O funcionário da emigração carimba-nos o passaporte mas o da alfândega diz-nos que não nos pode atender porque estão de greve. Segundo o papel afixado na parede, a greve terminou no dia anterior mas estão ainda em processo de “normalização dos serviços”. No mesmo papel está especificado que as janelas de atendimento são entre as 12h00 e as 13h00 e as 16h00 e as 17h00.
São 10h00 e pouco e não queremos esperar perto de duas horas para passar. Tendo em conta que ainda temos muita estrada pela frente, parte substancial dela em más condições, uma travessia de ferry que poderá ser condicionada pelo forte vento e, pior que tudo, uma nova travessia de fronteira para voltar a entrar na Argentina.
Optamos por um plano alternativo. Dizemos ao funcionário que temos um voo de regresso a Buenos Aires e que, se ficarmos ali retidos até às 12h, vamos perdê-lo. Treta: temos efectivamente um voo mas é no dia seguinte. O funcionário encolhe os ombros e diz-nos para falarmos com o supervisor, um tipo de olhar ameaçador, desgrenhado, barba mal aparada, com um gorro na cabeça e óculos escuros por cima.
Repetimos-lhe a lengalenga e responde, com cara de poucos amigos, que já nos atende. Esperamos no banco dentro das instalações da fronteira com a nosso melhor ar de desesperados. Os funcionários ouvem Metallica e outras guitarradas que tais, um deles canta It’s the same old situation. Uma das pessoas que, como nós, espera, assobia o As time goes by.
Passados talvez uns vinte minutos, vem ter connosco, pede que lhe mostremos os comprovativos dos voos e acrescenta “pero dime la verdad”, com um olhar ameaçador a fazer lembrar um personagem do Narcos. Só faltou chamar-nos malparidos enquanto sacava da arma.
Conseguimos não engolir muito em seco. Mostrar-lhe os papéis que temos no carro está fora de questão porque atestam a peta que estamos a enfiar. Tentamos escapar-nos com a necessidade de acesso à internet porque sabemos que ali não há rede mas ele prontamente nos cede o telefone dele para acedermos e procurarmos os bilhetes no email.
Não sem algum sofrimento, conseguimos safar-nos deste imbróglio alterando o calendário do telefone, passando o voo do dia seguinte para aquele dia. O mal-encarado deixa-nos passar, carimba-nos a papelada e saímos do posto a voar. Celebramos e prometemos não voltar a fazer uma parvoíce semelhante.
Pelas nossas contas, o segundo posto fronteiriço do dia para voltar a entrar na Argentina deveria surgir à nossa frente um pouco antes das 16h, hora a que começaria a janela em que os funcionários atendem o público. Entramos, carimbamos os passaportes mas, quando chegamos à alfândega, debatemo-nos com o mesmo problema novamente: este posto não segue as mesmas janelas do anterior. Só atendem entre as 18h e as 19h.
Desta vez damo-nos por vencidos e esperamos no carro. Adormecemos ao sol, embalados pelo abanar do carro ao sabor do vento.
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