Há uma estrutura harmónica fixa onde todo o tema se alicerça. A melodia dá um mote, um tema de discurso, uma orientação. E depois a improvisação. A improvisação nunca é improvisação. Primeiro porque não existe. Não há nada novo. Assim como as linhas, as figuras, os sólidos já existem, também os sons, as notas, os acordes. Mas há a junção num discurso. Isso, sim, é novo. Segundo porque há regras. Há um tempo, uma estrutura (compassos, formas) e uma harmonia. A improvisação submete-se a estas características. É óbvio que, quanto maior o artista, maior a capacidade de manobrar estes limites, adulterá-los, contorná-los. Da mesma forma que o Saramago e o Lobo Antunes podem manipular as palavras e as regras da gramática apenas porque sabem o que fazem.
Esta é uma diferença fundamental face àquilo que se designa de música clássica (ou erudita, seja lá o que for). É claro que a interpretação da linguagem musical escrita é fundamental – senão não teríamos qualquer tipo de opinião sobre qual o melhor maestro para peças do Beethoven ou violoncelista para peças do Bach. Mas a margem de intervenção dos executantes é menor em relação à forma como a peça musical se vai desenrolar.
No fundo, é uma opção (um trade-off, para os economistas) entre diferentes níveis de duas dimensões: a rigidez e a flexibilidade. A rigidez das regras tem as vantagens de maior planeamento e credibilidade na medida em que aceita menos desvios ao estabelecido, mas tem a desvantagem de menor capacidade de encaixe de imprevistos, contingências. A flexibilidade permite uma melhor adaptação mas pode descambar em falta de rumo, orientação. Logo e concretizando, nesta discussão, a música erudita está mais próxima da rigidez e o jazz da flexibilidade.
E esta por esta razão que o jazz é uma forma de abandonar o control freakismo. Abandonemos a vontade de controlar tudo, ou seja, de ter a partitura completa, com todas as notas que vão ser tocadas. A ideia é apenas a cifra, ou seja, a estrutura harmónica do tema. Esta estrutura é um conjunto de regras relativamente sólidas, gerais, abrangentes mas que permitem uma relativa flexibilidade. Que dêem espaço de manobra, que não estejamos sempre a esbarrar nos limites que impõem. E é aqui que entra a liberdade. A não definição anterior de como se vai desenrolar a nossa intervenção.
segunda-feira, 27 de julho de 2009
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