Uma cidade onde em cada esquina há uma daquelas fachadas coloridas, com letreiros de nomes engraçados, escritos em letras bem desenhadas. Onde as poucas pessoas que não estão a beber estão a trabalhar nas gigantescas fábricas que produzem os preciosos líquidos. A cidade gira em torno das garrafas de cerveja e whisky, dos copos de pint, vive de e para eles. Se, do dia para a noite, retirassem todos os pubs ou locais onde se fabricam bebidas alcoólicas, seria certamente reduzida a menos de metade da já de si reduzida dimensão. Estou convencido que aquilo a que chamam “água” dos rios, com um tom escuro denunciador, é no fundo um tipo de stout que é obtida a partir da cevada torrada. O Médio Oriente esguicha petróleo; a Irlanda esguicha cerveja.
Os irlandeses contam-se entre os povos mais relaxados, laid-back na sua própria autodefinição. Mas também, como todos os outros, têm a sua contradição. Neste caso, traços de uma extrema seriedade. A protecção da família, constitucionalmente garantida, é uma característica interessante que os tipos levam muito a sério. Talvez até demasiado a sério, lá está. Parece que, até aos trinta anos, os irlandeses não querem saber de casamentos. Aliás, quem casa antes dessa idade marcante, casa nitidamente cedo. E isto acontece porque quem casa é para de imediato desatar a ter uma família e, muito mais grave do que isso, literalmente fazer um corte drástico com a anterior vida de solteiro. Há uma demarcação enorme entre os comportamentos associados aos dois estados civis, do dia para a noite.
Ora segundo consegui apurar, curiosamente, o álcool tem um papel preponderante naquela transição. Dada a habitual e tradicional timidez daquelas gentes, o líquido precioso cumpre o desígnio de soltar a língua, propriedade terapêutica sobejamente conhecida e reconhecida – pese embora o discurso eventualmente pouco eloquente e a fala meio entaramelada. Ou seja, se antes de casar precisam dos pubs para que, de facto, cheguem a casados, depois de casados precisam dos pubs para sobreviver à base de recordações. É caso para dizer que os pints são a alegria e a desgraça dos irlandeses.
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