(Publicado originalmente aqui)
Ao que tudo indica, Joseph Haydn e Wolfgang Amadeus Mozart eram amigos e respeitavam-se mutuamente e Haydn terá inclusivamente tido um pequeno papel como mentor de Mozart. Reconhecendo a influência de Haydn no seu próprio trabalho, Mozart dedicou-lhe um conjunto de seis quartetos para cordas, escritos entre 1782 e 1785 em Viena. Figura incontornável das peças para este tipo de formações, um dos epítetos pelo qual Haydn ficou conhecido foi justamente “o pai do quarteto de cordas”.
Haydn ouviu as peças em dois eventos sociais no início de 1785, após o qual, segundo consta, terá feito um comentário ao pai do jovem Wolfgang, Leopold, que se tornou célebre, e que arrisco traduzir: “Perante Deus, e como homem honesto, digo-lhe que o seu filho é o maior compositor que conheço, em pessoa ou de nome. Tem gosto e, para além disso, o mais profundo conhecimento de composição.”
O que, vindo de quem vem, impressiona qualquer um. E sobretudo, tendo em conta que, à altura, este conjunto de peças teve uma recepção algo dividida: alguns contemporâneos, embora reconhecendo inspiração ao compositor, classificaram os quartetos como demasiado complexos e difíceis, em particular, o último, o nº19, intitulado “Dissonância”.
É este o repertório que o reputado Cuarteto Casals – Abel Tomàs e Vera Martínez no violino, Jonathan Brown na viola e Arnau Tomàs no violoncelo – trouxe até ao Grande Auditório da Gulbenkian, na tarde de domingo. A ocasião está integrada numa pequena tournée europeia, na qual o quarteto se propõe tocar estas peças. Para além de Lisboa, e entre outras, Londres, Roma e Florença serão contempladas, e a digressão terminará, simbolicamente e como não podia deixar de ser, em Salzburgo.
Trata-se de uma verdadeira maratona de música, dividida em duas meias-maratonas de três quartetos cada. Para quem nunca foi além da meia-maratona – e, ainda assim, a grande custo – esta paragem estratégica é bastante conveniente para permitir recuperar o fôlego entre as duas metades da exigente prova e cortar a meta em estilo.
A terminar a excelente interpretação do Cuarteto Casals, fiz uma pequena viagem no tempo e recuei um pouco mais de dois séculos (232 anos, para ser mais preciso) e tentei colocar-me nos pés de Joseph Haydn, assim que o compositor austríaco acabou de ouvir pela primeira vez o que eu também, os tais 232 anos depois, acabara de ouvir. E, nesse preciso momento, não tive outro remédio senão concordar com as palavras que partilhou com Leopold Mozart.
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