Encostei o carro carregado no início do corredor e afastei-me um pouco, à procura de qualquer coisa. De caixa na mão, quando olho para trás, vejo um tipo dos seus cinquenta anos, bigode, com cara de quem tem jeito para trabalhos manuais. É carpinteiro, serralheiro, electricista.
Está fixado no carro que acabei de abandonar no início do corredor, encandeado, hipnotizado. Com os joelhos um pouco flectidos, inclinou-se ligeiramente para a frente, braço direito esticado.
Durante um momento muito curto, considerei a hipótese de que aquele tipo me fosse tirar algo do carro. Mas porquê abafar qualquer coisa dentro do supermercado, sem ter passado a caixa? Eu ainda não paguei nada, se ele tirar, terá que ser ele a pagar. A teoria do roubo rapidamente foi posta de lado por esta falta de coerência, de lógica da batata.
E depois aquele gesto. Delicadamente, pegou na ponta de metal que serve para prender o carrinho a outro e soltar a moeda. Aquela espécie de ganchinho. Pegou nela e passou-a pela barra onde colocamos as mãos para conduzir aquele depósito móvel de géneros alimentares.
Depois afastou-se. De cara aliviada e realizada, tudo ao mesmo tempo. Como quem protagoniza um grande feito, leva a cabo uma tarefa complicada e dura. Nisto tudo, nunca reparou que o (candidato a) dono do que constava daquele carro ficou meio estupefacto a olhar para aquela cena a poucos passos do local do crime.
Estaria aquele bocado de metal, preso por uma corrente, a incomodá-lo num movimento oscilatório? Badalava porque pouco tempo antes eu tinha empurrado aquele carrinho até ao início do corredor e aquele bocado de metal tinha sido acordado da inércia de objecto imóvel.
Seja como for, era um pedaço de metal num carrinho de supermercado encostado às prateleiras no início de um corredor. Que oscilava. Que eventualmente oscilava, não tenho a certeza. E a cara de realização dele não teve explicação.
segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009
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