(Publicado originalmente aqui)
O primeiro ponto a fazer será desfazer uma possível confusão: esta é a crónica de um concerto do trio do baixista – e não do trompetista – Avishai Cohen. Sim, porque há dois israelitas com o mesmo nome, que tocam jazz para ganhar a vida: para além do instrumento, separa-os a barba e alguns anos. E, ao contrário dos Cohen da sétima arte, não há, aparentemente, nenhum grau de parentesco entre eles.
Um convite de Chick Corea acabou por ser o impulso decisivo para a já profícua carreira de Avishai Cohen, com quem tocou durante alguns anos. Entre outros, o israelita já participou em projectos de Herbie Hancock, Roy Hargrove e Kurt Rosenwinkel. 1970 é o título do seu último álbum, lançado há pouco mais de ano e, também, a sua data de nascimento.
Mas quando se apagam as luzes da sala e se acendem as do palco, não é o trio deste contrabaixista israelita que vemos: é um jovem guitarrista que se senta lá à frente, entre duas guitarras acústicas, e um mar de pedais e cabos à sua frente. São três as músicas que Francisco Sales teve o direito de tocar, com um som muito cheio, carregado de delay. Pelo meio, apresenta-se rapidamente, fala um pouco sobre si, num discurso rosado ao estilo Miss Mundo, sobre como a sua música apela aos sonhos e como espera que os nossos sonhos beneficiem dela.
Francisco Sales sai de cena com um aceno e os roadies esvaziam o palco da parafernália de gadgets com uma rapidez assinalável. Quase não dá tempo para me ajustar na cadeira e já estão três figuras a entrar, a agradecer a recepção calorosa do público. A acompanhar Cohen, estão Itamar Doari na percussão e Elchin Shirinov no piano.
Este não é, de todo, um trio tradicional. Primeiro porque a música de Cohen, com influências do Médio-Oriente, da Europa de leste e afro-americana é, ela própria, um reflexo e atestado à multiculturalidade do baixista: israelita, com raízes espanholas, portuguesas, gregas e polacas, cuja família se mudou para St. Louis no início da sua adolescência.
Segundo, a dinâmica do trio é bastante particular, na medida em que o contrabaixo adquire um protagonismo que, normalmente, não lhe é atribuído. Em vários momentos, parece existir uma troca de papéis, com o piano agarrado a uma função mais estrutural associada à secção rítmica, enquanto os dedos de Cohen passeiam alegremente pelo braço do contrabaixo.
Ao final da segunda música, pega no microfone. Começa por nos dizer que, fruto das origens luso-espanholas da sua mãe, se encontra neste momento a tratar de obter um passaporte português. “I’m becoming one of you”, acrescenta para gáudio da audiência.
Pelo meio das notas e da música, vêem-se amiúde luzes dos ecrans e até do flash dos telemóveis. Por várias vezes, os funcionários do CCB tiveram de descer as escadas para pedir aos espectadores que não fotografem. Em alguns casos de fotógrafos sentados no meio das filas – e, por isso, mais difíceis de alcançar – viram-se forçados a fazer sinais de luzes com a lanterna, uma espécie de proibição em código Morse.
Nem uma hora de música depois e os três músicos terminam o set e deixam o palco. Soube a pouco e, lá está, pouco depois, Cohen regressa sozinho. Pelo meio dos aplausos efusivos, Avishai diz “Maybe I shouldn’t go to London tomorrow”, enquanto ajusta um tripé de microfone. Alguém da plateia grita “Sing us a song!” ao que ele responde “Of course”, uma resposta óbvia (estava a ajustar um tripé de microfone à sua altura...).
O que se segue é “somewhat blues”, como Cohen classifica o “Sometimes I feel like a motherless child” de Odetta. Tal como o original, de uma forma crua e intensa, com um tempo lento. A voz grave encaixa nas quintas ainda mais graves do contrabaixo, produzidas com o arco. Temos ainda direito a um segundo tema interpretado por Cohen a solo, cantado em espanhol. O concerto termina com o regresso do trio ao palco para mais dois temas.
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