem a garrafa de cerveja. Aproveito para lhe perguntar se têm wifi. Diz-me que não e, pouco tempo depois, regressa com uma password para aceder ao telefone do colega e, desta forma, ter sinal. Depois traz os pratinhos com o kimchi e outros acompanhamentos explica-me que são grátis e, desta vez, opto por não lhe dizer novamente que também estou a par. Não resiste e pergunta-me
Where are you from?
Respondo-lhe mas continuo a ver o ponto de interrogação estampado na cara. Pergunta-me se é na Europa e eu digo-lhe que é ao lado da Espanha. Tento explorar a estratégia mais fácil – futebol e Cristiano Ronaldo – mas este é um país de baseball e ele não faz a mais pálida ideia. Pede-me para lhe digitar no telefone e fica a observar no Google maps. E atreve-se mais um pouco
What are you doing here?
E pergunta-me se estou em negócios ou férias. Digo-lhe que estou de férias e o espanto dele ainda parece aumentar, como se fosse totalmente inesperado que alguém – ou, mais especificamente, um europeu – resolvesse escolher aquele local para passar o seu tempo livre.
Para desmoer o jantar, dou uma volta pelo mercado nocturno de máquina fotográfica na mão. Está um pouco descaraterizado: os mesmos estrangeiros que participaram na corrida de dragon boat ocupam muitas das mesas. Alguns sotaques europeus – franceses e italianos a falar inglês –, outros que me pareceram australianos. Algumas caras bem vermelhas de sol a mais e protector solar a menos. Uns mais barulhentos que outros mas quase todos com uns copos a mais.
Primeiro vem a garrafa de cerveja. Aproveito para lhe perguntar se têm wifi. Diz-me que não e, pouco tempo depois, regressa com uma password para aceder ao telefone do colega e, desta forma, ter sinal. Depois traz os pratinhos com o kimchi e outros acompanhamentos explica-me que são grátis e, desta vez, opto por não lhe dizer novamente que também estou a par. Não resiste e pergunta-me
Where are you from?
Respondo-lhe mas continuo a ver o ponto de interrogação estampado na cara. Pergunta-me se é na Europa e eu digo-lhe que é ao lado da Espanha. Tento explorar a estratégia mais fácil – futebol e Cristiano Ronaldo – mas este é um país de baseball e ele não faz a mais pálida ideia. Pede-me para lhe digitar no telefone e fica a observar no Google maps. E atreve-se mais um pouco
What are you doing here?
E pergunta-me se estou em negócios ou férias. Digo-lhe que estou de férias e o espanto dele ainda parece aumentar, como se fosse totalmente inesperado que alguém – ou, mais especificamente, um europeu – resolvesse escolher aquele local para passar o seu tempo livre.
Para desmoer o jantar, dou uma volta pelo mercado nocturno de máquina fotográfica na mão. Está um pouco descaraterizado: os mesmos estrangeiros que participaram na corrida de dragon boat ocupam muitas das mesas. Alguns sotaques europeus – franceses e italianos a falar inglês –, outros que me pareceram australianos. Algumas caras bem vermelhas de sol a mais e protector solar a menos. Uns mais barulhentos que outros mas quase todos com uns copos a mais.
quinta-feira, 13 de dezembro de 2018
De regresso à estação, aproveito a proximidade do lago Lótus
Na zona mais próxima, há um templo confucionista. À entrada, os funcionários pedem-me que assine o livro de visitantes para registarem o número e a proveniência dos visitantes. Sigo pela margem norte, visito um conjunto de templos garridos, construídos sobre a água do lago, até chegar ao limite oeste, onde se encontram os pagodes do tigre e do dragão.
A entrada é feita ou pela boca do tigre, à esquerda, ou do dragão, à direita, cada um deles à frente do respectivo pagode. Do topo dos pagodes, vê-se a margem sul do lago Lótus repleta de gente: está a decorrer uma corrida de dragon boat e tanto atletas como espectadores preenchem o espaço relvado com vista para a água.
Regresso à estação para resgatar a mochila do cacifo e daí sigo para o hotel onde vou passar uma noite. Na recepção sou recebido por um homem de meia-idade que, lutando com o inglês, trata das formalidades do check in. Terminado o processo, um moço, que entretanto se tinha aproximado e aparenta ser filho do senhor que me atendeu, diz-me
Obrigado
Olho para ele com um sorriso e respondo
De nada
E ele explica-me: fez um estágio na Madeira há pouco tempo atrás, qualquer coisa relacionada com a cadeia do hotel. Gostou muito, fez amigos e tem vontade de lá voltar e, desta vez, visitar também o continente.
A entrada é feita ou pela boca do tigre, à esquerda, ou do dragão, à direita, cada um deles à frente do respectivo pagode. Do topo dos pagodes, vê-se a margem sul do lago Lótus repleta de gente: está a decorrer uma corrida de dragon boat e tanto atletas como espectadores preenchem o espaço relvado com vista para a água.
Regresso à estação para resgatar a mochila do cacifo e daí sigo para o hotel onde vou passar uma noite. Na recepção sou recebido por um homem de meia-idade que, lutando com o inglês, trata das formalidades do check in. Terminado o processo, um moço, que entretanto se tinha aproximado e aparenta ser filho do senhor que me atendeu, diz-me
Obrigado
Olho para ele com um sorriso e respondo
De nada
E ele explica-me: fez um estágio na Madeira há pouco tempo atrás, qualquer coisa relacionada com a cadeia do hotel. Gostou muito, fez amigos e tem vontade de lá voltar e, desta vez, visitar também o continente.
quarta-feira, 12 de dezembro de 2018
1h30 para fazer os cerca de 300kms de Taipé a Kaohsiung.
Praticamente do extremo norte da ilha ao extremo sul, num comboio rápido, exactamente igual ao Shinkansen japonês. À chegada, na estação, deixo a mochila num dos cacifos e perco-me um pouco à procura da paragem do autocarro. Acabo por descobrir que existem duas zonas de paragens de autocarros e a que pretendo – claro está, lei de Murphy – fica exactamente do lado oposto.
São uns bons três quartos de hora – ainda assim, bem melhor do que a hora e meia que tinha lido online – até o autocarro parar perto da entrada do Museu do Buda de Fo Guang Shan. À minha frente está um complexo enorme. Uma avenida pedonal, ladeada de quatro pagodes de cada lado, conduz até um edifício, com um aspecto piramidal, atrás do qual se ergue uma estátua dourada gigante do Buda.
Subo ao longo dos pagodes da esquerda. Entro no primeiro que funciona como um centro de informações. Lá dentro, uma senhora de chinelos e cabelo rapado oferece-se para me exibir um filme que explica as motivações e origens da construção daquele museu. Sou o único dentro da sala de sofás modernos e confortáveis a visualizar a versão inglesa daquele filme, que explica a intenção daquela construção para albergar um dos dentes do Buda – os outros estão em Pequim e Kandy, no Sri Lanka.
Continuo a subir ao longo dos pagodes – os seguintes não são para visita do público – até atingir o edifício principal. Lá dentro, no conforto do ar-condicionado, visito um conjunto de salas, com exposições e informações sobre a origem e história do budismo. Para além destas, que ocupam a maioria do edifício, há ainda, uma sala com uma estátua dourada do Buda bem como o ex libris, a sala onde está guardado o tal dente. Deixamos os sapatos nos armários para o efeito. À entrada, após um lance de escadas, uma senhora, atrás de uma mesa, oferece-nos uma lâmpada em forma de vela para colocarmos junto a uma estátua em jade branco do Buda deitado. Não consigo não aceitar a oferenda da senhora, que coloco no local onde vejo todas as outras lanternas. Depois, sento-me nas almofadas colocadas no chão. Por cima da estátua, lá bem em cima, vejo a vitrina onde se encontra o recipiente que guarda o dente.
Termino a visita subindo ao terceiro e último piso do edifício, onde existe um auditório, vedado naquele dia por não existir nenhum evento. Saio para o topo do edifício e caminho em direcção à estátua impressionante do Buda. Por debaixo, há uma sala para os quiserem aprender caligrafia chinesa.
São uns bons três quartos de hora – ainda assim, bem melhor do que a hora e meia que tinha lido online – até o autocarro parar perto da entrada do Museu do Buda de Fo Guang Shan. À minha frente está um complexo enorme. Uma avenida pedonal, ladeada de quatro pagodes de cada lado, conduz até um edifício, com um aspecto piramidal, atrás do qual se ergue uma estátua dourada gigante do Buda.
Subo ao longo dos pagodes da esquerda. Entro no primeiro que funciona como um centro de informações. Lá dentro, uma senhora de chinelos e cabelo rapado oferece-se para me exibir um filme que explica as motivações e origens da construção daquele museu. Sou o único dentro da sala de sofás modernos e confortáveis a visualizar a versão inglesa daquele filme, que explica a intenção daquela construção para albergar um dos dentes do Buda – os outros estão em Pequim e Kandy, no Sri Lanka.
Continuo a subir ao longo dos pagodes – os seguintes não são para visita do público – até atingir o edifício principal. Lá dentro, no conforto do ar-condicionado, visito um conjunto de salas, com exposições e informações sobre a origem e história do budismo. Para além destas, que ocupam a maioria do edifício, há ainda, uma sala com uma estátua dourada do Buda bem como o ex libris, a sala onde está guardado o tal dente. Deixamos os sapatos nos armários para o efeito. À entrada, após um lance de escadas, uma senhora, atrás de uma mesa, oferece-nos uma lâmpada em forma de vela para colocarmos junto a uma estátua em jade branco do Buda deitado. Não consigo não aceitar a oferenda da senhora, que coloco no local onde vejo todas as outras lanternas. Depois, sento-me nas almofadas colocadas no chão. Por cima da estátua, lá bem em cima, vejo a vitrina onde se encontra o recipiente que guarda o dente.
Termino a visita subindo ao terceiro e último piso do edifício, onde existe um auditório, vedado naquele dia por não existir nenhum evento. Saio para o topo do edifício e caminho em direcção à estátua impressionante do Buda. Por debaixo, há uma sala para os quiserem aprender caligrafia chinesa.
terça-feira, 11 de dezembro de 2018
As indicações não são as mais óbvias
Sou levado, pelo efeito manada e o cansaço de uma viagem que já vai longe nesta fase, a seguir a maioria das pessoas, que formam uma fila avolumada e pouco convidativa. Só depois me apercebo que estão a tratar dos trâmites de emigração. Lá à frente está uma funcionária a guardar uma entrada, que me indica o trajecto correcto para os passageiros em trânsito, uma estreita passagem para o terminal afecto a voos internacionais e a voos com destino a Hong Kong, Macau e Taiwan.
Passo o passaporte no leitor da máquina, de seguida coloco o código do cartão de embarque num segundo leitor e as portas de vidro abrem-se, ao mesmo tempo que uma seta verde surge no visor do aparelho. Desço os dois lances de escadas que terminam num funcionário dos serviços de fronteiras chineses. Recebe o meu passaporte e o cartão de embarque, que carimba incisivamente após uma rápida inspecção. O procedimento de segurança demora, uma vez que só há uma máquina de raio-X. Para além disso, têm algumas regras mais restritas do que noutros aeroportos: pedem-me que retire a máquina fotográfica e as lentes da mochila e espalhe tudo num daqueles recipientes plásticos. O meu power bank é analisado em grande detalhe, perscrutado, até finalmente me ser devolvido e dada a indicação de que posso seguir.
Passo o passaporte no leitor da máquina, de seguida coloco o código do cartão de embarque num segundo leitor e as portas de vidro abrem-se, ao mesmo tempo que uma seta verde surge no visor do aparelho. Desço os dois lances de escadas que terminam num funcionário dos serviços de fronteiras chineses. Recebe o meu passaporte e o cartão de embarque, que carimba incisivamente após uma rápida inspecção. O procedimento de segurança demora, uma vez que só há uma máquina de raio-X. Para além disso, têm algumas regras mais restritas do que noutros aeroportos: pedem-me que retire a máquina fotográfica e as lentes da mochila e espalhe tudo num daqueles recipientes plásticos. O meu power bank é analisado em grande detalhe, perscrutado, até finalmente me ser devolvido e dada a indicação de que posso seguir.
segunda-feira, 10 de dezembro de 2018
Olho para os monitores para procurar a localização dos balcões da TAP pela primeira vez em muito tempo:
no local onde costumavam estar estão agora os de outras companhias. Em baixo, perto da entrada, descubra a nova localização. Dirijo-me de imediato ao primeiro funcionário que encontro sem lhe dar o tempo para me perguntar seja o que for. Indica-me um outro colega que tratará de fazer o check in que não consegui fazer online.
O problema é que, depois de muito bufar e gemer, chega à conclusão que apenas consegue para o primeiro segmento. “Vá ali às meninas das reservas” que, de casaco vermelho a condizer com o baton, também não conseguem. Na ausência de representação da Air China no aeroporto de Lisboa (nem a Groundforce nem a Portway) acabo no balcão da TAP, já que é responsável pelo primeiro segmento. Faz-me o check in para o primeiro segmento e diz-me que só mesmo em Frankfurt poderei tratar dos segmentos seguintes. Quando lhe saliento que só tenho 1h30 de escala, diz-me que há muitas ligações a partir de lá, hão de arranjar alternativas
Regresso aos balcões de drop-off: ainda falta despachar a mala. Preciso inserir os dados numa máquina que deverá imprimir o autocolante – como faziam antes as pessoas que trabalhavam nos balcões de drop off – mas que se recusa terminantemente. O funcionário que está mais perto diz-me para ir falar novamente com o que bufa e geme. O problema é que, entre tanto saltitar de balcão em balcão, passou perto de uma hora e o aeroporto está agora bastante mais cheio do que quando cheguei. Começo a ver a vida a andar para trás, não falta assim tanto para o embarque. Felizmente o enésimo menos um funcionário é sensível ao meu problema e leva-me à enésima funcionária, que trata, chamemos-lhe “manualmente”, de despachar a minha mala. Até Frankfurt.
Já por várias vezes fiz um voo numa quase angústia, a desejar que por milagre demore menos do que o programado, na dúvida de saber se vou conseguir apanhar a ligação seguinte. Neste caso não sofri, ia apenas resignado. Ainda para mais quando, à chegada à Frankfurt, permanecemos parados na pista um bocado à espera que a manga fique disponível.
Faço o percurso até à recolha de bagagens em velocidade cruzeiro mas sou surpreendido quando, pouco tempo depois de ter chegado ao tapete, as malas começam a sair e a minha é das primeiras. Nesta altura resolvo apressar-me e subo de imediato do piso das chegadas para o hall gigante das partidas. O balcão de check in da Air China fica um pouco mais à frente e acelero o passo. Para minha segunda surpresa, está completamente vazio.
Explico a situação, a funcionária questiona-se porque não conseguiram tratar de tudo em Lisboa e, descontraidamente, passa-me dois cartões de embarque, enquanto a minha mala é arrastado pelo tapete novamente para as entranhas do aeroporto. Don’t worry, you will make it, diz-me, o que é escusado nesta altura porque já era perceptível. Ironia do destino, o voo atrasa uns minutos e ainda acabo por esperar sentado perto da porta de embarque.
O problema é que, depois de muito bufar e gemer, chega à conclusão que apenas consegue para o primeiro segmento. “Vá ali às meninas das reservas” que, de casaco vermelho a condizer com o baton, também não conseguem. Na ausência de representação da Air China no aeroporto de Lisboa (nem a Groundforce nem a Portway) acabo no balcão da TAP, já que é responsável pelo primeiro segmento. Faz-me o check in para o primeiro segmento e diz-me que só mesmo em Frankfurt poderei tratar dos segmentos seguintes. Quando lhe saliento que só tenho 1h30 de escala, diz-me que há muitas ligações a partir de lá, hão de arranjar alternativas
Regresso aos balcões de drop-off: ainda falta despachar a mala. Preciso inserir os dados numa máquina que deverá imprimir o autocolante – como faziam antes as pessoas que trabalhavam nos balcões de drop off – mas que se recusa terminantemente. O funcionário que está mais perto diz-me para ir falar novamente com o que bufa e geme. O problema é que, entre tanto saltitar de balcão em balcão, passou perto de uma hora e o aeroporto está agora bastante mais cheio do que quando cheguei. Começo a ver a vida a andar para trás, não falta assim tanto para o embarque. Felizmente o enésimo menos um funcionário é sensível ao meu problema e leva-me à enésima funcionária, que trata, chamemos-lhe “manualmente”, de despachar a minha mala. Até Frankfurt.
Já por várias vezes fiz um voo numa quase angústia, a desejar que por milagre demore menos do que o programado, na dúvida de saber se vou conseguir apanhar a ligação seguinte. Neste caso não sofri, ia apenas resignado. Ainda para mais quando, à chegada à Frankfurt, permanecemos parados na pista um bocado à espera que a manga fique disponível.
Faço o percurso até à recolha de bagagens em velocidade cruzeiro mas sou surpreendido quando, pouco tempo depois de ter chegado ao tapete, as malas começam a sair e a minha é das primeiras. Nesta altura resolvo apressar-me e subo de imediato do piso das chegadas para o hall gigante das partidas. O balcão de check in da Air China fica um pouco mais à frente e acelero o passo. Para minha segunda surpresa, está completamente vazio.
Explico a situação, a funcionária questiona-se porque não conseguiram tratar de tudo em Lisboa e, descontraidamente, passa-me dois cartões de embarque, enquanto a minha mala é arrastado pelo tapete novamente para as entranhas do aeroporto. Don’t worry, you will make it, diz-me, o que é escusado nesta altura porque já era perceptível. Ironia do destino, o voo atrasa uns minutos e ainda acabo por esperar sentado perto da porta de embarque.
domingo, 9 de dezembro de 2018
sábado, 8 de dezembro de 2018
sexta-feira, 7 de dezembro de 2018
quinta-feira, 6 de dezembro de 2018
segunda-feira, 3 de dezembro de 2018
domingo, 2 de dezembro de 2018
sábado, 1 de dezembro de 2018
quinta-feira, 29 de novembro de 2018
Orquestra de Jazz de Matosinhos faz alongamentos com Peter Evans
(Publicado originalmente aqui)
Entre os dois blocos de música do set que se ouviu no Grande Auditório da Culturgest – e não sem antes fazer um gesto convidativo a Peter Evans, rapidamente declinado –, o maestro Pedro Guedes pegou no microfone para dizer umas palavras. Para além das músicas que havíamos ouvido, da apresentação dos músicos em palco, falou um pouco da colaboração com o trompetista Peter Evans. Registei no meu bloco uma expressão que utilizou: disse que o processo de colaboração da Orquestra de Jazz de Matosinhos (OJM) com o trompetista americano tem sido um “teste à elasticidade”
Eu, que sempre tive pouca elasticidade e que sempre compensei esse falha com uma imaginação fértil, rapidamente poderia visualizar os 16 músicos que compõem esta orquestra de equipamento de ginástica a esticarem-se em várias direcções. Mas, claro, contive-me e foquei-me antes no sentido não literal da expressão que, de facto, foi apropriada.
O primeiro bloco de música é uma suite que engloba três temas de Evans – Passing through, Mantra e Passage – e o standard I want to talk about you (recomendo a versão da Ella Fitzgerald com o Joe Pass). Os temas de Evans são aquilo que já conhecemos do músico, presença assídua em território nacional: um jazz contemporâneo, experimental, que mistura estruturas e sonoridades de outros registos, e com espaços de improvisação livre.
De tudo um pouco acontece em palco. Da exploração de diferentes técnicas e sons dos instrumentos de sopro, à liberdade quase desconcertante da secção rítmica, até ao sintetizador que também acompanhou o pianista e que, em certos momentos, me evocou filmes de ficção científica.
Pelo meio, temos também momentos em que quase parece um desperdício ter uma orquestra à mão de semear e não a empregar. Logo na fase inicial, há um momento em que Evans fica completamente sozinho, um solo sem qualquer acompanhamento. Uma intervenção notável do nova-iorquino, que parece retirar todo o tipo de sons e mais alguns do trompete. Olho para os naipes de sopros da OJM e reparo que eles próprios estão a apreciar a performance de Evans, como se fossem espectadores com um lugar privilegiado.
Noutras alturas, é a própria orquestra que tem um contributo surpreendente. Por exemplo, aquando de um solo de bateria, o acompanhamento não é nada mais do que um conjunto de padrões rítmicos soprados pelos diferentes naipes, uma espécie de contraponto de ritmo apenas. Só mesmo na recta final do tema final se ouve um bocadito do swing que costuma estar associado a este tipo de formações. E soube bem, devo confessar.
Caso esta colaboração tenha sido encarada como um desafio auto-imposto pela formação nortenha, então é caso para dizer que a prova foi superada com sucesso. Outra coisa não seria de esperar, devo acrescentar. Ou não fosse esta uma big band (vig vand?) do norte, carago!
Entre os dois blocos de música do set que se ouviu no Grande Auditório da Culturgest – e não sem antes fazer um gesto convidativo a Peter Evans, rapidamente declinado –, o maestro Pedro Guedes pegou no microfone para dizer umas palavras. Para além das músicas que havíamos ouvido, da apresentação dos músicos em palco, falou um pouco da colaboração com o trompetista Peter Evans. Registei no meu bloco uma expressão que utilizou: disse que o processo de colaboração da Orquestra de Jazz de Matosinhos (OJM) com o trompetista americano tem sido um “teste à elasticidade”
Eu, que sempre tive pouca elasticidade e que sempre compensei esse falha com uma imaginação fértil, rapidamente poderia visualizar os 16 músicos que compõem esta orquestra de equipamento de ginástica a esticarem-se em várias direcções. Mas, claro, contive-me e foquei-me antes no sentido não literal da expressão que, de facto, foi apropriada.
O primeiro bloco de música é uma suite que engloba três temas de Evans – Passing through, Mantra e Passage – e o standard I want to talk about you (recomendo a versão da Ella Fitzgerald com o Joe Pass). Os temas de Evans são aquilo que já conhecemos do músico, presença assídua em território nacional: um jazz contemporâneo, experimental, que mistura estruturas e sonoridades de outros registos, e com espaços de improvisação livre.
De tudo um pouco acontece em palco. Da exploração de diferentes técnicas e sons dos instrumentos de sopro, à liberdade quase desconcertante da secção rítmica, até ao sintetizador que também acompanhou o pianista e que, em certos momentos, me evocou filmes de ficção científica.
Pelo meio, temos também momentos em que quase parece um desperdício ter uma orquestra à mão de semear e não a empregar. Logo na fase inicial, há um momento em que Evans fica completamente sozinho, um solo sem qualquer acompanhamento. Uma intervenção notável do nova-iorquino, que parece retirar todo o tipo de sons e mais alguns do trompete. Olho para os naipes de sopros da OJM e reparo que eles próprios estão a apreciar a performance de Evans, como se fossem espectadores com um lugar privilegiado.
Noutras alturas, é a própria orquestra que tem um contributo surpreendente. Por exemplo, aquando de um solo de bateria, o acompanhamento não é nada mais do que um conjunto de padrões rítmicos soprados pelos diferentes naipes, uma espécie de contraponto de ritmo apenas. Só mesmo na recta final do tema final se ouve um bocadito do swing que costuma estar associado a este tipo de formações. E soube bem, devo confessar.
Caso esta colaboração tenha sido encarada como um desafio auto-imposto pela formação nortenha, então é caso para dizer que a prova foi superada com sucesso. Outra coisa não seria de esperar, devo acrescentar. Ou não fosse esta uma big band (vig vand?) do norte, carago!
quarta-feira, 28 de novembro de 2018
The scale of Europe’s loss is exceeded only by our own.
terça-feira, 27 de novembro de 2018
Regularização
Farto do espartilho da correcção e rigor, passou a falar num modo que definiu como cavernáculo.
domingo, 25 de novembro de 2018
Straightforward
"Straight answer" é uma expressão homofóbica. Assim como straight hair e straight edge. Straight flush.
sábado, 24 de novembro de 2018
sexta-feira, 23 de novembro de 2018
Pode ainda não ter passaporte mas Avishai Cohen já tem salvo-conduto para o público português
(Publicado originalmente aqui)
O primeiro ponto a fazer será desfazer uma possível confusão: esta é a crónica de um concerto do trio do baixista – e não do trompetista – Avishai Cohen. Sim, porque há dois israelitas com o mesmo nome, que tocam jazz para ganhar a vida: para além do instrumento, separa-os a barba e alguns anos. E, ao contrário dos Cohen da sétima arte, não há, aparentemente, nenhum grau de parentesco entre eles.
Um convite de Chick Corea acabou por ser o impulso decisivo para a já profícua carreira de Avishai Cohen, com quem tocou durante alguns anos. Entre outros, o israelita já participou em projectos de Herbie Hancock, Roy Hargrove e Kurt Rosenwinkel. 1970 é o título do seu último álbum, lançado há pouco mais de ano e, também, a sua data de nascimento.
Mas quando se apagam as luzes da sala e se acendem as do palco, não é o trio deste contrabaixista israelita que vemos: é um jovem guitarrista que se senta lá à frente, entre duas guitarras acústicas, e um mar de pedais e cabos à sua frente. São três as músicas que Francisco Sales teve o direito de tocar, com um som muito cheio, carregado de delay. Pelo meio, apresenta-se rapidamente, fala um pouco sobre si, num discurso rosado ao estilo Miss Mundo, sobre como a sua música apela aos sonhos e como espera que os nossos sonhos beneficiem dela.
Francisco Sales sai de cena com um aceno e os roadies esvaziam o palco da parafernália de gadgets com uma rapidez assinalável. Quase não dá tempo para me ajustar na cadeira e já estão três figuras a entrar, a agradecer a recepção calorosa do público. A acompanhar Cohen, estão Itamar Doari na percussão e Elchin Shirinov no piano.
Este não é, de todo, um trio tradicional. Primeiro porque a música de Cohen, com influências do Médio-Oriente, da Europa de leste e afro-americana é, ela própria, um reflexo e atestado à multiculturalidade do baixista: israelita, com raízes espanholas, portuguesas, gregas e polacas, cuja família se mudou para St. Louis no início da sua adolescência.
Segundo, a dinâmica do trio é bastante particular, na medida em que o contrabaixo adquire um protagonismo que, normalmente, não lhe é atribuído. Em vários momentos, parece existir uma troca de papéis, com o piano agarrado a uma função mais estrutural associada à secção rítmica, enquanto os dedos de Cohen passeiam alegremente pelo braço do contrabaixo.
Ao final da segunda música, pega no microfone. Começa por nos dizer que, fruto das origens luso-espanholas da sua mãe, se encontra neste momento a tratar de obter um passaporte português. “I’m becoming one of you”, acrescenta para gáudio da audiência.
Pelo meio das notas e da música, vêem-se amiúde luzes dos ecrans e até do flash dos telemóveis. Por várias vezes, os funcionários do CCB tiveram de descer as escadas para pedir aos espectadores que não fotografem. Em alguns casos de fotógrafos sentados no meio das filas – e, por isso, mais difíceis de alcançar – viram-se forçados a fazer sinais de luzes com a lanterna, uma espécie de proibição em código Morse.
Nem uma hora de música depois e os três músicos terminam o set e deixam o palco. Soube a pouco e, lá está, pouco depois, Cohen regressa sozinho. Pelo meio dos aplausos efusivos, Avishai diz “Maybe I shouldn’t go to London tomorrow”, enquanto ajusta um tripé de microfone. Alguém da plateia grita “Sing us a song!” ao que ele responde “Of course”, uma resposta óbvia (estava a ajustar um tripé de microfone à sua altura...).
O que se segue é “somewhat blues”, como Cohen classifica o “Sometimes I feel like a motherless child” de Odetta. Tal como o original, de uma forma crua e intensa, com um tempo lento. A voz grave encaixa nas quintas ainda mais graves do contrabaixo, produzidas com o arco. Temos ainda direito a um segundo tema interpretado por Cohen a solo, cantado em espanhol. O concerto termina com o regresso do trio ao palco para mais dois temas.
O primeiro ponto a fazer será desfazer uma possível confusão: esta é a crónica de um concerto do trio do baixista – e não do trompetista – Avishai Cohen. Sim, porque há dois israelitas com o mesmo nome, que tocam jazz para ganhar a vida: para além do instrumento, separa-os a barba e alguns anos. E, ao contrário dos Cohen da sétima arte, não há, aparentemente, nenhum grau de parentesco entre eles.
Um convite de Chick Corea acabou por ser o impulso decisivo para a já profícua carreira de Avishai Cohen, com quem tocou durante alguns anos. Entre outros, o israelita já participou em projectos de Herbie Hancock, Roy Hargrove e Kurt Rosenwinkel. 1970 é o título do seu último álbum, lançado há pouco mais de ano e, também, a sua data de nascimento.
Mas quando se apagam as luzes da sala e se acendem as do palco, não é o trio deste contrabaixista israelita que vemos: é um jovem guitarrista que se senta lá à frente, entre duas guitarras acústicas, e um mar de pedais e cabos à sua frente. São três as músicas que Francisco Sales teve o direito de tocar, com um som muito cheio, carregado de delay. Pelo meio, apresenta-se rapidamente, fala um pouco sobre si, num discurso rosado ao estilo Miss Mundo, sobre como a sua música apela aos sonhos e como espera que os nossos sonhos beneficiem dela.
Francisco Sales sai de cena com um aceno e os roadies esvaziam o palco da parafernália de gadgets com uma rapidez assinalável. Quase não dá tempo para me ajustar na cadeira e já estão três figuras a entrar, a agradecer a recepção calorosa do público. A acompanhar Cohen, estão Itamar Doari na percussão e Elchin Shirinov no piano.
Este não é, de todo, um trio tradicional. Primeiro porque a música de Cohen, com influências do Médio-Oriente, da Europa de leste e afro-americana é, ela própria, um reflexo e atestado à multiculturalidade do baixista: israelita, com raízes espanholas, portuguesas, gregas e polacas, cuja família se mudou para St. Louis no início da sua adolescência.
Segundo, a dinâmica do trio é bastante particular, na medida em que o contrabaixo adquire um protagonismo que, normalmente, não lhe é atribuído. Em vários momentos, parece existir uma troca de papéis, com o piano agarrado a uma função mais estrutural associada à secção rítmica, enquanto os dedos de Cohen passeiam alegremente pelo braço do contrabaixo.
Ao final da segunda música, pega no microfone. Começa por nos dizer que, fruto das origens luso-espanholas da sua mãe, se encontra neste momento a tratar de obter um passaporte português. “I’m becoming one of you”, acrescenta para gáudio da audiência.
Pelo meio das notas e da música, vêem-se amiúde luzes dos ecrans e até do flash dos telemóveis. Por várias vezes, os funcionários do CCB tiveram de descer as escadas para pedir aos espectadores que não fotografem. Em alguns casos de fotógrafos sentados no meio das filas – e, por isso, mais difíceis de alcançar – viram-se forçados a fazer sinais de luzes com a lanterna, uma espécie de proibição em código Morse.
Nem uma hora de música depois e os três músicos terminam o set e deixam o palco. Soube a pouco e, lá está, pouco depois, Cohen regressa sozinho. Pelo meio dos aplausos efusivos, Avishai diz “Maybe I shouldn’t go to London tomorrow”, enquanto ajusta um tripé de microfone. Alguém da plateia grita “Sing us a song!” ao que ele responde “Of course”, uma resposta óbvia (estava a ajustar um tripé de microfone à sua altura...).
O que se segue é “somewhat blues”, como Cohen classifica o “Sometimes I feel like a motherless child” de Odetta. Tal como o original, de uma forma crua e intensa, com um tempo lento. A voz grave encaixa nas quintas ainda mais graves do contrabaixo, produzidas com o arco. Temos ainda direito a um segundo tema interpretado por Cohen a solo, cantado em espanhol. O concerto termina com o regresso do trio ao palco para mais dois temas.
quinta-feira, 22 de novembro de 2018
quarta-feira, 21 de novembro de 2018
terça-feira, 20 de novembro de 2018
4 dimensões
E então Einstein suspirou profundamente e disse à mulher: acho que precisamos de dar um espaço-tempo.
segunda-feira, 19 de novembro de 2018
domingo, 18 de novembro de 2018
sábado, 17 de novembro de 2018
Halb
Meia-estação é uma expressão altamente desprestigiante para a Primavera e o Outono. Como se fossem menos estação que o Inverno e o Verão.
sexta-feira, 16 de novembro de 2018
Tédio II
« What - in other words - would modern boredom be without terror? One of the most boring documents of all time is the thick volume of Hitler's Table Talk. He too had people watching movies, eating pastries, and drinking coffee with Schlag while he bored them, while he discoursed theorized expounded. Everyone was perishing of staleness and fear, afraid to go to the toilet. This combination of power and boredom has never been properly examined. Boredom is an instrument of social control. Power is the power to impose boredom, to command stasis, to combine this stasis with anguish. The real tedium, deep tedium, is seasoned with terror and with death.»
Humboldt's gift, Saul Bellow
Humboldt's gift, Saul Bellow
quinta-feira, 15 de novembro de 2018
Tédio I
«Suppose then that you began with the proposition that boredom was a kind of pain caused by unused powers, the pain of wasted possibilities or talents, and was accompanied by expectation of the optimum utilization of capacities. (...) Nothing actual ever suits pure expectation and such purity of expectation is a great source of tedium. People rich in abilities, in sexual feeling, rich in mind and in invention - all the highly gifted see themselves shunted for decades onto dull sidings, banished exiled nailed up in chicken coops. Imagination has even tried to surmount the problems by forcing boredom itself to yield interest.»
Humboldt's gift, Saul Bellow
Humboldt's gift, Saul Bellow
quarta-feira, 14 de novembro de 2018
Pré-nupcial
O processo de divórcio do Reino Unido da União Europeia sugere que a adesão deveria ser precedida de um acordo pré-nupcial.
terça-feira, 13 de novembro de 2018
Sobre o voo da Air Astana, cujo desenlace acabou por ser bastante feliz.
A certa altura, foi veiculada a hipótese de uma amaragem no Tejo como solução para a emergência. Um gritante contra-senso: por definição, é impossível amarar num rio.
segunda-feira, 12 de novembro de 2018
domingo, 11 de novembro de 2018
Estrangeiro
«"I want you to feel as insulted as I feel, not stick me with the whole thing. Why don't you have any indignation, Charlie - Ah! You're not a real American. You're grateful. You're a foreigner. You have that Jewish immigrant kiss-the-ground-at-Ellis-Island gratitude. You're also a child of the Depression. You never thought you'd have a job, with an office, and a desk, and private drawers all for yourself. It's still so hilarious to you that you can't stop laughing. You're a Yiddisher mouse in these great Christian houses. At the same time, you're too snooty to look at anyone.»
Humboldt's gift, Saul Bellow
Humboldt's gift, Saul Bellow
quarta-feira, 31 de outubro de 2018
terça-feira, 30 de outubro de 2018
Black arts of propaganda
«Not surprisingly, the two countries to master the black arts of propaganda in the twentieth century were the totalitarian states of Nazi Germany and the Soviet Union. Their techniques of manipulating the public and promoting their hateful ideologies have trickled down to several generations of autocrats and demagogues around the world. Lenin specialized in promises he would never keep. "He offered simple solutions to complex problems," Sebestyen wrote in his biography of the Bolshevik leader. "He lied unashamedly. He identified a scapegoat he could later label 'enemies of the people.' He justified himself on the basis that winning meant everything: the ends justified the means.
Hitler devoted whole chapters of Mein Kampf to the subject of propaganda, and his pronouncements, along with those of his propaganda minister, Joseph Goebbels, would constitute a kind of playbook for aspiring autocrats: appeal to people's emotions, not their intellects; use "stereotyped formulas," repeated over and over again; continuously assail opponents and label them with distinctive phrases or slogans that will elicit visceral reactions from the audience.»
The death of truth, Michiko Kakutani
Hitler devoted whole chapters of Mein Kampf to the subject of propaganda, and his pronouncements, along with those of his propaganda minister, Joseph Goebbels, would constitute a kind of playbook for aspiring autocrats: appeal to people's emotions, not their intellects; use "stereotyped formulas," repeated over and over again; continuously assail opponents and label them with distinctive phrases or slogans that will elicit visceral reactions from the audience.»
The death of truth, Michiko Kakutani
segunda-feira, 29 de outubro de 2018
Era um casal nos seus 60 anos, mais coisa menos coisa.
Ela via-a poucas vezes e não me recordo se alguma vez chegámos a falar. Com ele cruzava-me amiúde, sempre agradável e com um sorriso simpático. Um dia de Inverno, esperávamos os dois o elevador e fizemos conversa de circunstância sobre o tempo. A certa altura, em relação a estar protegido para o frio, disse-me "não pode bobear" enquanto ajeitou o cachecol à volta do pescoço.
A presença de ambos fazia-se sentir sempre ao final da tarde: aí a partir das 19h, um cheiro delicioso de um jantar a ser preparado invadia o corredor. Dava vontade de bater àquela porta e fazer-me de convidado para a refeição. À noite, ouvia-se o televisor do outro lado da parede lateral da sala, sempre na Globo TV: o volume um pouco elevado, eventualmente uma questão da idade.
Noutro dia, reparei que a janela deles tinha novamente a placa a anunciar que a casa estava para alugar. Não muito tempo depois, cruzámo-nos no corredor, a porta deles aberta e um monte de caixotes corroboravam a mudança. Trocámos algumas palavras, disse-me que iam passar uma temporada no Brasil mas que o objectivo era regressar novamente a Lisboa. Desejámo-nos mutuamente felicidades.
Depois vieram os inquilinos novos, um casal que raramente vejo. Cruzei-me com ele: ele a sair do elevador para o qual eu ia entrar. Começámos a dizer boa tarde um ao outro em uníssono, eu em português e ele em inglês, e ele corrigiu de imediato para um português pouco suave.
Fiquei com uma desconfiança - posteriormente confirmada - relativamente à sua nacionalidade quando, no decurso de um jogo do mundial da Rússia, o Japão esteve a ganhar dois a zero à Bélgica e duas exclamações, muito entusiasmadas, se fizeram ouvir, em simultâneo com os golos. Alto e bom som, em total contraste com a típica existência murmurante, senão silenciosa dos japoneses. A seguir a estas duas exclamações vieram outras três, menos efusivas e com um tom diferente, que coincidiram que os três golos da Bélgica no remanescente do jogo.
Para além do episódio dos 5 gritos (e do desaparecimento do letreiro da janela), o único outro sinal da sua presença foram dois guardas-chuva abertos que, por vezes, quando as condições a isso obrigam, deixam a secar no corredor.
A presença de ambos fazia-se sentir sempre ao final da tarde: aí a partir das 19h, um cheiro delicioso de um jantar a ser preparado invadia o corredor. Dava vontade de bater àquela porta e fazer-me de convidado para a refeição. À noite, ouvia-se o televisor do outro lado da parede lateral da sala, sempre na Globo TV: o volume um pouco elevado, eventualmente uma questão da idade.
Noutro dia, reparei que a janela deles tinha novamente a placa a anunciar que a casa estava para alugar. Não muito tempo depois, cruzámo-nos no corredor, a porta deles aberta e um monte de caixotes corroboravam a mudança. Trocámos algumas palavras, disse-me que iam passar uma temporada no Brasil mas que o objectivo era regressar novamente a Lisboa. Desejámo-nos mutuamente felicidades.
Depois vieram os inquilinos novos, um casal que raramente vejo. Cruzei-me com ele: ele a sair do elevador para o qual eu ia entrar. Começámos a dizer boa tarde um ao outro em uníssono, eu em português e ele em inglês, e ele corrigiu de imediato para um português pouco suave.
Fiquei com uma desconfiança - posteriormente confirmada - relativamente à sua nacionalidade quando, no decurso de um jogo do mundial da Rússia, o Japão esteve a ganhar dois a zero à Bélgica e duas exclamações, muito entusiasmadas, se fizeram ouvir, em simultâneo com os golos. Alto e bom som, em total contraste com a típica existência murmurante, senão silenciosa dos japoneses. A seguir a estas duas exclamações vieram outras três, menos efusivas e com um tom diferente, que coincidiram que os três golos da Bélgica no remanescente do jogo.
Para além do episódio dos 5 gritos (e do desaparecimento do letreiro da janela), o único outro sinal da sua presença foram dois guardas-chuva abertos que, por vezes, quando as condições a isso obrigam, deixam a secar no corredor.
domingo, 28 de outubro de 2018
Mensch
Dificilmente poderá haver um nome mais inapropriado para uma presidente ou primeira-ministra como Regina.
sábado, 27 de outubro de 2018
sexta-feira, 26 de outubro de 2018
Pós-verdade
É fundamental verificar as afirmações e insinuações, para informar e tentar combater a manipulação. Mas, por outro lado, parece conferir a quem recorre à estratégia da mentira e constante negação uma força ainda maior. Porque, no limite, o problema de Trump, Putin ou qualquer equivalente (há tantos) não se trata da verdade nem de ser apanhado numa mentira: eles sabem que nós sabemos que eles sabem. A verdadeira (mesmo, a sério) questão é ter a capacidade para criar uma "verdade" que não é verdade, de definir aquilo que deve ser, mesmo que todos saibamos que não é (incluindo quem profere). Por outras palavras, é o poder para definir e fazer o que se quiser com impunidade, uma espécie de bullying. Exactamente por isso, por paradoxal que seja, o fact-checking e a exposição dos atropelos à verdade pode contribuir para acentuar esse poder: no limite, quão mais ousada for a mentira, mais descarada e atrevida, maior será a sua constatação.
quinta-feira, 25 de outubro de 2018
Denial
«Trump gave some private advice to a friend who had acknowledged some bad behaviour toward women. Real power is fear. It's all about strength. Never show weakness. You've always got to be strong. Don't be bullied. There is no choice.
"You've got to deny, deny, deny and push back on these women," he said. "If you admit to anything and any culpability, then you're dead. That was a big mistake you made. You didn't come out guns blazing and just challenge them. You showed weakness. You've got to be strong. You've got to be aggressive. You've got to push back hard. You've got to deny anything that's said about you. Never admit.»
Fear, Bob Woodward
"You've got to deny, deny, deny and push back on these women," he said. "If you admit to anything and any culpability, then you're dead. That was a big mistake you made. You didn't come out guns blazing and just challenge them. You showed weakness. You've got to be strong. You've got to be aggressive. You've got to push back hard. You've got to deny anything that's said about you. Never admit.»
Fear, Bob Woodward
quarta-feira, 24 de outubro de 2018
terça-feira, 23 de outubro de 2018
domingo, 21 de outubro de 2018
Poder de definir a verdade
«These sorts of lies, the journalist Masha Gessen has pointed out, are told for the same reason that Vladimir Putin lies: "to assert power over truth itself." In the case of Ukraine, Gessen wrote in late 2016, "Putin insisted on lying in the face of clear and convincing evidence to the contrary, and in each case his subsequent shift to truthful statements were not admissions given under duress: they were proud, even boastful affirmatives made at his convenience. Together, they communicated a single message: Putin's power lies in being able to say what he wants, when he wants, regardless of the facts. He is president of his country and king of reality."»
The death of truth, Michiko Kakutani
The death of truth, Michiko Kakutani
quinta-feira, 18 de outubro de 2018
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«Como o cadáver do duchman morto (assim lhes chamávamos) era minado para que quem viesse enterrá-lo (um velho, uma mulher, uma criança) também encontrasse a morte ao lado da pessoa próxima, na sua terra natal.»
Rapazes de zinco, Svetlana Alexievich
Rapazes de zinco, Svetlana Alexievich
quarta-feira, 17 de outubro de 2018
Social justice warrior
domingo, 14 de outubro de 2018
A de cima ou a de baixo
«Antes de partir para um raide, púnhamos um bilhete na parte de cima da roupa, outro na de baixo. Se pisares uma mina - há de restar uma parte de ti, a de cima ou a de baixo.»
Rapazes de zinco, Svetlana Alexievich
Rapazes de zinco, Svetlana Alexievich
sábado, 13 de outubro de 2018
quinta-feira, 11 de outubro de 2018
Um conselho
«Advice is what you get when the person you're talking with about something horrible and complicated wishes you would just shut up and go away. Advice is what you get when the person you are talking to wants to revel in the superiority of his or her intelligence. If you weren't so stupid, after all, you wouldn't have your stupid problems.»
12 rules for life, Jordan Peterson
12 rules for life, Jordan Peterson
quarta-feira, 10 de outubro de 2018
Chamo-lhe contraponlítico.
Assumamos - se não por princípio, pelo menos pelo pragmatismo - que o resultado preferível seria a exposição tranquila e sem interrupções das opiniões e argumentos de dois intervenientes. No entanto, verifica-se, tradicionalmente, uma constante sucessão de interrupções e quasi-discursos simultâneos, de vozes sobrepostas. Vistos por este prisma, os debates políticos televisivos parecem um equilíbrio de Nash: o resultado óptimo não é atingido porque a estratégia individual dominante é interromper e falar por cima do adversário. É sempre melhor torpedear o adversário, independentemente de ele também o fazer: se não interromper, tenho o melhor dos resultados possíveis (a nível individual), aquele em que exponho as minhas ideias sem qualquer interferência e interfiro activamente com a exposição alheia; se me interromper, evito o inverso da situação anterior, o pior resultado (individual) possível.
E é assim que chegamos a esta espécie de contraponto na fala. Uma sobreposição de duas (às vezes mais) vozes. Mas que, ao contrário da música de quem foi às aulas, não soa bem, porque as vozes que cruzam não o fazem com um intuito construtivo. Normal: o objectivo não é co-existir mas sim destruir.
E é assim que chegamos a esta espécie de contraponto na fala. Uma sobreposição de duas (às vezes mais) vozes. Mas que, ao contrário da música de quem foi às aulas, não soa bem, porque as vozes que cruzam não o fazem com um intuito construtivo. Normal: o objectivo não é co-existir mas sim destruir.
terça-feira, 9 de outubro de 2018
Identidade de grupo
«Here's the fundamental problem: group identity can be fractioned right down to the level of the individual. That sentence should be written in capital letters. Every person is unique - and not just in a trivial manner: importantly, significantly, meaningfully unique. Group membership cannot capture that variability. Period.»
12 rules for life, Jordan Peterson
12 rules for life, Jordan Peterson
segunda-feira, 8 de outubro de 2018
domingo, 7 de outubro de 2018
Totalitarismo
«That is what totalitarian means: Everything that needs to be discovered has been discovered. Everything will unfold precisely has planned. All problems will vanish, forever, once the perfect system is accepted. (...) Communism, in particular, was attractive not so much to oppressed workers, its hypothetical beneficiaries, but to intellectuals - to those whose arrogant pride in intellect assured them they were always right.»
12 rules for life, Jordan Peterson
12 rules for life, Jordan Peterson
sábado, 6 de outubro de 2018
Géneros (des)construídos
«The insane and incomprehensible postmodern insistence that all gender differences are socially constructed, for example, becomes all too understandable when its moral imperative is grasped - when its justification for force is once and for all understood: Society must be altered, or bias eliminated, until all outcomes are equitable. But the bedrock of the social constructionist position is the wish for the latter, not belief in the justice of the former. Since all outcome inequalities must be eliminated (inequality being the heart of all evil), then all gender differences must be regarded as socially constructed. Otherwise the drive for equality would be too radical, and the doctrine too blatantly propagandistic. Thus, the order of logic is reversed, so that the ideology can be camouflaged. The fact that such statements lead immediately to internal inconsistencies within the ideology is never addressed. Gender is constructed, but an individual who desires gender re-assignment surgery is to be unarguably considered a man trapped in a woman's body (or vice versa). The fact that both of these cannot logically be true, simultaneously, is just ignored (or rationalized away with another appalling post-modern claim: that logic itself - along with the techniques of science - is merely part of the oppressive patriarchal system).
12 rules for life, Jordan Peterson
12 rules for life, Jordan Peterson
sexta-feira, 28 de setembro de 2018
O médico gestor
(Declaração de interesses: este texto é da autoria do meu pai, que acedeu ao meu repto para aqui o publicar. Traça um retrato da evolução da medicina ao longo das décadas e do seu estado actual, pelos olhos de quem assistiu a todas estas transformações na primeira fila.)
O Estado preocupou-se pouco com a organização e gestão dos hospitais até à década de setenta do século passado. Preferiu delegar esse encargo nas Misericórdias. Eram estas instituições que, por todo o país, se encarregavam de administrar as unidades de saúde, aliando a sua vocação e desejo à reiterada intenção do poder político.
Fora deste convénio tácito ficaram os hospitais centrais, localizados em Lisboa, Coimbra e Porto, que davam resposta aos doentes com situações clínicas mais graves, referenciados de todo o país. Estas grandes unidades, que funcionavam como fim de linha, também usufruíam desse estatuto de excepção porque sediavam as faculdades de medicina, o que acrescentava alguma complexidade ao planeamento da actividade e ao seu funcionamento global.
Estes casos particulares serviam ainda para mostrar que o Governo não alienava totalmente a sua responsabilidade, numa área tão sensível como é a saúde da população.
Em abono da verdade se diga que, nessa época, a gestão de um hospital público não apresentava as dificuldades que actualmente se lhe reconhecem. Os custos com pessoal constituíam a grande parcela de gastos e o ministério tutelar, através da tesouraria de cada instituição, assegurava essa despesa sem a questionar.
As outras rubricas assumiam muito menos importância. Os consumíveis, a alimentação (confeccionada internamente), os exames auxiliares de diagnóstico (apenas a radiologia convencional e uma gama limitada de análises clínicas) e o equipamento cirúrgico, tinham pouco impacto no dispêndio global.
Nos serviços farmacêuticos já pairava no horizonte uma preocupação séria: os encargos com os antibióticos. Estes fármacos consumiam metade dos orçamentos hospitalares para medicamentos e a atenção dos dirigentes começava a ser direccionada nesse sentido.
Não é exagero dizer que os clínicos mandavam nos hospitais, suportados no princípio de que a medicina não se faz sem médicos. Mesmo quando não manifestavam disponibilidade para integrar os conselhos de administração, exerciam a sua influência através dos órgãos técnicos, onde estavam obrigatoriamente representados. Por isso, não admira que tivessem sempre uma palavra importante a dizer na elaboração das grandes opções de investimento. Contudo, importa sublinhar que o maior crédito dos clínicos era a sua enorme capacidade técnica, alinhada com o interesse do doente e que, desta forma, acabava por condicionar muitas das decisões a tomar.
Perante este panorama geral, estava simplificada a tarefa dos directores dos serviços de acção médica. Ficavam libertos para fazer o que mais gostavam: equacionar os problemas dos doentes e tratá-los de acordo com o estado da arte. Nesta lógica, passavam muito tempo na enfermaria, dando grande atenção à vertente clínica, envolvendo-se no estudo e discussão das situações patológicas mais complicadas e que, por isso, colocavam problemas de diagnóstico pertinentes.
Das suas tarefas obrigatórias fazia parte a visita semanal à enfermaria. Nesse momento, carregado de simbolismo, reuniam toda a equipa e, sem pressa, com gosto e um máximo de rigor estimulavam o interrogatório e a observação meticulosa e sistemática dos doentes. Interferiam com frequência na colheita de dados de anamnese e participavam nos vários passos do exame físico. Na posse dos elementos relevantes, não era raro que logo ali, em espaço aberto, promovessem a abordagem do diagnóstico diferencial. Essa discussão prolongava-se no recanto de uma sala e nas acaloradas reuniões clínicas.
Esta metódica sequência assistencial tinha outro objectivo nobre: dar formação aos mais jovens, preparando o seu futuro profissional. Todos os protagonistas neste ritual desejavam ter uma trajectória de sucesso nas exigentes carreiras médicas e conseguir, se possível, um lugar no quadro das instituições. Ora, esta aprendizagem prática era fundamental para atingir esse desiderato, embora necessitasse de ser completado com o estudo teórico.
Médicos e doentes olhavam-se de frente, sem quaisquer barreiras administrativas ou tecnológicas a interpor-se entre eles. Não se falava em listas de espera para consultas, execução de exames ou actos cirúrgicos. A situação clínica e o bom senso estabeleciam as prioridades e, caso fosse necessário, havia um moderador que tinha a última palavra, a que se afigurasse mais adequada ao interesse do enfermo.
Se eram os médicos a influenciar a gestão, faziam-no através dos directores de serviço, que estavam no topo de uma cadeia hierárquica bem definida e que ninguém questionava. Todos estes aspectos ajudavam a retratar a figura do médico sábio que, embora paternalista, desempenhava a sua actividade com grande sentido de humanidade e de proximidade ao doente. Desta forma, era colocado no centro do sistema, dispensando os chavões que hoje, tão a despropósito, estão em voga. E quando não era possível curar ou melhorar a sua doença, havia palavras para o confortar…
Após a revolução de Abril, este estatuto privilegiado do médico sobreviveu às poderosas comissões de trabalhadores, porque seria de uma grande irresponsabilidade interferir numa área tão sensível. Mas percebia-se que, mais cedo ou mais tarde, a trajectória reformista iria trazer alterações nas cada vez mais complexas estruturas hospitalares, sendo certo que o papel dos clínicos iria ser questionado. A progressiva valorização da promoção da saúde, e não só dos seus aspectos curativos, também terá contribuído para alterar a relação de forças existente.
Administradores hospitalares e enfermeiros, algumas vezes em estratégias concertadas, encontravam-se na linha da frente para lhes disputar a liderança. Os primeiros foram aumentando em número e assumiam um protagonismo crescente. Jogava a seu favor a coesão de que sempre deram provas e os apoios que tinham nos corredores dos ministérios. Perceberam que a sua hora tinha chegado. Seria uma questão de tempo e de espreitar as oportunidades para acederem à gestão de topo.
Os enfermeiros também acharam que estava na altura de se libertarem da tutela técnica dos médicos, um desejo muito antigo. Dava asas a essa ambição a melhoria da sua preparação profissional, fomentada de forma sistemática pelos organismos que os representavam.
O percurso seguido pelos médicos ia em sentido contrário, revelando uma atitude de progressivo distanciamento da orgânica interna dos hospitais. Esta postura também ajudou a criar a ideia de que se preocupavam pouco com as contas e que descartavam as tarefas burocráticas. Estava criado o ambiente propício ao seu afastamento gradual dos gabinetes de comando.
Esta onda desfavorável foi ampliada pela degradação da formação pós-graduada e pelo facilitismo que passou a imperar nos concursos de progressão na carreira médica, que no passado tanta importância tiveram para a criação de quadros competentes. A descida da fasquia de exigência do sistema de selecção levou a que nem sempre os melhores ocupassem os lugares para que estavam destinados. A evolução neste sentido não podia deixar de trazer consequências na manutenção da sólida e responsável hierarquia, que caucionava as boas práticas e a aprendizagem.
Neste contexto, antevia-se um choque de culturas entre a actividade clínica e uma nova organização administrativa tida por disciplinada, mas algo rotineira e muito parcelar. Outros factores importantes contribuíram para que este confronto de ideias e de estratégias não fosse adiado por muito mais tempo.
O notável progresso médico, que aconteceu a partir da década de 80, agudizou as contradições deste processo. Surgiram as novas técnicas de diagnóstico e de terapêutica – ecografia, tomografia axial computorizada (TAC), ressonância magnética (RM), angiografia digital, tomografia por emissão de positrões (PET), cintigrafias e endoscopias –, os medicamentos inovadores, de elevado custo, sobretudo para a sida, doenças oncológicas, reumatismais e hepatite C. O aumento da expectativa de vida, com o rosário de doenças crónicas que se lhe associam, também deu um contributo significativo para o disparo dos custos com a actividade assistencial.
Perante esta realidade (doentes graves, actos médicos complexos e gastos a subir em flecha), é natural que os governantes quisessem direcções que imprimissem rigor na gestão, sobretudo nas áreas da farmácia e do aprovisionamento, mais do que focarem-se na qualidade assistencial. Este cenário consolidou a noção de que os médicos eram uma má aposta para se sentarem ao leme destes barcos gigantes. Apesar dos ventos desfavoráveis, o bom senso de alguns ministros levou-os a não prescindir dos clínicos na direcção das unidades de saúde mais complexas. Na grande maioria dos casos estiveram à altura do cargo, com desempenhos exemplares.
Mas o que mais abanou o exercício da actividade clínica tradicional e que teve uma enorme repercussão na vida interna dos hospitais foi a introdução das inovadoras técnicas de diagnóstico. Com elas passaram a visualizar-se “coisas invisíveis” e a descobrir processos patológicos que antes eram apenas imaginados. Do uso parcimonioso, até porque eram caras, passou-se à “adopção” generalizada. Estava aberto o caminho para a sua sobreutilização acrítica.
Com todas estas possibilidades postas ao dispor da medicina, nada podia ficar como dantes. Os médicos adaptaram-se à modernidade e a sua prática alterou-se. As especialidades que utilizavam técnicas passaram a ser disputadas pelos clínicos melhor classificados. Esta opção é compreensível, se tivermos em conta que quem as dominava passava a usufruir de um estatuto especial, e com proveitos económicos que não estão ao alcance de quem usa apenas o estetoscópio.
Esta conjuntura trouxe outras consequências, como a de impulsionar a superespecialização, até certo ponto justificada pelo progresso técnico e científico. Mas é sabido que se foi longe de mais, tornando quase mórbida essa tendência, quando se formaram peritos de técnicas e não apenas de áreas de conhecimento.
Com a mudança das mentalidades percorreu-se um caminho de afastamento da disciplina mãe. Centraram-se à volta do órgão ou sistema em causa, aproximando-se das especialidades afins. Desta forma, perdeu-se a intervenção coordenadora da medicina interna e da cirurgia geral, que deviam ter um papel importante na avaliação crítica do que se faz e na racionalização dos actos médicos. Só assim seriam integrados de forma eficaz e com rentabilidade máxima os enormes avanços tecnológicos.
Para chegar a um diagnóstico rápido das doenças os clínicos passaram a acreditar cegamente nas técnicas. Por isso, não admira que as peçam em catadupa, à espera que alguma delas traga a chave da equação. Nessa lógica, desvalorizam ou dispensam mesmo o precioso contributo da história clínica e do exame objectivo, que poderiam dar alguns elementos fundamentais para se chegar a bom porto. Se assim fosse, evitar-se-iam muitos trajectos erráticos no estudo do doente, que acaba por funcionar como uma peça da engrenagem criada.
Outro corolário lógico desta mecanização e “industrialização” da medicina é o afastamento, cada vez mais notório, do médico e do doente. As máquinas funcionam como um muro intransponível colocado entre eles. E o lema em voga é o de que não há tempo a perder com diálogos, porque os aparelhos têm de ser rentabilizados. Sem interlocutor com quem possam dissipar dúvidas, os doentes socorrem-se da Internet.
A informatização do processo clínico também contribuiu para criar este caldo de cultura. A colocação de cruzes nos quadrados de folhas fotocopiadas dispensa as “maçudas” histórias clínicas a que os mestres antigos atribuíam grande importância. Os doentes referem, com frequência que, durante a consulta, o médico nunca orientou os olhos na sua direcção, desviando-os sistematicamente para o computador.
Existe outro problema de fundo relacionado com as novas técnicas: a falta da sua inserção no contexto clínico. Nunca se devia esquecer que a inocuidade de algumas não é absoluta e são falíveis, por mais sofisticadas que sejam. Visto o problema de outro ângulo, não se questiona a capacidade técnica de quem as faz e interpreta. Não entrar em linha de conta com estes factos pode levar a omissões e erros grosseiros, que dificultam o diagnóstico e resultam em claro prejuízo para o doente.
Noutra perspectiva, os médicos têm de lidar com lógica e bom senso perante alguns achados ocasionais, sem significado clínico. Se assim não for, cai-se na tentação de pedir novos exames, à espera que o mistério fantasma seja desvendado. Esta desfocagem da investigação, desviando-a do essencial, acrescenta riscos, gera custos e intensifica a ansiedade de quem sofre. Muitas vezes entra-se num verdadeiro carrossel de investigação académica, sem qualquer interesse para o esclarecimento da doença em causa.
A embriaguez dos clínicos com as técnicas criou mais um factor adicional para a degradação da afectividade inerente ao acto clínico. É indubitável que o notável progresso médico das últimas décadas acabou por introduzir barreiras na relação do médico com o doente.
Contudo, é a primazia dada aos indicadores clínicos, remetendo os doentes para segundo plano, a ameaça mais séria a este princípio ancestral. Por isso, a voragem pelos números é uma marca pouco louvável da moderna gestão hospitalar.
Para a evolução do exercício da medicina neste sentido, não sabemos qual o impacto que terá tido a perda de poder dos médicos. Mas é um facto que a escolha dos gestores nem sempre é a melhor. Nota-se a falta de uma boa organização que possa responder às dificuldades na orientação do doente.
Penso que para responder a esta disfunção é necessário o regresso do primado da clínica, que permita conciliar os avanços científicos com a humanização dos cuidados de saúde. Ora isto não é fácil, porque as circunstâncias são diferentes e a história não volta para trás. Remover conceitos, práticas, interesses e vícios é uma tarefa hercúlea. Mas, temos de sonhar, para poder acreditar que ainda é possível conciliar estes dois mundos tão diferentes, porque só desta forma se faria um aproveitamento óptimo da evolução da medicina em prol do doente, libertando-o do intrincado mosaico de interesses que grassa nas instituições.
Claro que a mudança depende sobretudo de opções políticas, mas tem de ser a governação clínica a recriar essa cultura. Nessa perspectiva, os directores clínicos devem encabeçar a cruzada, para alargarem o movimento de regeneração a todo o corpo clínico. Na conjuntura actual, a inversão da tendência até pode parecer uma utopia, mas um programa destes não é irrealizável. E não se invoque a escassez de verbas atribuídas à saúde para se ficar sentado a ver passar o filme, porque é sabido que o desperdício é enorme com a prática e a administração actual.
Evitando-se a duplicação de actos médicos, um pedido mais racional de exames e uma prescrição adequada de medicamentos, pondo de lado a obsessão e a futilidade terapêutica, muito se pouparia. Na formação dos clínicos também se deve incutir o princípio de que o exagero no pedido de exames auxiliares de diagnóstico e na prescrição de fármacos é um índice de má qualidade da medicina. Noutra vertente, tem de se respeitar a autonomia e dignidade dos doentes, levando-os a aceitar os limites da medicina.
Nesta lógica que se advoga, o hospital do futuro poderia inscrever na sua missão: «Aqui prestam-se cuidados de saúde de elevado nível qualitativo, de forma humanizada, com o tempo de internamento estritamente necessário e fazendo uma utilização racional dos medicamentos e dos exames de diagnóstico e de terapêutica. Também se procura que todos os actos assistenciais sejam feitos com o menor custo possível, porque os recursos são finitos».
No horizonte perfilam-se muitas dúvidas quanto ao futuro da medicina. Há quem diga que há cada vez mais licenciados nesta disciplina, mas menos médicos. Paralelamente, a revolução digital avança e vai trazer-nos a inteligência artificial. Por este andar, não tardará que os computadores façam o diagnóstico e a prescrição dos medicamentos. Será a oportunidade para os engenheiros da medicina entrarem em cena.
Teme-se que, nesta senda, seja enterrada a visão hipocrática da medicina, que é holística e não se foca apenas na doença, mas também na interface social. Nesta perspectiva, a medicina como ciência, técnica e arte na relação do médico com o doente deixará de fazer sentido. Antevendo este panorama, será licito acabar esta reflexão com a seguinte interrogação: se seguirmos por este caminho o doente será melhor tratado no futuro?
Álvaro Carvalho
Especialista em medicina interna. Ex-gestor hospitalar
O Estado preocupou-se pouco com a organização e gestão dos hospitais até à década de setenta do século passado. Preferiu delegar esse encargo nas Misericórdias. Eram estas instituições que, por todo o país, se encarregavam de administrar as unidades de saúde, aliando a sua vocação e desejo à reiterada intenção do poder político.
Fora deste convénio tácito ficaram os hospitais centrais, localizados em Lisboa, Coimbra e Porto, que davam resposta aos doentes com situações clínicas mais graves, referenciados de todo o país. Estas grandes unidades, que funcionavam como fim de linha, também usufruíam desse estatuto de excepção porque sediavam as faculdades de medicina, o que acrescentava alguma complexidade ao planeamento da actividade e ao seu funcionamento global.
Estes casos particulares serviam ainda para mostrar que o Governo não alienava totalmente a sua responsabilidade, numa área tão sensível como é a saúde da população.
Em abono da verdade se diga que, nessa época, a gestão de um hospital público não apresentava as dificuldades que actualmente se lhe reconhecem. Os custos com pessoal constituíam a grande parcela de gastos e o ministério tutelar, através da tesouraria de cada instituição, assegurava essa despesa sem a questionar.
As outras rubricas assumiam muito menos importância. Os consumíveis, a alimentação (confeccionada internamente), os exames auxiliares de diagnóstico (apenas a radiologia convencional e uma gama limitada de análises clínicas) e o equipamento cirúrgico, tinham pouco impacto no dispêndio global.
Nos serviços farmacêuticos já pairava no horizonte uma preocupação séria: os encargos com os antibióticos. Estes fármacos consumiam metade dos orçamentos hospitalares para medicamentos e a atenção dos dirigentes começava a ser direccionada nesse sentido.
Não é exagero dizer que os clínicos mandavam nos hospitais, suportados no princípio de que a medicina não se faz sem médicos. Mesmo quando não manifestavam disponibilidade para integrar os conselhos de administração, exerciam a sua influência através dos órgãos técnicos, onde estavam obrigatoriamente representados. Por isso, não admira que tivessem sempre uma palavra importante a dizer na elaboração das grandes opções de investimento. Contudo, importa sublinhar que o maior crédito dos clínicos era a sua enorme capacidade técnica, alinhada com o interesse do doente e que, desta forma, acabava por condicionar muitas das decisões a tomar.
Perante este panorama geral, estava simplificada a tarefa dos directores dos serviços de acção médica. Ficavam libertos para fazer o que mais gostavam: equacionar os problemas dos doentes e tratá-los de acordo com o estado da arte. Nesta lógica, passavam muito tempo na enfermaria, dando grande atenção à vertente clínica, envolvendo-se no estudo e discussão das situações patológicas mais complicadas e que, por isso, colocavam problemas de diagnóstico pertinentes.
Das suas tarefas obrigatórias fazia parte a visita semanal à enfermaria. Nesse momento, carregado de simbolismo, reuniam toda a equipa e, sem pressa, com gosto e um máximo de rigor estimulavam o interrogatório e a observação meticulosa e sistemática dos doentes. Interferiam com frequência na colheita de dados de anamnese e participavam nos vários passos do exame físico. Na posse dos elementos relevantes, não era raro que logo ali, em espaço aberto, promovessem a abordagem do diagnóstico diferencial. Essa discussão prolongava-se no recanto de uma sala e nas acaloradas reuniões clínicas.
Esta metódica sequência assistencial tinha outro objectivo nobre: dar formação aos mais jovens, preparando o seu futuro profissional. Todos os protagonistas neste ritual desejavam ter uma trajectória de sucesso nas exigentes carreiras médicas e conseguir, se possível, um lugar no quadro das instituições. Ora, esta aprendizagem prática era fundamental para atingir esse desiderato, embora necessitasse de ser completado com o estudo teórico.
Médicos e doentes olhavam-se de frente, sem quaisquer barreiras administrativas ou tecnológicas a interpor-se entre eles. Não se falava em listas de espera para consultas, execução de exames ou actos cirúrgicos. A situação clínica e o bom senso estabeleciam as prioridades e, caso fosse necessário, havia um moderador que tinha a última palavra, a que se afigurasse mais adequada ao interesse do enfermo.
Se eram os médicos a influenciar a gestão, faziam-no através dos directores de serviço, que estavam no topo de uma cadeia hierárquica bem definida e que ninguém questionava. Todos estes aspectos ajudavam a retratar a figura do médico sábio que, embora paternalista, desempenhava a sua actividade com grande sentido de humanidade e de proximidade ao doente. Desta forma, era colocado no centro do sistema, dispensando os chavões que hoje, tão a despropósito, estão em voga. E quando não era possível curar ou melhorar a sua doença, havia palavras para o confortar…
Após a revolução de Abril, este estatuto privilegiado do médico sobreviveu às poderosas comissões de trabalhadores, porque seria de uma grande irresponsabilidade interferir numa área tão sensível. Mas percebia-se que, mais cedo ou mais tarde, a trajectória reformista iria trazer alterações nas cada vez mais complexas estruturas hospitalares, sendo certo que o papel dos clínicos iria ser questionado. A progressiva valorização da promoção da saúde, e não só dos seus aspectos curativos, também terá contribuído para alterar a relação de forças existente.
Administradores hospitalares e enfermeiros, algumas vezes em estratégias concertadas, encontravam-se na linha da frente para lhes disputar a liderança. Os primeiros foram aumentando em número e assumiam um protagonismo crescente. Jogava a seu favor a coesão de que sempre deram provas e os apoios que tinham nos corredores dos ministérios. Perceberam que a sua hora tinha chegado. Seria uma questão de tempo e de espreitar as oportunidades para acederem à gestão de topo.
Os enfermeiros também acharam que estava na altura de se libertarem da tutela técnica dos médicos, um desejo muito antigo. Dava asas a essa ambição a melhoria da sua preparação profissional, fomentada de forma sistemática pelos organismos que os representavam.
O percurso seguido pelos médicos ia em sentido contrário, revelando uma atitude de progressivo distanciamento da orgânica interna dos hospitais. Esta postura também ajudou a criar a ideia de que se preocupavam pouco com as contas e que descartavam as tarefas burocráticas. Estava criado o ambiente propício ao seu afastamento gradual dos gabinetes de comando.
Esta onda desfavorável foi ampliada pela degradação da formação pós-graduada e pelo facilitismo que passou a imperar nos concursos de progressão na carreira médica, que no passado tanta importância tiveram para a criação de quadros competentes. A descida da fasquia de exigência do sistema de selecção levou a que nem sempre os melhores ocupassem os lugares para que estavam destinados. A evolução neste sentido não podia deixar de trazer consequências na manutenção da sólida e responsável hierarquia, que caucionava as boas práticas e a aprendizagem.
Neste contexto, antevia-se um choque de culturas entre a actividade clínica e uma nova organização administrativa tida por disciplinada, mas algo rotineira e muito parcelar. Outros factores importantes contribuíram para que este confronto de ideias e de estratégias não fosse adiado por muito mais tempo.
O notável progresso médico, que aconteceu a partir da década de 80, agudizou as contradições deste processo. Surgiram as novas técnicas de diagnóstico e de terapêutica – ecografia, tomografia axial computorizada (TAC), ressonância magnética (RM), angiografia digital, tomografia por emissão de positrões (PET), cintigrafias e endoscopias –, os medicamentos inovadores, de elevado custo, sobretudo para a sida, doenças oncológicas, reumatismais e hepatite C. O aumento da expectativa de vida, com o rosário de doenças crónicas que se lhe associam, também deu um contributo significativo para o disparo dos custos com a actividade assistencial.
Perante esta realidade (doentes graves, actos médicos complexos e gastos a subir em flecha), é natural que os governantes quisessem direcções que imprimissem rigor na gestão, sobretudo nas áreas da farmácia e do aprovisionamento, mais do que focarem-se na qualidade assistencial. Este cenário consolidou a noção de que os médicos eram uma má aposta para se sentarem ao leme destes barcos gigantes. Apesar dos ventos desfavoráveis, o bom senso de alguns ministros levou-os a não prescindir dos clínicos na direcção das unidades de saúde mais complexas. Na grande maioria dos casos estiveram à altura do cargo, com desempenhos exemplares.
Mas o que mais abanou o exercício da actividade clínica tradicional e que teve uma enorme repercussão na vida interna dos hospitais foi a introdução das inovadoras técnicas de diagnóstico. Com elas passaram a visualizar-se “coisas invisíveis” e a descobrir processos patológicos que antes eram apenas imaginados. Do uso parcimonioso, até porque eram caras, passou-se à “adopção” generalizada. Estava aberto o caminho para a sua sobreutilização acrítica.
Com todas estas possibilidades postas ao dispor da medicina, nada podia ficar como dantes. Os médicos adaptaram-se à modernidade e a sua prática alterou-se. As especialidades que utilizavam técnicas passaram a ser disputadas pelos clínicos melhor classificados. Esta opção é compreensível, se tivermos em conta que quem as dominava passava a usufruir de um estatuto especial, e com proveitos económicos que não estão ao alcance de quem usa apenas o estetoscópio.
Esta conjuntura trouxe outras consequências, como a de impulsionar a superespecialização, até certo ponto justificada pelo progresso técnico e científico. Mas é sabido que se foi longe de mais, tornando quase mórbida essa tendência, quando se formaram peritos de técnicas e não apenas de áreas de conhecimento.
Com a mudança das mentalidades percorreu-se um caminho de afastamento da disciplina mãe. Centraram-se à volta do órgão ou sistema em causa, aproximando-se das especialidades afins. Desta forma, perdeu-se a intervenção coordenadora da medicina interna e da cirurgia geral, que deviam ter um papel importante na avaliação crítica do que se faz e na racionalização dos actos médicos. Só assim seriam integrados de forma eficaz e com rentabilidade máxima os enormes avanços tecnológicos.
Para chegar a um diagnóstico rápido das doenças os clínicos passaram a acreditar cegamente nas técnicas. Por isso, não admira que as peçam em catadupa, à espera que alguma delas traga a chave da equação. Nessa lógica, desvalorizam ou dispensam mesmo o precioso contributo da história clínica e do exame objectivo, que poderiam dar alguns elementos fundamentais para se chegar a bom porto. Se assim fosse, evitar-se-iam muitos trajectos erráticos no estudo do doente, que acaba por funcionar como uma peça da engrenagem criada.
Outro corolário lógico desta mecanização e “industrialização” da medicina é o afastamento, cada vez mais notório, do médico e do doente. As máquinas funcionam como um muro intransponível colocado entre eles. E o lema em voga é o de que não há tempo a perder com diálogos, porque os aparelhos têm de ser rentabilizados. Sem interlocutor com quem possam dissipar dúvidas, os doentes socorrem-se da Internet.
A informatização do processo clínico também contribuiu para criar este caldo de cultura. A colocação de cruzes nos quadrados de folhas fotocopiadas dispensa as “maçudas” histórias clínicas a que os mestres antigos atribuíam grande importância. Os doentes referem, com frequência que, durante a consulta, o médico nunca orientou os olhos na sua direcção, desviando-os sistematicamente para o computador.
Existe outro problema de fundo relacionado com as novas técnicas: a falta da sua inserção no contexto clínico. Nunca se devia esquecer que a inocuidade de algumas não é absoluta e são falíveis, por mais sofisticadas que sejam. Visto o problema de outro ângulo, não se questiona a capacidade técnica de quem as faz e interpreta. Não entrar em linha de conta com estes factos pode levar a omissões e erros grosseiros, que dificultam o diagnóstico e resultam em claro prejuízo para o doente.
Noutra perspectiva, os médicos têm de lidar com lógica e bom senso perante alguns achados ocasionais, sem significado clínico. Se assim não for, cai-se na tentação de pedir novos exames, à espera que o mistério fantasma seja desvendado. Esta desfocagem da investigação, desviando-a do essencial, acrescenta riscos, gera custos e intensifica a ansiedade de quem sofre. Muitas vezes entra-se num verdadeiro carrossel de investigação académica, sem qualquer interesse para o esclarecimento da doença em causa.
A embriaguez dos clínicos com as técnicas criou mais um factor adicional para a degradação da afectividade inerente ao acto clínico. É indubitável que o notável progresso médico das últimas décadas acabou por introduzir barreiras na relação do médico com o doente.
Contudo, é a primazia dada aos indicadores clínicos, remetendo os doentes para segundo plano, a ameaça mais séria a este princípio ancestral. Por isso, a voragem pelos números é uma marca pouco louvável da moderna gestão hospitalar.
Para a evolução do exercício da medicina neste sentido, não sabemos qual o impacto que terá tido a perda de poder dos médicos. Mas é um facto que a escolha dos gestores nem sempre é a melhor. Nota-se a falta de uma boa organização que possa responder às dificuldades na orientação do doente.
Penso que para responder a esta disfunção é necessário o regresso do primado da clínica, que permita conciliar os avanços científicos com a humanização dos cuidados de saúde. Ora isto não é fácil, porque as circunstâncias são diferentes e a história não volta para trás. Remover conceitos, práticas, interesses e vícios é uma tarefa hercúlea. Mas, temos de sonhar, para poder acreditar que ainda é possível conciliar estes dois mundos tão diferentes, porque só desta forma se faria um aproveitamento óptimo da evolução da medicina em prol do doente, libertando-o do intrincado mosaico de interesses que grassa nas instituições.
Claro que a mudança depende sobretudo de opções políticas, mas tem de ser a governação clínica a recriar essa cultura. Nessa perspectiva, os directores clínicos devem encabeçar a cruzada, para alargarem o movimento de regeneração a todo o corpo clínico. Na conjuntura actual, a inversão da tendência até pode parecer uma utopia, mas um programa destes não é irrealizável. E não se invoque a escassez de verbas atribuídas à saúde para se ficar sentado a ver passar o filme, porque é sabido que o desperdício é enorme com a prática e a administração actual.
Evitando-se a duplicação de actos médicos, um pedido mais racional de exames e uma prescrição adequada de medicamentos, pondo de lado a obsessão e a futilidade terapêutica, muito se pouparia. Na formação dos clínicos também se deve incutir o princípio de que o exagero no pedido de exames auxiliares de diagnóstico e na prescrição de fármacos é um índice de má qualidade da medicina. Noutra vertente, tem de se respeitar a autonomia e dignidade dos doentes, levando-os a aceitar os limites da medicina.
Nesta lógica que se advoga, o hospital do futuro poderia inscrever na sua missão: «Aqui prestam-se cuidados de saúde de elevado nível qualitativo, de forma humanizada, com o tempo de internamento estritamente necessário e fazendo uma utilização racional dos medicamentos e dos exames de diagnóstico e de terapêutica. Também se procura que todos os actos assistenciais sejam feitos com o menor custo possível, porque os recursos são finitos».
No horizonte perfilam-se muitas dúvidas quanto ao futuro da medicina. Há quem diga que há cada vez mais licenciados nesta disciplina, mas menos médicos. Paralelamente, a revolução digital avança e vai trazer-nos a inteligência artificial. Por este andar, não tardará que os computadores façam o diagnóstico e a prescrição dos medicamentos. Será a oportunidade para os engenheiros da medicina entrarem em cena.
Teme-se que, nesta senda, seja enterrada a visão hipocrática da medicina, que é holística e não se foca apenas na doença, mas também na interface social. Nesta perspectiva, a medicina como ciência, técnica e arte na relação do médico com o doente deixará de fazer sentido. Antevendo este panorama, será licito acabar esta reflexão com a seguinte interrogação: se seguirmos por este caminho o doente será melhor tratado no futuro?
Álvaro Carvalho
Especialista em medicina interna. Ex-gestor hospitalar
quinta-feira, 27 de setembro de 2018
Honra
Troco um porto de honra por um gin tónico de (des)(h)onra praticamente qualquer dia da semana.
terça-feira, 25 de setembro de 2018
segunda-feira, 24 de setembro de 2018
Só um
No monoteísmo, os crentes acreditam em apenas uma entidade divina ao mesmo tempo que não acreditam em (n-1) deuses de religiões alheias. Ou seja, estão a apenas um deus de distância dos ateus, que não acreditam em n deuses.
domingo, 23 de setembro de 2018
Escolha
«A decisão de carregar num ou noutro interruptor é certamente reflexo de uma escolha. Porém, essa escolha não é livre. Na verdade, a nossa crença no livre arbítrio resulta de uma lógica falaciosa. Quando uma reação bioquímica em cadeia faz com que eu queira carregar no interruptor da direita, sinto que quero mesmo carregar no interruptor da direita. E é verdade. Eu quero mesmo carregar nesse interruptor. Só que as pessoas tiram a ilação errada de que, pelo facto de querer carregar no botão, esse desejo é uma escolha. E é claro que isto é falso. Eu não escolho os meus desejos. Eu limito-me a senti-los e a agir em função deles.»
Homo Deus, Yuval Noah Harari
Homo Deus, Yuval Noah Harari
sábado, 22 de setembro de 2018
quinta-feira, 20 de setembro de 2018
A hospedeira alta e loura e dirige-se aos passageiros que ocupam a fila da saída de emergência
Mesmo à frente daquela onde estou sentado. Fala num inglês que não consegue camuflar a sua origem germânica. Explica-lhes os deveres das pessoas que ali se sentam e pergunta-lhes se estão dispostos a aceitar essa responsabilidade. No meio da dificuldade de comunicação com a senhora que ocupa o lugar à janela, toma a decisão de abandonar essa estratégia e limita-se a informá-la que terá de trocar de lugar com outra pessoa. Explica-lhe a razão
You are not speaking English
Uma aplicação do present continuous inglês mais comum em pessoas para as quais o inglês é uma língua estrangeira, independentemente da respectiva língua materna.
Tenho um problema grave com o gerúndio (mormente quando utilizado para juntar frases) uma aversão que penso ter sido inculcada pela minha professora primária. É muito simples: soa-me a alentejano ou brasileiro. Um dos dois. E digo isto sem desprimor pelo sotaque alentejano e pelo português do Brasil, apenas porque me soa deslocado, por não ser dito (ou escrito) com o intuito de ser genuinamente alentejano ou brasileiro. Da mesma forma que acharia estranho um brasileiro com um sotaque lisboeta.
Aqui há mais do que uma forma diferente ou a piada do sotaque, há também uma diferença que pode ser relevante do ponto de vista da transmissão da mensagem. Sem ter certeza relativamente à correcção, parece-me, ainda assim, que a comunicação teria sido facilitada caso a hospedeira imponente tivesse dito "a senhora não fala inglês" ao invés de "a senhora não está falando inglês".
E foi isso que me ocorreu em relação à frase desta hospedeira da Lufthansa: uma alemã a falar inglês como se fosse uma alentejana ou brasileira.
You are not speaking English
Uma aplicação do present continuous inglês mais comum em pessoas para as quais o inglês é uma língua estrangeira, independentemente da respectiva língua materna.
Tenho um problema grave com o gerúndio (mormente quando utilizado para juntar frases) uma aversão que penso ter sido inculcada pela minha professora primária. É muito simples: soa-me a alentejano ou brasileiro. Um dos dois. E digo isto sem desprimor pelo sotaque alentejano e pelo português do Brasil, apenas porque me soa deslocado, por não ser dito (ou escrito) com o intuito de ser genuinamente alentejano ou brasileiro. Da mesma forma que acharia estranho um brasileiro com um sotaque lisboeta.
Aqui há mais do que uma forma diferente ou a piada do sotaque, há também uma diferença que pode ser relevante do ponto de vista da transmissão da mensagem. Sem ter certeza relativamente à correcção, parece-me, ainda assim, que a comunicação teria sido facilitada caso a hospedeira imponente tivesse dito "a senhora não fala inglês" ao invés de "a senhora não está falando inglês".
E foi isso que me ocorreu em relação à frase desta hospedeira da Lufthansa: uma alemã a falar inglês como se fosse uma alentejana ou brasileira.
quarta-feira, 19 de setembro de 2018
terça-feira, 18 de setembro de 2018
segunda-feira, 17 de setembro de 2018
sábado, 15 de setembro de 2018
Paranóia
Nota-se que a escolha de música ambiente nos ginásios é algo que foi pensado, considerado: música com ritmo e energética sala com máquinas e pesos; mais suave e relaxante no balneário. Por vezes, a opção é mais curiosa. Há dias, no balneário, ouvi o "Paranoid" dos Black Sabbath. É certo que era uma versão altamente elevadorizada face ao original, com uma voz feminina muito doce. Mas, ainda assim, finished with my woman 'cause she couldn't help me with my mind são palavras que não inspiram propriamente uma sensação de calma e paz.
sexta-feira, 14 de setembro de 2018
Só há uma forma de pôr ordem na questão do salário bruto e do líquido
Ou o primeiro passa a sólido (ou gasoso) ou o segundo passa a meigo.
quinta-feira, 13 de setembro de 2018
quarta-feira, 12 de setembro de 2018
O que não é dito
«Estar do lado receptor quando se insulta alguém não é assim tão mau; habituamo-nos rapidamente a concentrar-nos no que não é dito. Os operadores de bolsa são treinados para aguentar investidas furiosas. Se trabalhar no ambiente caótico da sala de transacções da bolsa, é normal que alguém, exasperado por ter perdido dinheiro, comece a injuriá-lo até lhe doerem as cordas vocais e, logo de seguida, esqueça tudo e o convide para a festa de Natal que vai dar. Mantenha a compostura, sorria, concentre-se no interlocutor e não na mensagem e ganhará a discussão. Um ataque ad hominem contra um intelectual, e não contra uma ideia, é algo de extremamente lisonjeador. Indica que a pessoa não tem nada de inteligente para dizer à sua mensagem.»
O Cisne Negro, Nassim Nicholas Taleb
O Cisne Negro, Nassim Nicholas Taleb
terça-feira, 11 de setembro de 2018
Ditadura linguistica
O auge do regime comunista deu-se com o envio dos pronomes possessivos para os gulags.
segunda-feira, 10 de setembro de 2018
domingo, 9 de setembro de 2018
sexta-feira, 7 de setembro de 2018
quinta-feira, 6 de setembro de 2018
quarta-feira, 5 de setembro de 2018
terça-feira, 4 de setembro de 2018
Ou não
«Muitas pessoas trabalham ao longo da vida com a impressão de que estão a fazer algo bem-feito, podendo, não apresentar resultados sólidos durante muito tempo. Precisam de ter a capacidade de suportar o contínuo adiamento da gratificação para sobreviver à dieta regular de crueldade infligida pelos outros, sem se sentirem desmoralizados. Parecem idiotas aos olhos dos seus primos, parecem idiotas aos olhos dos seus pares, precisam de coragem para continuar. Não lhes aparece qualquer confirmação, qualquer validação, nem um aluno bajulador, nem o Nobel, nem o Shnobel. «Como foi o seu ano?» provoca-lhes um pequeno, embora controlável, espasmo de dor no mais profundo dos seus seres, porque quase todos os seus anos parecerão um desperdício a quem lhes observa a vida de uma perspectiva exterior. E bum!, eis que surge o acontecimento expressivo que permitirá a total vindicação. Ou não.»
O Cisne Negro, Nassim Nicholas Taleb
O Cisne Negro, Nassim Nicholas Taleb
segunda-feira, 3 de setembro de 2018
Leitura indigesta
Decorria o final da minha adolescência quando, estupidamente, numa viagem de autocarro do Algarve para Lisboa, resolvi pegar num livro e ler um pouco. A reacção não foi imediata, só ao fim de uma hora e picos veio a dor de cabeça, que progrediu para uma indisposição que, por sua vez, interferiu com a minha digestão. O episódio terminou comigo, como se costuma dizer noutras paragens, praying to the porcelain god. Aprendi a lição e não voltei a repetir.
Lembro-me deste episódio sempre que vejo navegadores de rally na televisão.
Lembro-me deste episódio sempre que vejo navegadores de rally na televisão.
domingo, 2 de setembro de 2018
sábado, 1 de setembro de 2018
sexta-feira, 31 de agosto de 2018
Presente perfeito
«- Que vergonha! exclamou. – Que vergonha, Mr. Humbert! Coitado do rapaz, que acaba de ter sido matado [has just been killed] na Coreia.
Eu retorqui se não lhe parecia que vient de, seguido de infinitivo, exprimia os acontecimentos recentes com bastante mais rigor do que o abstruso presente perfeito do inglês?»
Lolita, Vladimir Nabokov
Eu retorqui se não lhe parecia que vient de, seguido de infinitivo, exprimia os acontecimentos recentes com bastante mais rigor do que o abstruso presente perfeito do inglês?»
Lolita, Vladimir Nabokov
quinta-feira, 30 de agosto de 2018
quarta-feira, 29 de agosto de 2018
terça-feira, 28 de agosto de 2018
Apesar de todas as diferenças entre os povos eslavos dos Balcãs há, no mínimo, uma coisa que os une.
E de uma forma bastante saliente. Podemos sentar à mesma mesa um sérvio e um croata, daqueles que tem a aspereza típica, a roçar a rudeza, similar à dos russos. E que, ainda por cima, nutrem uma rivalidade e uma antipatia entre si bastante evidentes. E ainda adicionar um bósnio (já parece uma anedota) e um montenegrino. E ainda um macedónio, cuja simpatia natural os coloca nos antípodas dos sérvios e croatas. É altamente provável que a reunião destas pessoas resulte em confusão e zaragata, próprias de quem consegue discordar de praticamente tudo. No entanto, é provável que, num aspecto muito particular, estejam em perfeita sintonia:
Albanians are strange
uma frase que ouvimos mais do que uma vez.
A tendência natural que temos de arrumar, organizar, etiquetar toda a informação com que nos deparamos é forçada, pelos albaneses, a trabalhar horas extraordinárias. Não são de todo como os restantes eslavos daquelas paragens. Mas também não são como os turcos ou como árabes. A língua, apesar de ser indo-europeia, ocupa um ramo próprio, isolada das demais. E, como se tudo isso não chegasse e não fosse suficientemente diferente, ainda pronunciam os “r” de forma enrolada, a fazer lembrar os brasileiros nordestinos.
De todos, a Bósnia é o país que sente mais diverso, eventualmente porque é o aquele onde a fronteira geográfica menos coincide com a da própria estrutura da população e, por isso, menos centrada numa única etnia, como nos restantes países. A organização político-administrativa é, também ela, diferente: ao conduzir no país, passamos pelas placas que assinalam a fronteira entre duas regiões, a fazer lembrar a forma como atravessamos as fronteiras da União Europeia. De um lado, a Federação da Bósnia Herzegovina, onde se localiza a capital Sarajevo, maioritariamente habitada por população bosníaca, essencialmente muçulmana, e croata; do outro lado, a República Sérvia, como o próprio nome indica, maioritariamente sérvia. A sede da Assembleia Nacional e do Governo desta última – que tem um presidente e um primeiro-ministro – e é Banja Luca. Finalmente, há ainda um pequeno distrito, perto da fronteira com a Sérvia, que é independente.
Parece haver claramente um espírito balcânico, que atravessa transversalmente aqueles lugares e aquelas gentes e os toca a todos, uma afirmação que tenho de acompanhar da devida ressalva de que se trata de uma perspectiva externa de quem é confessadamente pouco conhecedor da região e a da história. Da mesma forma que, pese embora me sinta manifestamente diferente de um espanhol, não deve haver muitos conjuntos de pessoas que nos sejam mais próximos.
Albanians are strange
uma frase que ouvimos mais do que uma vez.
A tendência natural que temos de arrumar, organizar, etiquetar toda a informação com que nos deparamos é forçada, pelos albaneses, a trabalhar horas extraordinárias. Não são de todo como os restantes eslavos daquelas paragens. Mas também não são como os turcos ou como árabes. A língua, apesar de ser indo-europeia, ocupa um ramo próprio, isolada das demais. E, como se tudo isso não chegasse e não fosse suficientemente diferente, ainda pronunciam os “r” de forma enrolada, a fazer lembrar os brasileiros nordestinos.
De todos, a Bósnia é o país que sente mais diverso, eventualmente porque é o aquele onde a fronteira geográfica menos coincide com a da própria estrutura da população e, por isso, menos centrada numa única etnia, como nos restantes países. A organização político-administrativa é, também ela, diferente: ao conduzir no país, passamos pelas placas que assinalam a fronteira entre duas regiões, a fazer lembrar a forma como atravessamos as fronteiras da União Europeia. De um lado, a Federação da Bósnia Herzegovina, onde se localiza a capital Sarajevo, maioritariamente habitada por população bosníaca, essencialmente muçulmana, e croata; do outro lado, a República Sérvia, como o próprio nome indica, maioritariamente sérvia. A sede da Assembleia Nacional e do Governo desta última – que tem um presidente e um primeiro-ministro – e é Banja Luca. Finalmente, há ainda um pequeno distrito, perto da fronteira com a Sérvia, que é independente.
Parece haver claramente um espírito balcânico, que atravessa transversalmente aqueles lugares e aquelas gentes e os toca a todos, uma afirmação que tenho de acompanhar da devida ressalva de que se trata de uma perspectiva externa de quem é confessadamente pouco conhecedor da região e a da história. Da mesma forma que, pese embora me sinta manifestamente diferente de um espanhol, não deve haver muitos conjuntos de pessoas que nos sejam mais próximos.
segunda-feira, 27 de agosto de 2018
Poucos quilómetros depois de termos saído de Sarajevo, logo após uma curva, vemos dois polícias ao lado da estrada.
Um deles aproxima-se mais do alcatrão e, com uma placa redonda na mão, agita-me um sinal de stop. Abrando e encosto ao lado da estrada, perto do carro deles. O polícia que me mandou parar chega-se ao meu vidro, dá-me um “dobro den” e eu devolvo-lhe um “good morning” acompanhado dos passaportes, documentos do carro e carta de condução. Inspecciona-os durante uns instantes, devolve tudo e, num inglês carregado de eslavo,
Daniel, problem is speeding.
Numa primeira reacção, a acusação até nem me parece má, tendo em conta que, pouco antes, tinha atravessado um traço contínuo para ultrapassar um camião lento. Informa-me que ia a 82 km/h quando o limite era 60 km/h. O limite, naquela estrada, devia ser 80 ou 90 km/h mas, nas curvas, é costume ser reduzido para 60 km/h, o que eu, pura e simplesmente, não reparei. E, por isso, – e à semelhança do que me aconteceu há mais de dez anos, na Croácia, a única outra multa de velocidade que recebi – os polícias colocam-se à saída destes percursos de velocidade temporariamente inferior para apanhar os incautos.
Pede-me para sair do carro e diz-me que terei de ir até Pale, uma localidade a algumas dezenas de quilómetros, pagar uma multa de 100 marcos conversíveis (ou seja, 50 euros) na estação da polícia, e regressar àquele local. Esta parte devia ter-me feito sorrir porque, de pouco provável ou, mesmo surreal, ajudou a clarificar rapidamente o que se estava a passar.
O polícia sentou-se no seu carro e começou a passar a multa. Enquanto escrevia, o colega aproximou-se do nosso carro para dar uma olhadela de aprovação, a única intervenção que teve em todo o processo. Expliquei-lhe que íamos para Belgrado naquele dia para entregar o carro e, no dia seguinte, tínhamos um voo de regresso bastante cedo, pelo que não teria tempo para regressar ali. Pagaria a multa em Pale e seguiria caminho. Acrescentou qualquer coisa, dando a entender que tinha entendido o que lhe tinha dito, mostrando alguma simpatia com o argumento,
Sorry, my English bad
acompanhado de uma cara franzida e um gesto com a mão direita a oscilar lateralmente.
Pediu-me para assinar a multa e mostrou-me o código da estrada onde estavam discriminados os montantes da multa para um excesso de velocidade superior a 20 km/h face ao limite estipulado: de 100 a 300 marcos conversíveis, para que tivesse noção que me estava a aplicar o mínimo previsto por lei. O que ainda não lhe tinha dito nesta altura é que só tinha 20 euros na carteira e pouco mais de 40 dinares sérvios, que perfazem a módica quantia de cerca de 35 cêntimos.
Mas, pouco após a consulta ao código da estrada,
I help you
e chama a minha atenção para o número 25 que digita num bloco de papel que tem no colo, seguido da fracção 1 sobre 2. E escreve este valor na multa, enquanto continua a repetir
I help you
Confirmamos com ele que não temos de ir a Pale e digo-lhe que só temos os tais 20 euros. De imediato, esvazio a carteira à frente dos seus olhos, mostro-lhe a (apetecível) nota e ainda retiro os 40 dinares sérvios.
No problem
Diz enquanto rabisca um 0 por cima do 5 que já tinha feito na multa e altera o valor para os 20 euros. Acena negativamente aos dinares sérvios e segura na mão a multa e a nota de 20.
I deliver this for you in Pale Police Station
Frase à qual ainda acrescentamos um agradecimento quase tão falso quanto a sua vontade de ser solícito.
Antes de voltarmos ao carro para retomar o caminho, deixou-me a advertência
Drive slowly
À saída, na fronteira, perguntam-nos em que dia entrámos no país, porque não temos o carimbo de entrada.
Daniel, problem is speeding.
Numa primeira reacção, a acusação até nem me parece má, tendo em conta que, pouco antes, tinha atravessado um traço contínuo para ultrapassar um camião lento. Informa-me que ia a 82 km/h quando o limite era 60 km/h. O limite, naquela estrada, devia ser 80 ou 90 km/h mas, nas curvas, é costume ser reduzido para 60 km/h, o que eu, pura e simplesmente, não reparei. E, por isso, – e à semelhança do que me aconteceu há mais de dez anos, na Croácia, a única outra multa de velocidade que recebi – os polícias colocam-se à saída destes percursos de velocidade temporariamente inferior para apanhar os incautos.
Pede-me para sair do carro e diz-me que terei de ir até Pale, uma localidade a algumas dezenas de quilómetros, pagar uma multa de 100 marcos conversíveis (ou seja, 50 euros) na estação da polícia, e regressar àquele local. Esta parte devia ter-me feito sorrir porque, de pouco provável ou, mesmo surreal, ajudou a clarificar rapidamente o que se estava a passar.
O polícia sentou-se no seu carro e começou a passar a multa. Enquanto escrevia, o colega aproximou-se do nosso carro para dar uma olhadela de aprovação, a única intervenção que teve em todo o processo. Expliquei-lhe que íamos para Belgrado naquele dia para entregar o carro e, no dia seguinte, tínhamos um voo de regresso bastante cedo, pelo que não teria tempo para regressar ali. Pagaria a multa em Pale e seguiria caminho. Acrescentou qualquer coisa, dando a entender que tinha entendido o que lhe tinha dito, mostrando alguma simpatia com o argumento,
Sorry, my English bad
acompanhado de uma cara franzida e um gesto com a mão direita a oscilar lateralmente.
Pediu-me para assinar a multa e mostrou-me o código da estrada onde estavam discriminados os montantes da multa para um excesso de velocidade superior a 20 km/h face ao limite estipulado: de 100 a 300 marcos conversíveis, para que tivesse noção que me estava a aplicar o mínimo previsto por lei. O que ainda não lhe tinha dito nesta altura é que só tinha 20 euros na carteira e pouco mais de 40 dinares sérvios, que perfazem a módica quantia de cerca de 35 cêntimos.
Mas, pouco após a consulta ao código da estrada,
I help you
e chama a minha atenção para o número 25 que digita num bloco de papel que tem no colo, seguido da fracção 1 sobre 2. E escreve este valor na multa, enquanto continua a repetir
I help you
Confirmamos com ele que não temos de ir a Pale e digo-lhe que só temos os tais 20 euros. De imediato, esvazio a carteira à frente dos seus olhos, mostro-lhe a (apetecível) nota e ainda retiro os 40 dinares sérvios.
No problem
Diz enquanto rabisca um 0 por cima do 5 que já tinha feito na multa e altera o valor para os 20 euros. Acena negativamente aos dinares sérvios e segura na mão a multa e a nota de 20.
I deliver this for you in Pale Police Station
Frase à qual ainda acrescentamos um agradecimento quase tão falso quanto a sua vontade de ser solícito.
Antes de voltarmos ao carro para retomar o caminho, deixou-me a advertência
Drive slowly
À saída, na fronteira, perguntam-nos em que dia entrámos no país, porque não temos o carimbo de entrada.
domingo, 26 de agosto de 2018
A maioria dos edifícios mais antigos de Sarajevo, anteriores à guerra, tem buracos de balas.
Como se fossem daqueles durões que gostam de exibir as cicatrizes resultantes de brigas e rixas. Neste caso, um cerco de mais de 1400 dias, o mais longo da história da guerra moderna. Coabitam com prédios de construção moderna, que parecem ser escritórios, envidraçados que espalham a luz como espelhos.
Na recepção do hotel, a funcionária veste um hijab azul, que contrasta com a pele muito branca. Tem uma voz doce e o melhor inglês com que nos deparámos em quase quinze dias. O quarto é no primeiro andar e, quando lhe perguntamos se há elevador, diz-nos que não
It’s ok, you are men
e faz um gesto que evidencia o bicípite. Pego na mala, pouco convencido.
Palmilhamos a zona central da cidade, as ruas pedonais que se iniciam na praça conhecida como a dos pombos, repletas de lojas e esplanadas, algumas das quais ocupadas por pessoas a fumar shisha. Comemos cevapi – umas salsichas pequenas de carne picada, servidas num pão circular, acompanhadas de bocados de cebola – e burek – uma espécie de pastel de carne. Entramos no pátio da mesquita, perto da torre do relógio.
Para lá da zona mais velha da cidade, as ruas adquirem um aspecto mais moderno, as lojas passam a ostentar as marcas internacionais. Passamos por uma igreja católica. Um grupo de miúdos faz uma sessão de breakdance atrás de um recipiente para receber moedas. De acordo com uma inscrição, pretendem ir a um concurso de dança e precisam de angariar dinheiro.
Na recepção do hotel, a funcionária veste um hijab azul, que contrasta com a pele muito branca. Tem uma voz doce e o melhor inglês com que nos deparámos em quase quinze dias. O quarto é no primeiro andar e, quando lhe perguntamos se há elevador, diz-nos que não
It’s ok, you are men
e faz um gesto que evidencia o bicípite. Pego na mala, pouco convencido.
Palmilhamos a zona central da cidade, as ruas pedonais que se iniciam na praça conhecida como a dos pombos, repletas de lojas e esplanadas, algumas das quais ocupadas por pessoas a fumar shisha. Comemos cevapi – umas salsichas pequenas de carne picada, servidas num pão circular, acompanhadas de bocados de cebola – e burek – uma espécie de pastel de carne. Entramos no pátio da mesquita, perto da torre do relógio.
Para lá da zona mais velha da cidade, as ruas adquirem um aspecto mais moderno, as lojas passam a ostentar as marcas internacionais. Passamos por uma igreja católica. Um grupo de miúdos faz uma sessão de breakdance atrás de um recipiente para receber moedas. De acordo com uma inscrição, pretendem ir a um concurso de dança e precisam de angariar dinheiro.
sábado, 25 de agosto de 2018
Não foi tarefa fácil perceber como se chegava de carro até ao apartamento.
A certa altura sou forçado a fazer marcha-atrás numa rua estreita que parece conduzir-nos a uma zona pedonal. Com algum custo, percebemos que existe outra forma de ir dar onde queremos, até avistarmos um parque de estacionamento com o nome que procuramos. O tipo do parque, depois de me ajudar a fazer a manobra, telefona a quem nos deverá receber. Más notícias, não é ali que vamos deixar o carro. Nova manobra até finalmente estacionar o carro definitivamente para o resto do dia.
Carregamos, uma vez mais, as malas por uma escadaria, até ao apartamento, uma tarefa quase diária. A janela dos quartos dá para uma mesquita, que nos deixa apreensivos em relação à possibilidade de sermos acordados com um chamamento de manhã cedo.
Estamos muito perto do centro histórico da cidade, uma zona de ruas estreitas empedradas, repletas de restaurantes, lojas de recordações e tralhas para turistas. E, claro, pejadas de turistas. Tão pejadas que a tarefa de encontrar um restaurante para jantar acaba por não ser tão fácil quanto isso. Acabamos por conseguir a nossa mesa à beira do rio, onde nos servem doses cavalares enquanto somos devorados por mosquitos. O empregado pergunta-nos a nossa nacionalidade e, perante a resposta, se entendemos espanhol, pelo que terminamos a refeição noutro idioma.
As fotografias ficam para a manhã do dia seguinte. Retomamos as mesmas ruas da noite anterior, e seguimos um pouco mais até atravessar a famosa ponte, reconstruída depois da guerra que a tombou.
O ponto seguinte na lista já é feito de carro, mais perto da saída da cidade. Um edifício que, antes da guerra, albergava um banco comercial mas, devido à localização e aos sete ou oito andares, acabou por se revelar de bastante utilidade para os atiradores furtivos. Passou e ficou a ser conhecido por snipper building. Hoje em dia, está abandonado e vedado, as paredes estão repletas de graffitis. A fachada do prédio que fica defronte, do outro lado da rua, está cravejada de buracos de balas, assim como o alcatrão da estrada.
Carregamos, uma vez mais, as malas por uma escadaria, até ao apartamento, uma tarefa quase diária. A janela dos quartos dá para uma mesquita, que nos deixa apreensivos em relação à possibilidade de sermos acordados com um chamamento de manhã cedo.
Estamos muito perto do centro histórico da cidade, uma zona de ruas estreitas empedradas, repletas de restaurantes, lojas de recordações e tralhas para turistas. E, claro, pejadas de turistas. Tão pejadas que a tarefa de encontrar um restaurante para jantar acaba por não ser tão fácil quanto isso. Acabamos por conseguir a nossa mesa à beira do rio, onde nos servem doses cavalares enquanto somos devorados por mosquitos. O empregado pergunta-nos a nossa nacionalidade e, perante a resposta, se entendemos espanhol, pelo que terminamos a refeição noutro idioma.
As fotografias ficam para a manhã do dia seguinte. Retomamos as mesmas ruas da noite anterior, e seguimos um pouco mais até atravessar a famosa ponte, reconstruída depois da guerra que a tombou.
O ponto seguinte na lista já é feito de carro, mais perto da saída da cidade. Um edifício que, antes da guerra, albergava um banco comercial mas, devido à localização e aos sete ou oito andares, acabou por se revelar de bastante utilidade para os atiradores furtivos. Passou e ficou a ser conhecido por snipper building. Hoje em dia, está abandonado e vedado, as paredes estão repletas de graffitis. A fachada do prédio que fica defronte, do outro lado da rua, está cravejada de buracos de balas, assim como o alcatrão da estrada.
sexta-feira, 24 de agosto de 2018
Não estava à espera de encontrar um parque de estacionamento tão grande.
Estacionamos à sombra e, ao caminhar em direcção à entrada, olhamos para uma indicação. Para além dos meses do ano, há um conjunto de números seguidos de “KM”. Lutamos um pouco até perceber que não se trata de uma distância, mas sim de preços: “KM” é a designação dos marcos convertíveis e não quilómetros mas, desde esse momento, passam a ser informalmente conhecidos pela palavra que designa a unidade de distância.
Nos meses de verão, o preço é o equivalente a 5 euros por pessoa. Na bilheteira não aceitam cartão (refrescante) e só temos uma nota de 5 euros. Explicamos e o funcionário, muito simpaticamente, faz um gesto de cagandismo e deixa-nos entrar. Cruzamo-nos com pessoas no sentido inverso – para além de nós, não há ninguém a entrar àquela hora do final da tarde – e, à medida que vamos descendo, vamos comprovando a impressão de que se trata de um local de banho, e não apenas uma cascata que se pode visitar pela vista e pela fotografia.
Avistamos a parede da cascata que não é muito alta mas tem uma extensão relativamente grande. A água enche uma pequena enseada, que estreita e converge para um rio, atravessado por uma ponte que liga as duas partes onde as pessoas se estendem ao sol, e onde existem alguns cafés. Alguns tomam banho na água com uma cor esverdeada. Outros trepam as pedras escorregadias e posam para a fotografia com a cascata no fundo.
Descansamos um pouco até fazer o caminho de regresso. Faltam apenas alguns quilómetros até Mostar, uma meia-hora deverá ser suficiente para o trajecto final.
Nos meses de verão, o preço é o equivalente a 5 euros por pessoa. Na bilheteira não aceitam cartão (refrescante) e só temos uma nota de 5 euros. Explicamos e o funcionário, muito simpaticamente, faz um gesto de cagandismo e deixa-nos entrar. Cruzamo-nos com pessoas no sentido inverso – para além de nós, não há ninguém a entrar àquela hora do final da tarde – e, à medida que vamos descendo, vamos comprovando a impressão de que se trata de um local de banho, e não apenas uma cascata que se pode visitar pela vista e pela fotografia.
Avistamos a parede da cascata que não é muito alta mas tem uma extensão relativamente grande. A água enche uma pequena enseada, que estreita e converge para um rio, atravessado por uma ponte que liga as duas partes onde as pessoas se estendem ao sol, e onde existem alguns cafés. Alguns tomam banho na água com uma cor esverdeada. Outros trepam as pedras escorregadias e posam para a fotografia com a cascata no fundo.
Descansamos um pouco até fazer o caminho de regresso. Faltam apenas alguns quilómetros até Mostar, uma meia-hora deverá ser suficiente para o trajecto final.
quinta-feira, 23 de agosto de 2018
Na manhã seguinte, trepamos os cerca de 1500 degraus até à fortaleza que se ergue sobre a vila.
Os degraus são irregulares e não ajudam o processo e o calor não dá tréguas. Lá no alto, turistas transpirados tiram fotografias da vista de cortar a respiração. É a última imagem que registamos do Montenegro: em seguida, descemos a escadaria, fizemos algumas compras para a viagem e seguimos pela estrada que ladeia o lago.
Dado que o desvio que implicaria era pouco significativo, optámos por passar por Dubrovnik, onde poderíamos passar umas horas na cidade, e só depois seguir em direcção à Bósnia. Um dia que, desta forma, incluiria três países. O trajecto correu de acordo com o planeado desde Kotor até à fronteira mas aí tudo se complicou. A saída do Montenegro foi um pouco demorada mas o pior ainda estava para vir. A fila comprida de carros para entrar na Croácia era muito lenta. De motor desligado, as pessoas começaram a sair para apanhar ar e tentar perceber a razão da demora. Quando nos aproximámos das cabines dos guardas, fomos instruídos indelicadamente a regressar e esperar no carro. Nem ao pedido de uma casa-de-banho acederam.
Quando finalmente atravessámos a fronteira, já tinham decorrido duas preciosas horas, aquelas que estavam previstas para passear um pouco em Dubrovnik. Depois de uma paragem estratégica à beira da estrada para resolver assuntos inadiáveis, seguimos rapidamente mas limitámo-nos a passar ao lado da cidade. Não muito depois, à medida que nos afastámos da costa, a qualidade das estradas piora, mais estreitas e com curvas.
O posto fronteiriço dificilmente poderia ser mais diferente do que aquele pelo qual entrámos na Croácia. À nossa frente, não há mais nenhum carro e está um pré-fabricado. Lá dentro está um guarda que conversa com outras pessoas que também estão no cubículo. Sem interromper a conversa, recebe os documentos, processa a informação, e devolve-me-os.
Poucos metros (talvez 10?) à frente, há um segundo pré-fabricado que parece ser o homólogo da Bósnia. No entanto, parece fechado e ninguém aparece para nos receber. Decidimos avançar lentamente.
Dado que o desvio que implicaria era pouco significativo, optámos por passar por Dubrovnik, onde poderíamos passar umas horas na cidade, e só depois seguir em direcção à Bósnia. Um dia que, desta forma, incluiria três países. O trajecto correu de acordo com o planeado desde Kotor até à fronteira mas aí tudo se complicou. A saída do Montenegro foi um pouco demorada mas o pior ainda estava para vir. A fila comprida de carros para entrar na Croácia era muito lenta. De motor desligado, as pessoas começaram a sair para apanhar ar e tentar perceber a razão da demora. Quando nos aproximámos das cabines dos guardas, fomos instruídos indelicadamente a regressar e esperar no carro. Nem ao pedido de uma casa-de-banho acederam.
Quando finalmente atravessámos a fronteira, já tinham decorrido duas preciosas horas, aquelas que estavam previstas para passear um pouco em Dubrovnik. Depois de uma paragem estratégica à beira da estrada para resolver assuntos inadiáveis, seguimos rapidamente mas limitámo-nos a passar ao lado da cidade. Não muito depois, à medida que nos afastámos da costa, a qualidade das estradas piora, mais estreitas e com curvas.
O posto fronteiriço dificilmente poderia ser mais diferente do que aquele pelo qual entrámos na Croácia. À nossa frente, não há mais nenhum carro e está um pré-fabricado. Lá dentro está um guarda que conversa com outras pessoas que também estão no cubículo. Sem interromper a conversa, recebe os documentos, processa a informação, e devolve-me-os.
Poucos metros (talvez 10?) à frente, há um segundo pré-fabricado que parece ser o homólogo da Bósnia. No entanto, parece fechado e ninguém aparece para nos receber. Decidimos avançar lentamente.
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