Numa das paredes da sala estava o quadro, um de tantos com imagens alusivas à França. Fotografias, a maioria com os grandes marcos de Paris, como não podia deixar de ser. A edificação no topo de uma rocha no mar era dos poucos (o único?) que não fugia à tirania da capital. É assim que me lembro de ter sido apresentado ao Mount Saint Michel, naquela sala de aula há cerca de metade da minha vida. Um dia perguntei à Angeline o que era e donde era exactamente a imagem. Explicou-me. Na altura, fiquei com a ideia de um sítio místico e inóspito, sujeito a ficar isolado do resto da França ao sabor dos caprichos das marés.
A imagem romântica foi desfeita quando, anos mais tarde, me falaram da afluência de turistas ao local. Mas só agora o comprovei. Aterro no Charles de Gaulle ao início da tarde e fazemo-nos ao caminho. Normandia, as praias cinzentas do desembarque, fustigadas pelo forte vento. Renomeadas com termos americanos: Omaha, Utah. Entretanto, a noite cai. A chuva não pára. E, lá ao fundo, as luzes que iluminam o monte surgem a certa altura. Inconfundíveis, os contornos da construção são distintos.
Deixamos as tralhas na espelunca onde vamos passar a noite e voltamos a sair para tirar uma fotografia nocturna. Pouco depois de Pontorson – que vive exclusivamente da proximidade ao local – e deparamo-nos com o enorme, gigante parque de estacionamento. A estrada está agora barrada alguns quilómetros antes: até há pouco tempo, era possível conduzir quase até à entrada. Agora il faut prendre les navettes. Ou andar. Andamos. Sem saber muito bem por onde, à noite todos os gatos são pardos. Disparo a máquina perto da estrada intransitável. Sinto os primeiros pingos nas mãos, cabeça. A chuva apanha-nos e voltamos para o carro.
O tempo teima em estragar-nos o dia seguinte. O local não tem metade da piada com o fundo cinzento das nuvens. Do lado direito, os antigos parques de estacionamento desertos. Entramos e subimos a ruela estreita de calçada, passando pelos cafés e pelas armadilhas de turistas e ultrapassando a enchente de japoneses. Há uma fila lá no alto à porta da abadia: chegámos cinco minutos antes de abrir, está escrito num cartaz. As salas enormes e despidas. Seguimos as indicações de um panfleto em, pasmem-se, português. No terraço tiramos as fotografias da praxe com os desenhos da água na areia e lama escuras.
A meio da manhã estamos despachados. Saímos. Vamos na direcção oposta à das hordas de locais e americanos – menos matutinos que os nipónicos – que sobem agora a ruela estreita. Corremos para o carro porque recomeçou a chover.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário