domingo, 31 de janeiro de 2010

Sweet sixteen

«I can cry like Roger, it's just a shame I can't play like him»

«Eu acho que comentamos o óbvio, aquilo que vemos»

Alguém enviou uma mensagem para os comentadores portugueses da Eurosport a queixar-se de falta de imparcialidade. Bernardo Mota devolveu esta resposta para se ilibar de ter uma balança que pende mais para um lado do que para o outro. Eu não podia estar mais de acordo com o Bernardo. Mas só na afirmação, como é óbvio.

sábado, 30 de janeiro de 2010

Bengala branca

Passava pela etapa pela qual todos os alunos de nível pós-graduado passam. A pergunta surgiu-lhe naturalmente depois de uma curta conversa, uma ligeira troca de impressões no gabinete de decoração clássica: “O Professor gostaria de me orientar?”. A primeira reacção do outro lado da secretária de madeira escura foi algum silêncio. A expressão ficou um pouco crispada, como se de repente tivesse ficado pouco confortável. Depois, algo titubeante, manifestamente nervoso, baixou a cabeça, estendeu o braço em direcção ao bloco de gavetas por baixo do tampo maciço, ao lado das suas pernas. Fez alguma força para abrir uma das gavetas, pesada, lenta. Passou a mão pelo conteúdo como que a querer certificar-se antes de falar. “Em que é que estava a pensar? Tenho Valiums, Xanaxs, Lorenins, bóias, hax, pastilhas, speeds…”

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Emotional rolercoaster

Conseguia sempre tudo a que se propunha. Com muito esforço e dedicação, é certo. Mas conseguia. E ainda não tinha passado por derrotas. Uma única. Por isso, não estava pronta. Ainda não estava pronta. Faltava-lhe esse tipo de experiências. Porque para prosseguir, para atingir o patamar seguinte, era preciso ser capaz de lidar com os erros, as falhas, com a frustração das más decisões. O que lhe faltava no vistoso currículo não eram os sucessos mas assim alguns insucessos.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Hedging

Conheço uma pessoa que aplica técnicas financeiras de cobertura de risco para fazer uma espécie de hedging emocional. Benfiquista, faz apostas online contra o Benfica. Assim, se o resultado for de facto uma derrota, fica chateado porque o seu clube perdeu mas os dez euros que apostam minimizam a perda emocional; se o Benfica ganhar, os dez euros que perde são claramente inferiores ao benefício clubístico.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Concursos públicos privatizados

As formas banais de manipulação de concursos públicos passam pela estipulação de um conjunto de características técnicas de tal forma que, curioso, só há uma entidade disponível com condições para levar a cabo a obra. Por outro lado, também são comuns os chamados “concursos de beleza” que, ao estabelecerem regras pouco claras e suficientemente subjectivas, permitem justificar qualquer decisão e, portanto, uma escolha o mais interesseira possível. E isto é para os casos em que efectivamente existe esse concurso, porque às vezes o descaramento é tanto que até essa etapa é convenientemente afastada.

Há ainda outra forma curiosa de ganhar concursos públicos neste país e que resulta de expectativas distorcidas por parte dos empreiteiros. A distorção reflecte a possibilidade de, depois de ganho o concurso, ser atribuída mais construção do que aquela inicialmente prevista. O resultado: orçamentar um valor relativamente baixo, mais baixo do que aquele que seria orçamentado caso não existisse a tal expectativa.

É claro que isto é um risco para o empreiteiro. Está a contar com o ovo no dito cujo da galinha. Se as tais obras adicionais não lhe vierem a ser propostas, então poderá encontrar-se em maus lençóis porque licitou um preço inferior àquele que licitaria caso não contasse com elas. No entanto, tendo em conta que se trata de uma prática relativamente difundida, isto deverá sinalizar que os empreiteiros, fruto da experiência que têm no seu ramo de actividade, atribuem uma elevada probabilidade ao ovo aparecer mesmo no traseiro da galinha.

Ora, uma vez que se criou uma dinâmica neste país em que sistematicamente as obras saem mais caras do que aquilo que se previu, mais uma obra adicional, menos uma obra adicional, tudo isto passa relativamente despercebido e incólume. E é tipicamente com estes acrescentos que não só efectivamente se ganha dinheiro com a obra, como ainda, eventualmente, uma vivenda no Algarve ou um Mercedes novo. Agora, uma coisa é certa: para que este jogo tenha lugar, é preciso que, por vezes, aqueles bens não só revertam para o património do empreiteiro, mas também para o(s) de algun(s) decisor(es).

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Transposição

Os Ragtimes trazem as marchas tocadas por bandas para um piano. Em certa medida, é possível fazer uma analogia entre com a transposição de uma orquestra para as oitenta e tal teclas de um piano. A mão esquerda replica o lado direito da orquestra: o stride, a frenética combinação de tónicas, sétimas e oitavas nos tempos fortes (e as notas que dão as cores dos acordes nos tempos fracos), faz as vezes dos contrabaixos, trombones, etc.; a mão direita dá a melodia e replica o lado esquerdo da orquestra, os violinos, os clarinetes, etc.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Nevereverland

Descias as escadas, cruzavas a cozinha, a porta aberta de par em par à tua espera, sempre à tua espera. Nunca houve porta que te segurasse, mesmo fechada, o trinco com todas as voltas. Nem assim. Nada te conseguia segurar, arranjavas sempre maneira de dar a volta àquelas voltas do trinco, chaves e fechaduras, tudo aberto de par em par, a luz da rua escancarada sobre a mesa da cozinha, a madeira e o cheiro a óleo de cedro. O passo acelerado, o teu passo acelerado, a forma como galgavas as escadas, subias e descias, dois três degraus de cada vez, nunca ficavas num sítio, numa divisória, sempre só te vi passar, cruzar o meu olhar com uma palavra curta a dizer-me olá e adeus numa única onomatopeia, não tinhas tempo para deixar de passar ou cruzar e apenas ficar, tinhas sempre onde ir, onde estar e nunca era ali. A porta, a luz invadia a mesa, o cheiro do óleo de cedro faz-me lembrar madeira. Eu fico, eu ainda aqui estou, a cadeira, sento-me, vejo-te passar, passada larga, passo estugado, degraus para cima, degraus para baixo. Até abrires a porta que já estava aberta e saíres.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Mo better blues

Depois de um ano fechado em casa, isolado de toda a gente, Bleek decide regressar. É um momento delicado: Bleek volta de pois de se ter envolvido numa luta e, à la Chet Baker, ter sido agredido na boca com o seu próprio trompete. “I make my living with my lips”, costumava dizer. E com razão. A embocadura é tudo para um trompetista.

Por isso, ao juntar-se aos antigos músicos com quem costumava tocar, Bleek está a ser posto à prova. Sobe ao palco com a mesma confiança de sempre. Mas dura pouco. O som não lhe sai confortavelmente do trompete, sem força, sem intensidade. O público esfria, não está cativado. E, gradualmente, a confiança dele esvai-se, esfuma-se mais ao menos como o seu som. De repente, é só ar que sai do instrumento, notas falsas. Agora o público apupa.

Abandona o palco a meio do tema. Atravessa a porta para a noite chuvosa. À saída, Denzel Washington entrega o trompete ao seu ex-manager, um Spike Lee coxo da tareia que levou, revira a gola do casaco e afasta-se. Giant não consegue acompanhar a passada do seu amigo; fica parado, braço com o trompete na mão erguido no ar: “I won’t sell it!”.

Nunca mais conseguirá tocar. Ou, pelo menos, tocar como tocava antes. Para quem dizia que a única coisa importante na sua vida “is my music”, Bleek perdeu, então, tudo. Confrontado com a aspereza da sua limitação física, perdeu tudo. E é aqui que se opera a mudança. O reencontro consigo próprio. Não admira que, depois desta cena, é o Love Supreme que se ouve.

domingo, 17 de janeiro de 2010

sábado, 16 de janeiro de 2010

«Os músicos profissionais, em geral, possuem o que muitos de nós consideram poderes notáveis de imagética musical. De facto, muitos compositores não compõem desde o início nem por inteiro quando estão a tocar. Fazem-no mentalmente. Não existe exemplo mais extraordinário que o do Beethoven, que continuava a compor (e cujas composições eram cada vez melhores) anos depois de ter ficado surdo. É possível que o seu imaginário musical se tivesse intensificado com a surdez, pois devido à eliminação da capacidade auditiva normal o córtex auditivo pode tornar-se hipersensível com os poderes acentuados de imagética musical (e por vezes mesmo com alucinações auditivas). Existe um fenómeno análogo nas pessoas que perderam a vista; algumas pessoas que ficaram cegas podem, de forma paradoxal, ter um imaginário visual ainda mais intenso. (Os compositores, sobretudo aqueles que fazem música extremamente complexa e arquitectónica, como a de Beethoven, devem recorrer também a formas de pensamento musical altamente abstractas – e deve-se dizer que é esta complexidade intelectual que distingue a parte final da obra de Beethoven).»

Musicofilia, Oliver Sacks

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Don't blame me

Minimalista talvez seja uma forma de definir a abordagem da Billie. Tecnicamente, não era brilhante – na verdade, tinha uma tecitura muito curta e normalmente não se aventurava para lá da sua estreita zona de conforto. Mas a forma como canta tem um intimismo que parece que está aqui mesmo, na minha sala, e que não é a aparelhagem que emite o som. A Ella é o oposto. Tinha uma técnica assustadora com uma versatilidade que lhe permitia cantar tudo. O virtuosismo que não existe na Billie.
A Sarah foi uma espécie de fusão destes dois extremos.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Trapos de língua #23

Como qualquer aluno de secundário tive que passar pela experiência marcante de dividir orações na disciplina de Português (B, no meu caso). Normalmente, as melhores recordações que guardamos desse período escolar não estão associadas a essa tarefa e eu não sou excepção. Lembro-me de um caso concreto que me parecia particularmente difícil de destrinçar, o das frases relativas e integrantes. Sem conseguir perceber o que as distinguia, a minha estratégia, sempre que questionado directamente – de outra forma não me atrevia a abrir a boca – era apostar na Lei de Laplace: um caso favorável e dois possíveis davam-me cinquenta por cento de probabilidade de acertar.

Só mais tarde e à custa de algum francês, entendi qual a dificuldade de perceber se o “que” é relativo ou integrante. É que, enquanto em português tudo é “que”, em francês temos não só o “que”, mas também o “qui”. O primeiro é integrante (“je pense que”) e o segundo refere-se ao complemento de objecto directo, ou seja, é relativo (“L’homme, qui est vieux, (…)”). Percebido isto, acabaram-se as dúvidas.

O mesmo é válido para alemão (russo também segue a mesma lógica). Neste caso com uma precisão ainda maior no caso do “que” relativo porque a forma é diferente para os três géneros que esta língua tem: masculino (“Der Mann, der alt ist, (…)”); feminino (“Die Frau, die alt ist, (…)”) e neutro (“Das Auto, das alt ist(…)”). E, para distinguir do caso em que é relativo, “dass” é o equivalente ao “que” integrante em português (“Ich denke dass”).

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Trapos de língua #22

Estamos isolados quando classificamos palavras como “viagem” e “mensagem” de femininas: “el viaje” e “le voyage”; “el mesaje” e “le message”. Na verdade, qualquer palavra terminada em “aje” em espanhol e “age” em francês, é masculina por definição (com algumas excepções, claro está, como “la plage”)

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Trapos de língua #21

É curioso como nas línguas latinas arrumamos tudo em dois géneros. Não há nada que não seja passível de ser classificado como masculino ou feminino. E, no limite, há tanta coisa que não faz sentido encaixada nesta lógica. As línguas germânicas e eslavas resolveram esta questão e arranjaram um terceiro género, o neutro, que resolve os casos em que atribuir um género é complicado. Por exemplo, “carro” é, para nós, uma palavra masculina. Pensando friamente no assunto, tenho alguma dificuldade em perceber por que carga de água será um carro masculino – aparte a óbvia associação sexista de homens a carros.

Em alemão, “Auto” é uma palavra neutra.
Mais. “O homem”, “der Mann” é claramente masculino; “a mulher”, “die Frau”, é claramente feminino; mas “a criança”, feminino para nós, é, na verdade, uma palavra que se pode referir tanto a um rapaz como a uma rapariga. Os alemães resolvem a questão com “das Kind”.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

That's why I hang my hat in tenessee

A expressão “trânsito intestinal” parece ter sido feita à medida para o IC19. Aquela coisa tem um verdadeiro trânsito de merda.

sábado, 9 de janeiro de 2010

IT

Há um bom par de anos atrás, meti-me numa discussão com o Renato sobre, grosso modo, qual o objectivo da música. À partida, tínhamos (e temos) divergências substanciais: para o Renato, há uma componente de busca ou procura religiosa importante na música. Ora, eu não tenho religião e isso é chato para me entender com ele porque, por definição, deita por terra essa última componente. E foi então que o Renato me perguntou qualquer coisa como – e ele que me perdoe se o tempo que entretanto passou não me o deixar citar com um correcto ipsis verbis – “então mas que raio procura um ateu na música?”.

Pois. Estou há este tempo todo para lhe responder. Porque se eu percebo que há muito que um ateu vai buscar à música e, de certa forma, me parece demasiado redutor que um propósito religioso seja o único que a música satisfaz, por outro lado, ainda não consegui pôr por palavras as razões pelas quais ponho CDs a tocar e, ocasionalmente, pego na minha guitarra.

Podia dizer apenas que o faço porque gosto. Mas não chega. E se este post pode ser uma forma de lhe dizer que não me esqueci, também pode ser uma forma de buscar inspiração em visões alheias. E é aqui que entra este trecho do Kerouac. Que eu prometo que é a última citação que faço do On the road. Não responde à pergunta inicial. Mas pode ser que seja um percurso até lá.


«’Now, man, that alto man last night had IT – he held it once he found it; I’ve never seen a guy who could hold so long.’ I wanted to know what ‘IT’ meant. ‘Ah, well’ – Dean laughed – ‘now you’re asking me impon-de-rables – ahem! Here’s a guy and everybody’s there, right? Up to him to put down what’s on everybody’s mind. He starts the first chorus, then lines up his ideas, people, yeah, yeah, but get it, and then he rises to his fate and has to blow equal to it. All of a sudden somewhere in the middle of the chorus he gets it – everybody looks up and knows; they listen; he picks it up and carries. Time stops. Hell’s filling empty space with the substance of our lives, confessions of his bellybottom strain, remembrance of ideas, rehashes of old blowing. He has to blow across bridges and come back and do it with such infinite feeling soul-exploratory for the tune of the moment that everybody knows it’s not the tune that counts but IT –‘ Dean could go no further; he was sweating telling about it.»

On the road, Jack Kerouac

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

«The self made man does not exist in Africa. If the motto of Europe is individualism: ‘I think therefore I am,’ Africa’s would be communalism: ‘I relate therefore I am.’ In Zulu there is a saying: ‘One is a person through others,’ or, as John Mbiti, the Kenyan theologian, put it: ‘I am because we are and, since we are, therefore I am.’ Africans know who is family and know where they come in it, both vertically and horizontally. A man without a family is no-one. He is nothing.»

Africa – altered states, ordinary miracles, Richard Dowden

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Trapos de língua #20

“Faire un bordel” é fazer confusão. Um “con” é um tipo parvo. Só isso. Em contrapartida, chamar “conas” a um português pode ter exactamente o mesmo propósito mas tem muito mais força, continua a ser uma palavra com impacto. Outro: o “je m’en fous” está mais próximo do “não quero saber” do que do “estou a foder-me para isso”. Embora, literalmente, seja igual ao segundo.

Ou seja, de certa forma, as "gros mos" são tão corriqueiramente usadas que acabaram por perder parte do seu significado. Esta desacralização dos palavrões é interessante, é uma quase democratização de todas as palavras, como se nenhuma fosse mais baixa do que outra, e que não existe em português – pelo menos não ao mesmo nível. Mas tem certamente os seus inconvenientes. No dia em que quiserem mesmo insultar alguém, os espanhóis e os franceses vão ter menos pedras para mandar aos outros que nós.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Strange fruit

Numa época marcada por fortes tensões raciais nos Estados Unidos, Billie Holiday aparece a cantar este tema carregado e pesaroso. Refere-se às perseguições levadas a cabo contra os negros e que, não poucas vezes, terminavam em linchamentos. Não é uma espécie de fruta aquelas coisas que descreve penduradas nas árvores. A “Strange Fruit” da Billie são negros enforcados nos ramos nas árvores.

domingo, 3 de janeiro de 2010

É mútuo

Também não acredito muito naquilo que o Vaticano diz.

One thing leads to another

A Catarina Furtado apresenta um programa onde uns tipos dançam e um júri de ilustres comenta e classifica as suas performances. No canto superior esquerdo, imediatamente por debaixo do logótipo da RTP1, está a palavra “repetição” em maiúsculas. E têm razão: andam a repetir isto pelo menos há dez/quinze anos.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Anda devagar.

Tão devagar que parece que atravessa a rua em câmara lenta. Isso faz-me ficar alerta com receio que venha algum carro de repente. Mas não. O velhote chega mesmo ao outro lado. Costas arqueadas, roupas muito usadas, cara gasta. Leva, debaixo do braço direito, como se fosse o jornal, dois guarda-chuvas. O cabo é praticamente tudo o que vejo dos objectos, o resto está soterrado no casaco muito usado, de um castanho claro de gasto. Um deles de cabo de madeira, o outro prateado.

Passa muito perto da dianteira do meu carro. Sempre muito devagar, a cara gasta rasgada de rugas. E dirige-se ao contentor, àquele contentor que está um pouco mais à frente da dianteira do meu carro, uns metros à frente do banco do condutor onde me sento. Em câmara lenta. Abre a tampa com dificuldade, é pesada para os seus braços curtos, encobertos pela roupa muito usada. Gastos pela idade. Põe o pé na barra de metal perto do chão e pressiona devagar, alivia a força que tem que fazer com os braços gastos, encobertos pelo casaco castanho claro de gasto.

Ao mesmo tempo, ao meu lado, sacos são colocados num conjunto de contentores de reciclagem. Amarelo, verde, azul. Lixo para reciclar, diferente do lixo indiferenciado onde agora mergulha as mãos que não vejo, a direita sempre a amparar os guarda-chuvas que não vejo senão os cabos, um deles castanho de madeira, o outro de metal. Mergulha as mãos no contentor de lixo indiferenciado, mergulha as mãos no lixo parecido com o lixo reciclado onde, ao meu lado, pessoas despejam os seus sacos bem fechados, as garrafas, o papel, as embalagens.

Empurra a barra de metal perto do chão com o pé direito que fraqueja, a mão segura a tampa entreaberta do contentor escuro, o braço direito nunca se afasta muito do casaco usado de castanho claro de gasto para não deixar cair os guarda-chuvas; um de cabo de madeira, o outro de metal.

Devagar, em câmara lenta.