terça-feira, 31 de janeiro de 2017
segunda-feira, 30 de janeiro de 2017
domingo, 29 de janeiro de 2017
sábado, 28 de janeiro de 2017
sexta-feira, 27 de janeiro de 2017
A idade dos finalistas deste Open da Austrália é ridícula
O mais novo dos quatro é Rafa Nadal, que já conta com 30 anos (e uns 6 ou 7 meses). Do outro lado da rede da final masculina estará Federer com os seus provectos 35. Relativamente à final feminina, a mais "nova" das irmãs Williams, Serena, tem também 35 e a mais "velha", Venus, tem 36. A longevidade das carreiras destes quatro já é impressionante por si só; o facto de chegarem à final de um Slam ultrapassa essa barreira e eleva à categoria de monumental.
quinta-feira, 26 de janeiro de 2017
So help me God
Não é a primeira vez que falo sobre o assunto. Desta vez a reincidência surge motivada pelo verdadeiro desfile de figuras religiosas, dos mais diversos quadrantes, a discursar na "inauguração" de Trump e que, todos somados, parece-me terem tido mais tempo de antena do que o recém-empossado presidente. Não deverá ser nada de exclusivo a este presidente em concreto, (apenas porque nunca tinha visto a cerimónia) mas – e aqui sim tendo em conta este presidente em concreto – toda esta diversidade chega a ter um tom algo irónico tendo em conta a posição do inquilino da Casa Branca a algumas religiões em particular.
Este fim-de-semana, no Governo Sombra, Ricardo Araújo Pereira referiu-se à laicidade dos Estados Unidos e à questão do juramento com a mão na bíblia e ao “in God we trust” que acompanha as notas de dólar. Identifico-me com a estranheza que o levou a fazer este comentário, sempre foi algo que me achei curioso. Porque me parece uma contradição de termos. Assim como um vegetariano pedir um bife do lombo na Portugália ou um ambientalista conduzir um Ferrari.
Este fim-de-semana, no Governo Sombra, Ricardo Araújo Pereira referiu-se à laicidade dos Estados Unidos e à questão do juramento com a mão na bíblia e ao “in God we trust” que acompanha as notas de dólar. Identifico-me com a estranheza que o levou a fazer este comentário, sempre foi algo que me achei curioso. Porque me parece uma contradição de termos. Assim como um vegetariano pedir um bife do lombo na Portugália ou um ambientalista conduzir um Ferrari.
quarta-feira, 25 de janeiro de 2017
terça-feira, 24 de janeiro de 2017
segunda-feira, 23 de janeiro de 2017
Cuarteto Casals completa duas meias-maratonas de Mozart na Gulbenkian
(Publicado originalmente aqui)
Ao que tudo indica, Joseph Haydn e Wolfgang Amadeus Mozart eram amigos e respeitavam-se mutuamente e Haydn terá inclusivamente tido um pequeno papel como mentor de Mozart. Reconhecendo a influência de Haydn no seu próprio trabalho, Mozart dedicou-lhe um conjunto de seis quartetos para cordas, escritos entre 1782 e 1785 em Viena. Figura incontornável das peças para este tipo de formações, um dos epítetos pelo qual Haydn ficou conhecido foi justamente “o pai do quarteto de cordas”.
Haydn ouviu as peças em dois eventos sociais no início de 1785, após o qual, segundo consta, terá feito um comentário ao pai do jovem Wolfgang, Leopold, que se tornou célebre, e que arrisco traduzir: “Perante Deus, e como homem honesto, digo-lhe que o seu filho é o maior compositor que conheço, em pessoa ou de nome. Tem gosto e, para além disso, o mais profundo conhecimento de composição.”
O que, vindo de quem vem, impressiona qualquer um. E sobretudo, tendo em conta que, à altura, este conjunto de peças teve uma recepção algo dividida: alguns contemporâneos, embora reconhecendo inspiração ao compositor, classificaram os quartetos como demasiado complexos e difíceis, em particular, o último, o nº19, intitulado “Dissonância”.
É este o repertório que o reputado Cuarteto Casals – Abel Tomàs e Vera Martínez no violino, Jonathan Brown na viola e Arnau Tomàs no violoncelo – trouxe até ao Grande Auditório da Gulbenkian, na tarde de domingo. A ocasião está integrada numa pequena tournée europeia, na qual o quarteto se propõe tocar estas peças. Para além de Lisboa, e entre outras, Londres, Roma e Florença serão contempladas, e a digressão terminará, simbolicamente e como não podia deixar de ser, em Salzburgo.
Trata-se de uma verdadeira maratona de música, dividida em duas meias-maratonas de três quartetos cada. Para quem nunca foi além da meia-maratona – e, ainda assim, a grande custo – esta paragem estratégica é bastante conveniente para permitir recuperar o fôlego entre as duas metades da exigente prova e cortar a meta em estilo.
A terminar a excelente interpretação do Cuarteto Casals, fiz uma pequena viagem no tempo e recuei um pouco mais de dois séculos (232 anos, para ser mais preciso) e tentei colocar-me nos pés de Joseph Haydn, assim que o compositor austríaco acabou de ouvir pela primeira vez o que eu também, os tais 232 anos depois, acabara de ouvir. E, nesse preciso momento, não tive outro remédio senão concordar com as palavras que partilhou com Leopold Mozart.
Ao que tudo indica, Joseph Haydn e Wolfgang Amadeus Mozart eram amigos e respeitavam-se mutuamente e Haydn terá inclusivamente tido um pequeno papel como mentor de Mozart. Reconhecendo a influência de Haydn no seu próprio trabalho, Mozart dedicou-lhe um conjunto de seis quartetos para cordas, escritos entre 1782 e 1785 em Viena. Figura incontornável das peças para este tipo de formações, um dos epítetos pelo qual Haydn ficou conhecido foi justamente “o pai do quarteto de cordas”.
Haydn ouviu as peças em dois eventos sociais no início de 1785, após o qual, segundo consta, terá feito um comentário ao pai do jovem Wolfgang, Leopold, que se tornou célebre, e que arrisco traduzir: “Perante Deus, e como homem honesto, digo-lhe que o seu filho é o maior compositor que conheço, em pessoa ou de nome. Tem gosto e, para além disso, o mais profundo conhecimento de composição.”
O que, vindo de quem vem, impressiona qualquer um. E sobretudo, tendo em conta que, à altura, este conjunto de peças teve uma recepção algo dividida: alguns contemporâneos, embora reconhecendo inspiração ao compositor, classificaram os quartetos como demasiado complexos e difíceis, em particular, o último, o nº19, intitulado “Dissonância”.
É este o repertório que o reputado Cuarteto Casals – Abel Tomàs e Vera Martínez no violino, Jonathan Brown na viola e Arnau Tomàs no violoncelo – trouxe até ao Grande Auditório da Gulbenkian, na tarde de domingo. A ocasião está integrada numa pequena tournée europeia, na qual o quarteto se propõe tocar estas peças. Para além de Lisboa, e entre outras, Londres, Roma e Florença serão contempladas, e a digressão terminará, simbolicamente e como não podia deixar de ser, em Salzburgo.
Trata-se de uma verdadeira maratona de música, dividida em duas meias-maratonas de três quartetos cada. Para quem nunca foi além da meia-maratona – e, ainda assim, a grande custo – esta paragem estratégica é bastante conveniente para permitir recuperar o fôlego entre as duas metades da exigente prova e cortar a meta em estilo.
A terminar a excelente interpretação do Cuarteto Casals, fiz uma pequena viagem no tempo e recuei um pouco mais de dois séculos (232 anos, para ser mais preciso) e tentei colocar-me nos pés de Joseph Haydn, assim que o compositor austríaco acabou de ouvir pela primeira vez o que eu também, os tais 232 anos depois, acabara de ouvir. E, nesse preciso momento, não tive outro remédio senão concordar com as palavras que partilhou com Leopold Mozart.
domingo, 22 de janeiro de 2017
sexta-feira, 20 de janeiro de 2017
quinta-feira, 19 de janeiro de 2017
Música abandonada
«... she realised how wrong she had been to think that he played for no one but himself: he didn't even play for himself - he just played. He was the exact opposite of his friend Art, who put everything of himself into every note he played: Chet put nothing of himself into his music and that's what lent his playing its pathos. The music he played felt abandoned by him. He played the old ballads and standards with a long series of caresses that led nowhere and subsided into nothing.»
But beautiful, Geoff Dyer
But beautiful, Geoff Dyer
quarta-feira, 18 de janeiro de 2017
Ovo
«- What's an egg look like, Mingus?
- A egg?
- Yeah, tell me what an egg looks like.
- How old was you when your eyes went out?
- Two.
- You ever seen the sun?
- Yeah, must've done. I remember the sun.
- An egg looks that, like the sun. Yellow, bright, clouds around it.»
But beautiful, Geoff Dyer
- A egg?
- Yeah, tell me what an egg looks like.
- How old was you when your eyes went out?
- Two.
- You ever seen the sun?
- Yeah, must've done. I remember the sun.
- An egg looks that, like the sun. Yellow, bright, clouds around it.»
But beautiful, Geoff Dyer
terça-feira, 17 de janeiro de 2017
A arte de escolher a fila certa no supermercado
Opto pela caixa mais perto de mim: há três pessoas à minhas frente e duas delas têm poucas compras, enquanto na caixa ao lado o número de pessoas é o mesmo mas têm carrinhos bem cheios. Ganho tangencialmente a corrida a este lugar a um senhor que fica atrás de mim até reparar que uma das pessoas da caixa ao lado entretanto sai da fila e ele rapidamente toma esse lugar vago.
E depois espero. A senhora que está à frente na fila demora. Bastante. Não sei com quê, não estou a prestar atenção, mas reparo nos olhares de sofrimento dos dois que estão à minha frente (e que, ainda por cima, não têm quase nada). Os meus olhos divergem um pouco enquanto espero e reparo que, o tipo que estava atrás de mim e se mudou para a outra caixa, já está a pagar as compras dele e eu ainda nem consegui colocar as minhas no tapete.
Regresso às pessoas à minha frente, a mesma senhora está agora (finalmente!) a pagar. Tem o cartão no terminal e, na mão esquerda, a carta do banco com o pin do mesmo aberta à sua frente, enquanto lentamente digita os algarismos com a mão direita. Quando acaba, consegue deixar cair o papel, que é gentilmente apanhado e devolvido pelo homem que está a seguir na fila e que só quer levar uma caixa de seis ovos. A senhora volta guarda o envelope na carteira gigante enquanto eu imagino onde já andará o senhor que estava atrás de mim e mudou de fila.
Assim que as compras desta senhora são processadas, as duas pessoas à minha frente são atendidas muito rapidamente, tal como previsto. Quando chega a minha vez, debato-me um pouco com o espaço no final da caixa para arrumar as minhas compras: os sacos da senhora ainda lá estão, ela ainda arruma qualquer coisa que não consigo perceber bem. Saímos do supermercado quase ao mesmo tempo.
E depois espero. A senhora que está à frente na fila demora. Bastante. Não sei com quê, não estou a prestar atenção, mas reparo nos olhares de sofrimento dos dois que estão à minha frente (e que, ainda por cima, não têm quase nada). Os meus olhos divergem um pouco enquanto espero e reparo que, o tipo que estava atrás de mim e se mudou para a outra caixa, já está a pagar as compras dele e eu ainda nem consegui colocar as minhas no tapete.
Regresso às pessoas à minha frente, a mesma senhora está agora (finalmente!) a pagar. Tem o cartão no terminal e, na mão esquerda, a carta do banco com o pin do mesmo aberta à sua frente, enquanto lentamente digita os algarismos com a mão direita. Quando acaba, consegue deixar cair o papel, que é gentilmente apanhado e devolvido pelo homem que está a seguir na fila e que só quer levar uma caixa de seis ovos. A senhora volta guarda o envelope na carteira gigante enquanto eu imagino onde já andará o senhor que estava atrás de mim e mudou de fila.
Assim que as compras desta senhora são processadas, as duas pessoas à minha frente são atendidas muito rapidamente, tal como previsto. Quando chega a minha vez, debato-me um pouco com o espaço no final da caixa para arrumar as minhas compras: os sacos da senhora ainda lá estão, ela ainda arruma qualquer coisa que não consigo perceber bem. Saímos do supermercado quase ao mesmo tempo.
segunda-feira, 16 de janeiro de 2017
A décima terceira
A senhora das castanhas usa uns óculos grossos e, ainda assim, olha-me franzida como quem tem dificuldade em visualizar. Peço-lhe uma dúzia, ela responde-me sim senhor e começa a despejar as castanhas, mantidas quentes numa gaveta de metal, dentro de um saquinho de papel, daqueles que a ASAE obrigou em substituição das folhas de jornal. Quando acaba, estende a mão para me entregar o saquinho cheio e diz-me o que me pareceu ser treze. Entrego-lhe a moeda e desta vez fico mesmo intrigado porque já na vez anterior - sou cliente habitual - me pareceu ouvir o mesmo e resolvi concluir que se teria tratado de um mau entendimento meu. Chego a casa e conto o conteúdo: são efectivamente treze. Problemas com a definição de dúzia? Pouco plausível, é um conceito simples e de vasta utilização, então para quem vende castanhas. Um bónus motivado pela concorrência próxima do senhor que vende do outro lado da rua? Se sim, confesso que aprecio. Mas aqui fica a advertência para um perfil de cliente que poderá não nutrir o mesmo respeito pela décima terceira castanha: os supersticiosos.
domingo, 15 de janeiro de 2017
sábado, 14 de janeiro de 2017
sexta-feira, 13 de janeiro de 2017
quinta-feira, 12 de janeiro de 2017
Self-depreciating
«"The way you disapprove of your life! Why do you do that? It is of no value for a man to disapprove of his life the way you do. You seem to take some special pleasure, some pride, in making yourself the butt of you own peculiar sense of humor. I don't believe you actually want to improve your life. Everything you say is somehow always twisted, some way or another, to come out 'funny.' All day long the same thing. In some little way or other, everything is ironical, or self-depreciating. Self-depreciating?"
"Self-deprecating. Self-mocking."»
Portnoy's complaint, Philip Roth
"Self-deprecating. Self-mocking."»
Portnoy's complaint, Philip Roth
quarta-feira, 11 de janeiro de 2017
Boa manhã
«"Good morning," he says, and now it occurs to me that the word "morning," as he uses it, refers specifically to the hours between eight A.M. and twelve noon. I'd never thought of it that way before. He wants the hours between eight and twelve to be good, which is to say, enjoyable, pleasurable, beneficial! We are all of us wishing each other four hours of pleasure and accomplishment.»
Portnoy's complaint, Philip Roth
Portnoy's complaint, Philip Roth
terça-feira, 10 de janeiro de 2017
segunda-feira, 9 de janeiro de 2017
Do outro lado do rio da Prata
Chegamos ao check in do ferry ensopados. Começou a chover em Buenos Aires depois do tempo solarengo e quente dos últimos dias. A primeira paragem é na pequena Colónia Sacramento, que vemos em passo acelerado para fugir à chuva que teima em não parar.
Dali apanhamos um autocarro para Montevideo. Três horas para 160 quilómetros. Não devido a estradas em más condições, mas porque o autocarro para em tudo o que é lugarejo. Fazemos o caminho do terminal de autocarros até ao nosso hotel a pé e de imediato começamos a ficar com um pé atrás em relação à cidade. Há uma certa decadência, visível nos edifícios velhos e cinzentos, no aspecto sujo das ruas. Depois de deixarmos as coisas no quarto, descemos a avenida principal até praça no início da cidade velha. No meio de edifícios históricos, alguns de funções públicas, erguem-se igualmente autênticos mamarrachos, velhos, feios, sujos.
No dia seguinte tentamos um programa alternativo. Andamos quilómetros. Desde o hotel perto da Avenida 18 de Julho, atravessamos a Punta Carretas até chegar à praia dos Pocitos. A orla costeira faz lembrar o calçadão carioca, numa lembrança de quem nunca o viu ao vivo e a cores. Mas com algumas diferenças. Desde logo a cor da água, pouco convidativa. Convém relembrar que não se trata propriamente de mar, mas sim do estuário do Rio da Prata, que pode ganhar uns tons mais acastanhados em função das correntes. E depois, uma vez mais, os prédios que envolvem aquela pequena enseada. Velhos, sujos, feios. A praia continua a fazer lembrar Copacabana mas numa mistura com a Calçada de Carriche.
Ainda assim, numa tentativa de moderar a minha opinião, admito que seja possível que Montevideo sofra pela proximidade a Buenos Aires. É difícil competir com a capital da Argentina, uma cidade atraente, fervilhante que certamente colocaria em segundo plano muitas outras cidades que, à partida, nos parecem interessantes. É possível. Mas atrevo-me a dizer que nem tudo é atribuível à proximidade à forte concorrente.
Dali apanhamos um autocarro para Montevideo. Três horas para 160 quilómetros. Não devido a estradas em más condições, mas porque o autocarro para em tudo o que é lugarejo. Fazemos o caminho do terminal de autocarros até ao nosso hotel a pé e de imediato começamos a ficar com um pé atrás em relação à cidade. Há uma certa decadência, visível nos edifícios velhos e cinzentos, no aspecto sujo das ruas. Depois de deixarmos as coisas no quarto, descemos a avenida principal até praça no início da cidade velha. No meio de edifícios históricos, alguns de funções públicas, erguem-se igualmente autênticos mamarrachos, velhos, feios, sujos.
No dia seguinte tentamos um programa alternativo. Andamos quilómetros. Desde o hotel perto da Avenida 18 de Julho, atravessamos a Punta Carretas até chegar à praia dos Pocitos. A orla costeira faz lembrar o calçadão carioca, numa lembrança de quem nunca o viu ao vivo e a cores. Mas com algumas diferenças. Desde logo a cor da água, pouco convidativa. Convém relembrar que não se trata propriamente de mar, mas sim do estuário do Rio da Prata, que pode ganhar uns tons mais acastanhados em função das correntes. E depois, uma vez mais, os prédios que envolvem aquela pequena enseada. Velhos, sujos, feios. A praia continua a fazer lembrar Copacabana mas numa mistura com a Calçada de Carriche.
Ainda assim, numa tentativa de moderar a minha opinião, admito que seja possível que Montevideo sofra pela proximidade a Buenos Aires. É difícil competir com a capital da Argentina, uma cidade atraente, fervilhante que certamente colocaria em segundo plano muitas outras cidades que, à partida, nos parecem interessantes. É possível. Mas atrevo-me a dizer que nem tudo é atribuível à proximidade à forte concorrente.
domingo, 8 de janeiro de 2017
sábado, 7 de janeiro de 2017
Dime la verdad
O funcionário da emigração carimba-nos o passaporte mas o da alfândega diz-nos que não nos pode atender porque estão de greve. Segundo o papel afixado na parede, a greve terminou no dia anterior mas estão ainda em processo de “normalização dos serviços”. No mesmo papel está especificado que as janelas de atendimento são entre as 12h00 e as 13h00 e as 16h00 e as 17h00.
São 10h00 e pouco e não queremos esperar perto de duas horas para passar. Tendo em conta que ainda temos muita estrada pela frente, parte substancial dela em más condições, uma travessia de ferry que poderá ser condicionada pelo forte vento e, pior que tudo, uma nova travessia de fronteira para voltar a entrar na Argentina.
Optamos por um plano alternativo. Dizemos ao funcionário que temos um voo de regresso a Buenos Aires e que, se ficarmos ali retidos até às 12h, vamos perdê-lo. Treta: temos efectivamente um voo mas é no dia seguinte. O funcionário encolhe os ombros e diz-nos para falarmos com o supervisor, um tipo de olhar ameaçador, desgrenhado, barba mal aparada, com um gorro na cabeça e óculos escuros por cima.
Repetimos-lhe a lengalenga e responde, com cara de poucos amigos, que já nos atende. Esperamos no banco dentro das instalações da fronteira com a nosso melhor ar de desesperados. Os funcionários ouvem Metallica e outras guitarradas que tais, um deles canta It’s the same old situation. Uma das pessoas que, como nós, espera, assobia o As time goes by.
Passados talvez uns vinte minutos, vem ter connosco, pede que lhe mostremos os comprovativos dos voos e acrescenta “pero dime la verdad”, com um olhar ameaçador a fazer lembrar um personagem do Narcos. Só faltou chamar-nos malparidos enquanto sacava da arma.
Conseguimos não engolir muito em seco. Mostrar-lhe os papéis que temos no carro está fora de questão porque atestam a peta que estamos a enfiar. Tentamos escapar-nos com a necessidade de acesso à internet porque sabemos que ali não há rede mas ele prontamente nos cede o telefone dele para acedermos e procurarmos os bilhetes no email.
Não sem algum sofrimento, conseguimos safar-nos deste imbróglio alterando o calendário do telefone, passando o voo do dia seguinte para aquele dia. O mal-encarado deixa-nos passar, carimba-nos a papelada e saímos do posto a voar. Celebramos e prometemos não voltar a fazer uma parvoíce semelhante.
Pelas nossas contas, o segundo posto fronteiriço do dia para voltar a entrar na Argentina deveria surgir à nossa frente um pouco antes das 16h, hora a que começaria a janela em que os funcionários atendem o público. Entramos, carimbamos os passaportes mas, quando chegamos à alfândega, debatemo-nos com o mesmo problema novamente: este posto não segue as mesmas janelas do anterior. Só atendem entre as 18h e as 19h.
Desta vez damo-nos por vencidos e esperamos no carro. Adormecemos ao sol, embalados pelo abanar do carro ao sabor do vento.
São 10h00 e pouco e não queremos esperar perto de duas horas para passar. Tendo em conta que ainda temos muita estrada pela frente, parte substancial dela em más condições, uma travessia de ferry que poderá ser condicionada pelo forte vento e, pior que tudo, uma nova travessia de fronteira para voltar a entrar na Argentina.
Optamos por um plano alternativo. Dizemos ao funcionário que temos um voo de regresso a Buenos Aires e que, se ficarmos ali retidos até às 12h, vamos perdê-lo. Treta: temos efectivamente um voo mas é no dia seguinte. O funcionário encolhe os ombros e diz-nos para falarmos com o supervisor, um tipo de olhar ameaçador, desgrenhado, barba mal aparada, com um gorro na cabeça e óculos escuros por cima.
Repetimos-lhe a lengalenga e responde, com cara de poucos amigos, que já nos atende. Esperamos no banco dentro das instalações da fronteira com a nosso melhor ar de desesperados. Os funcionários ouvem Metallica e outras guitarradas que tais, um deles canta It’s the same old situation. Uma das pessoas que, como nós, espera, assobia o As time goes by.
Passados talvez uns vinte minutos, vem ter connosco, pede que lhe mostremos os comprovativos dos voos e acrescenta “pero dime la verdad”, com um olhar ameaçador a fazer lembrar um personagem do Narcos. Só faltou chamar-nos malparidos enquanto sacava da arma.
Conseguimos não engolir muito em seco. Mostrar-lhe os papéis que temos no carro está fora de questão porque atestam a peta que estamos a enfiar. Tentamos escapar-nos com a necessidade de acesso à internet porque sabemos que ali não há rede mas ele prontamente nos cede o telefone dele para acedermos e procurarmos os bilhetes no email.
Não sem algum sofrimento, conseguimos safar-nos deste imbróglio alterando o calendário do telefone, passando o voo do dia seguinte para aquele dia. O mal-encarado deixa-nos passar, carimba-nos a papelada e saímos do posto a voar. Celebramos e prometemos não voltar a fazer uma parvoíce semelhante.
Pelas nossas contas, o segundo posto fronteiriço do dia para voltar a entrar na Argentina deveria surgir à nossa frente um pouco antes das 16h, hora a que começaria a janela em que os funcionários atendem o público. Entramos, carimbamos os passaportes mas, quando chegamos à alfândega, debatemo-nos com o mesmo problema novamente: este posto não segue as mesmas janelas do anterior. Só atendem entre as 18h e as 19h.
Desta vez damo-nos por vencidos e esperamos no carro. Adormecemos ao sol, embalados pelo abanar do carro ao sabor do vento.
sexta-feira, 6 de janeiro de 2017
Baía
Estamos de volta a estrada com alcatrão que nos permite andar a uma velocidade decente. Aos poucos, vemos a estepe plana amarelada e desolada a desaparecer e a dar lugar a vegetação bem densa e verde. Finalmente vemos árvores e montanhas: ao fundo, picos e escarpas abruptas com neve lá no alto. No final deste percurso, Ushuaia, o fim do mundo.
Embora pareça um contrassenso, vemos mais actividade e cruzamo-nos com mais carros nesta zona supostamente mais remota do que em qualquer outro momento do trajecto. A cidade fica numa baía ladeada por picos imponentes cobertos de neve; aliás, o nome da cidade significa baía na língua indígena original.
Vamos mesmo até ao final da estrada nacional nº3, que liga Buenos Aires ao limite do parque nacional da Terra do Fogo, ao longo de 3079 kms. À noite, para recuperar as forças depois de uma caminhada exigente no Cerro Guanaco, comemos uma sopa de marisco e umas santolas, especialidade local. No dia seguinte, antes de nos despedirmos, fazemos um passeio de barco pelo canal Beagle – obrigatório.
Embora pareça um contrassenso, vemos mais actividade e cruzamo-nos com mais carros nesta zona supostamente mais remota do que em qualquer outro momento do trajecto. A cidade fica numa baía ladeada por picos imponentes cobertos de neve; aliás, o nome da cidade significa baía na língua indígena original.
Vamos mesmo até ao final da estrada nacional nº3, que liga Buenos Aires ao limite do parque nacional da Terra do Fogo, ao longo de 3079 kms. À noite, para recuperar as forças depois de uma caminhada exigente no Cerro Guanaco, comemos uma sopa de marisco e umas santolas, especialidade local. No dia seguinte, antes de nos despedirmos, fazemos um passeio de barco pelo canal Beagle – obrigatório.
quinta-feira, 5 de janeiro de 2017
O ferry demora umas duas horas a atravessar a zona ampla do Estreito de Magalhães.
Do outro lado, em nítido contraste com as condições que apanhámos até ao momento, a estrada é uma desgraça. Quer dizer, uma desgraça do ponto de vista de quem precisa de se deslocar: os primeiros 15 quilómetros têm que ser tirados a ferros, a 30 quilómetros por horas sob pena de começar a ouvir as pedras a embater no fundo do Chevrolet Corsa. Depois melhora um pouco mas mesmo assim na melhor das hipóteses conseguimos atingir os 60 quilómetros por hora. Esquecendo o ponto de vista meramente funcional, a estrada é uma maravilha: uma paisagem deslumbrante, os tons de amarelo torrado fazem um contraste com o mar de um azul forte e gritante.
quarta-feira, 4 de janeiro de 2017
Paso
Seguimos a indicação da placa e saímos da estrada. Um caminho de cabras leva-nos até uma casa pequena no meio do nada, que poderia perfeitamente ser a habitação de alguém. O único elemento que torna esta casa diferente de qualquer outra é a barreira na estrada, com uma cancela fechada e outra aberta. Paramos o carro sem saber exactamente o que fazer. Antes de termos tempo para pensar no assunto, uma funcionária vem à porta e pergunta-nos para onde queremos ir, o que me parece uma pergunta ridícula tendo em conta que se trata da fronteira da Argentina com o Chile. Respondo a única resposta que me parece possível e ela
“En Chile estan de paro”
“Paro” soa-me a desemprego e, para ter certeza que percebi bem, pergunto-lhe se é uma “huelga” e ela confirma. Acrescenta que ninguém tem aparecido para atravessar e nós, claro, não estávamos a par de nada. Diz-me que nos deixa ir e que, na pior das hipóteses, se no Chile não nos processarem a entrada, nos deixa regressar novamente ao território argentino. Aceitamos.
Passamos na cancela que já estava aberta, como se nos esperasse. Rebanhos de ovelhas pastam nos quilómetros que separam os postos fronteiriços dos dois países. Serão argentinas ou chilenas? Como se tivessem um salvo conduto ou dupla nacionalidade.
Finalmente, avistamos uma casinhota parecida do outro lado. Talvez por sermos os únicos a tentar passar a fronteira – e por a próxima abertura só estar agendada para o dia seguinte – ninguém nos coloca entraves e passamos sem nenhum problema. Excepto as maçãs que têm de ficar “para ser destruídas” porque não se pode entrar com nada vegetal no Chile. Mais uns minutos e estamos em Puerto Natales.
“En Chile estan de paro”
“Paro” soa-me a desemprego e, para ter certeza que percebi bem, pergunto-lhe se é uma “huelga” e ela confirma. Acrescenta que ninguém tem aparecido para atravessar e nós, claro, não estávamos a par de nada. Diz-me que nos deixa ir e que, na pior das hipóteses, se no Chile não nos processarem a entrada, nos deixa regressar novamente ao território argentino. Aceitamos.
Passamos na cancela que já estava aberta, como se nos esperasse. Rebanhos de ovelhas pastam nos quilómetros que separam os postos fronteiriços dos dois países. Serão argentinas ou chilenas? Como se tivessem um salvo conduto ou dupla nacionalidade.
Finalmente, avistamos uma casinhota parecida do outro lado. Talvez por sermos os únicos a tentar passar a fronteira – e por a próxima abertura só estar agendada para o dia seguinte – ninguém nos coloca entraves e passamos sem nenhum problema. Excepto as maçãs que têm de ficar “para ser destruídas” porque não se pode entrar com nada vegetal no Chile. Mais uns minutos e estamos em Puerto Natales.
terça-feira, 3 de janeiro de 2017
Terra do vento
São quilómetros atrás de quilómetros de nada. Não há povoações e não se vê vivalma, poucos são os carros com que nos cruzamos. A vegetação é escassa e rasteira, as árvores quase inexistentes. O rádio do carro atravessa a frequência toda em busca de postos e só tropeça em estática. Não que fizesse uma diferença doida. Há um som que domina tudo o que fazemos: o som do vento forte que abana o carro, que constantemente parece querer escapar-nos, fugir-nos das mãos. O ruído é tal que nos obriga a ter que falar alto para nos ouvirmos. E a fazer força para abrir a porta e ter cuidado para não voar nada.
No rent a car dão-nos um número de telefone de emergência para utilizar caso nos aconteça alguma coisa – no Chile, não devemos contactar a Hertz local mas sim aquele número (mais um sinal da inimizade dos países?). Aquilo que parece uma medida perfeitamente normal rapidamente se transforma numa espécie de piada de mau gosto: não há rede na maior parte do trajecto desolado e inóspito. Caso precisássemos de ajuda, aquele número de telefone daria tanto jeito como uma guitarra num enterro.
E depois há os animais. As vacas – os bifes têm que vir de algum lado – as ovelhas – o cordeiro patagónico tem que vir de algum lado – os cavalos. E os guánacos que, num misto de curiosidade e apreensão, vão acompanhando a deslocação dos carros de soslaio. É preciso algum cuidado porque, por vezes, atravessam a estrada numa corrida desajeitada, com movimentos desconjuntados, e saltam as vedações que separam a estrada dos terrenos que a ladeiam com uma facilidade surpreendente. Sinais de trânsito alertam para este perigo e alguns dão indicações sobre como lidar com estes bichos: abrandar (recomendação totalmente inesperada), acender os faróis e não buzinar.
No rent a car dão-nos um número de telefone de emergência para utilizar caso nos aconteça alguma coisa – no Chile, não devemos contactar a Hertz local mas sim aquele número (mais um sinal da inimizade dos países?). Aquilo que parece uma medida perfeitamente normal rapidamente se transforma numa espécie de piada de mau gosto: não há rede na maior parte do trajecto desolado e inóspito. Caso precisássemos de ajuda, aquele número de telefone daria tanto jeito como uma guitarra num enterro.
E depois há os animais. As vacas – os bifes têm que vir de algum lado – as ovelhas – o cordeiro patagónico tem que vir de algum lado – os cavalos. E os guánacos que, num misto de curiosidade e apreensão, vão acompanhando a deslocação dos carros de soslaio. É preciso algum cuidado porque, por vezes, atravessam a estrada numa corrida desajeitada, com movimentos desconjuntados, e saltam as vedações que separam a estrada dos terrenos que a ladeiam com uma facilidade surpreendente. Sinais de trânsito alertam para este perigo e alguns dão indicações sobre como lidar com estes bichos: abrandar (recomendação totalmente inesperada), acender os faróis e não buzinar.
segunda-feira, 2 de janeiro de 2017
Uns com o pé, outros com o abdomen.
Os americanos chutam a lata rua abaixo. Já nós empurramos com a barriga.
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