Ela via-a poucas vezes e não me recordo se alguma vez chegámos a falar. Com ele cruzava-me amiúde, sempre agradável e com um sorriso simpático. Um dia de Inverno, esperávamos os dois o elevador e fizemos conversa de circunstância sobre o tempo. A certa altura, em relação a estar protegido para o frio, disse-me "não pode bobear" enquanto ajeitou o cachecol à volta do pescoço.
A presença de ambos fazia-se sentir sempre ao final da tarde: aí a partir das 19h, um cheiro delicioso de um jantar a ser preparado invadia o corredor. Dava vontade de bater àquela porta e fazer-me de convidado para a refeição. À noite, ouvia-se o televisor do outro lado da parede lateral da sala, sempre na Globo TV: o volume um pouco elevado, eventualmente uma questão da idade.
Noutro dia, reparei que a janela deles tinha novamente a placa a anunciar que a casa estava para alugar. Não muito tempo depois, cruzámo-nos no corredor, a porta deles aberta e um monte de caixotes corroboravam a mudança. Trocámos algumas palavras, disse-me que iam passar uma temporada no Brasil mas que o objectivo era regressar novamente a Lisboa. Desejámo-nos mutuamente felicidades.
Depois vieram os inquilinos novos, um casal que raramente vejo. Cruzei-me com ele: ele a sair do elevador para o qual eu ia entrar. Começámos a dizer boa tarde um ao outro em uníssono, eu em português e ele em inglês, e ele corrigiu de imediato para um português pouco suave.
Fiquei com uma desconfiança - posteriormente confirmada - relativamente à sua nacionalidade quando, no decurso de um jogo do mundial da Rússia, o Japão esteve a ganhar dois a zero à Bélgica e duas exclamações, muito entusiasmadas, se fizeram ouvir, em simultâneo com os golos. Alto e bom som, em total contraste com a típica existência murmurante, senão silenciosa dos japoneses. A seguir a estas duas exclamações vieram outras três, menos efusivas e com um tom diferente, que coincidiram que os três golos da Bélgica no remanescente do jogo.
Para além do episódio dos 5 gritos (e do desaparecimento do letreiro da janela), o único outro sinal da sua presença foram dois guardas-chuva abertos que, por vezes, quando as condições a isso obrigam, deixam a secar no corredor.
segunda-feira, 29 de outubro de 2018
Era um casal nos seus 60 anos, mais coisa menos coisa.
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