No momento em que vou a sair, já atrasado para o meu encontro das 18h15, dou pela falta das chaves de casa. Tenho tudo. A carteira, o telefone – aliás, os dois telefones – o raio do badge. Excepto as chaves de casa. Procuro em todo o lado. Dou a volta a tudo. Gavetas, bolsos das calças, casaco, gabardine. A mochila! Trouxe a mochila de manhã e nada lá dentro senão o raio de um saco de plástico. O meu colega de gabinete olha para mim preocupado “what’s wrong?”. Explico-me ele dá-me nas orelhas por ainda não ter feito uma cópia das chaves para o que der e vier.
Desisto. Telefono à minha senhoria: “Hi Anna”. Meio envergonhado, claro, é uma situação estúpida. O que vale é que ela é uma porreira. Não posso ir já aí mas já te ligo dentro de uma hora ou assim. Combinado. Vou para o tal encontro – aquele das 18h15 para o qual já estou pornograficamente atrasado. Uma cerveja à beira rio. Mais do que à beira rio, literalmente no rio numa espécie de jangada ou plataforma com umas mesas e uma senhora que é um atraso de vida a atender às mesas. O telefone ao meu lado, ao lado da caneca de cerveja. Toca mais ou menos quando estou a chegar ao fim. Despejo o que falta da caneca e despeço-me. Levo nas orelhas – pela segunda vez no mesmo dia, raios parta – porque estou “deserting my friends”. Explico o que se passa – porra, já lhes tido dito – e ainda digo que ligo depois para ver se ainda ali estão.
Subo os degraus de três em três, galgo os metros até casa num instante e chego dez, quinze segundos antes do carro dela – um Ka muito velhinho – entrar na esquina da rua e estacionar. Sai do carro apressadamente e já me estou a desculpar pelo incómodo e ela “macht nix”. É uma querida. Abre-me a porta da rua e passa-me para a mão as chaves para abrir a porta do apartamento. O pior dos meus receios concretiza-se. Dou duas voltas à chave até abrir a porta, o que significa que ela estava fechada, o que significa que as chaves não estão dentro de casa e que saí com elas de manhã, o pior cenário possível. A minha cara deve ter ficado com mau aspecto porque eu percebi que ela não percebeu a minha dedução lógica e, mesmo assim, está preocupada. Depois lá faz click e solta uma das únicas três expressões que verdadeiramente interessam em alemão: “ach so” (as outras duas são “genau” (com ou sem “ganz”) e “jawohl” (“doch” também é giro)). E continua “bist du sicher?”. Onde é que puseste, lembras-te? E eu conto o raio da história, que verifiquei aqui, ali e acoli e não estou nada a ver onde possa ter enfiado a porcaria das chaves, normalmente ponho no bolso das calças e o meu receio é que as tenha deixado cair daí sabe Deus onde. Digo-lhe que das qualquer das formas amanhã vou “nochmal gucken” e lhe digo qualquer coisa.
Depois, a pièce de résistance. Aproveito, já que ela está ali, para lhe mostrar os dois buracos que o gajo da Unitymedia fez na semana passada quando estava a instalar uma tomada para o cabo da televisão. Foram direitinhos de encontro a qualquer coisa demasiado rija e ele teve que chegar para a esquerda e deixar dois lindos orifícios escarrapachados no meio da parede. E eu pior que estragado. E achei que mais valia mostrar-lhe. Entra-me na sala e nem sequer olha para a parede, olha para o sofá onde a minha guitarra repousa ao comprido, qual imperador romano de cacho de uvas na mão. “Spielst du?”. Claro, até já me tinhas visto de guitarra na mão, no mínimo no dia em que ajudaste a carregar as tralhas cá para casa [já vos disse que é uma querida, não disse? Trouxe-me de armas e bagagens até cá a casa para facilitar a mudança]. Lá se apercebe que já deveria saber. “Bist du single?”. E em seguida diz que me vai apresentar a Laura, a filha dela. Eu rio-me e ela acrescenta que ela própria não pode, mas a filha pode. Eu rio-me mais, que raio havia de fazer. E que não preocupe com a porcaria dos buracos na parede. Um bocadinho de “gibs” e resolve-se. É mesmo uma querida.
Dirige-se à porta e olha para mim. “Bist du verliebt?” e eu respondo muito rápido “alle Tagen” e agora é ela quem se ri. E acrescenta que quando as pessoas estão apaixonadas perdem as coisas e dou mais uma achega que é porque têm a cabeça noutro sítio. Vê lá outra vez amanhã se não encontras as chaves, pensa, “uberlegt mal” onde as podes ter posto e depois diz-me qualquer coisa. Claro, está combinado.
E obrigado uma vez mais.
segunda-feira, 18 de abril de 2011
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
E apareceram?
ResponderEliminarNão...Passei o dia todo à procura e nada.
ResponderEliminar=/
ResponderEliminarTens é de começar a pôr as traduções (livres) das expressões que pões em alemão ao lado entre parêntesis. É que tens alguns leitores (eu, por exemplo) que são iletrados (em alemão, claro).
ResponderEliminarAh, e boa sorte com as chaves!
Não me lixes, ó iletrado, dá para chegar lá pelo contexto.
ResponderEliminarObrigado, lá vão ter que ser umas chavinhas novas