quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Bisou

Despeço-me por escrito com um “beijinho grande” e só depois me apercebo do paradoxo.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Verruckt

Uma amiga – da área da saúde – colocou como skill no seu perfil do Linkedin “mental health”. É aconselhável e fica bem. Mas às vezes não a ter é mais útil.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Timbre

O túnel que leva até às escadas para a rua já está bastante molhado, repleto de pequenas poças, os degraus escorregadios. À saída, encharcado, ensopado, incita à compra de chapéus de chuva. Mas o pregão é horrível, a voz é feia, desagradável. As pessoas passam indiferentes e ele parece ficar sobretudo indignado com aqueles que não protecção para a chuva e que, ainda assim, optam por seguir caminho debaixo da chuva intensa em vez de lhe comprar um dos objectos. Nesses casos a voz faz-se ouvir ainda mais, penetrante. Um dos transeuntes goza com a situação, diz-lhe
Ainda se vendesse tampões para os ouvidos.

domingo, 27 de outubro de 2013

A Bobone devia escrever um livro sobre boas maneiras dentro de um avião.

Como, por exemplo, não pôr as costas do banco para trás no momento em que vai ser servida a refeição. Ou então não ver filmes no iPad sem usar auscultadores. Não passar a vida a segurar-se ou amparar-se no banco da frente. Ou ainda, não tirar os sapatos – sobretudo se os nossos pés são pestilentos.

sábado, 26 de outubro de 2013

Norma(lidade)

«If you want to nudge people into socially desirable behavior, do not, by any means, let them know that their current actions are better than the social norm.»

Nudge, Richard Thaler and Cass Sunstein

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Escalade

«Não o irritava ser considerado competente mas sim que essa competência fosse confundida com uma certa bondade, sentimento que desprezava em absoluto.»

Aprender a rezar na Era da Técnica, Gonçalo M. Tavares

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Consoante a hora a que me estiver a ouvir

De manhã dizemos
Bom dia
mas nunca dizemos boa manhã. Assim que começa a tarde temos que dizer
Boa tarde.
senão olham-nos de soslaio. Às vezes, perto da fronteira temporal, levamos como resposta
Bom dia que eu ainda não almocei
sugerindo que é a refeição que determina onde começam e acabam os dois blocos do dia. Os alemães e os franceses usam a mesma fórmula, o mesmo bom dia,
Guten Tag, bounjour
Mas é um bom dia que pode se empregue seja manhã ou tarde. Nunca mudam e também não especificam se estão a desejar coisas boas para apenas uma parte do dia, fica ao critério do recipiente. Já os ingleses especificam tudo, ou boa manhã ou boa tarde
Good morning, good afternoon
Só há alusão ao dia todo quando se despedem das pessoas
Have a nice day

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Andorinhão-real

O Público noticia que o andorinhão-real é capaz de voar 200 dias sem parar. Acho sempre curiosa a forma como se relatam estas coisas. Será lícito afirmar que o homem (a roçar a definição com "H") é capaz de correr a 37.578 km/h ((0.1km/9.58s)*(60s*60m))? Há um que é capaz, é jamaicano e chama-se Usain Bolt. Mas não conheço mais nenhum que seja. Aliás, a maioria de nós está bastante longe disso - por exemplo, 15s aos 100m dá 24km/h. E portanto a questão é: serão estes passarocos com características propícias ao exercício e que andaram a treinar para bater recordes ou bichos de capacidade física perfeitamente mediana?

sábado, 19 de outubro de 2013

Precoce

O juiz pergunta ao porta voz do júri se chegaram a um veredicto. A pessoa em causa levanta-se e diz que sim, your Honour, o júri chegou a uma conclusão. Às vezes dão o papelinho primeiro ao juiz, para que se cumpra o protocolo e ele tenha o privilégio de saber primeiro que todos os demais. E depois faz jus à sua função de porta voz e diz
We find the defendant… guilty/not guilty.
E há sempre uma curta pausa até as palavras defendant e guilty. Possivelmente porque é um filme ou uma série e o suspense é um osso do ofício. O que estraga isto tudo são as legendas: antes do porta voz dizer guilty com o sem o not, já apareceu culpado ou inocente naquelas letrinhas em baixo.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Meaningless

It goes without saying é uma expressão que deixa de fazer sentido a partir do momento em que é efectivamente dita.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Elefante

Estou a pôr as bananas no saco de plástico transparente. Olho para a placa onde está indicado preço; olho apenas porque quero ver a referência para em seguida introduzir na balança. E começo a repeti-la para mim mesmo mentalmente, começo a repetir o número de três dígitos (cento e qualquer coisa) porque tenho medo de me esquecer até chegar à balança. Vou com o número na cabeça naquele pequeno trajecto, levo-o comigo – tenho medo de desatar a dizê-lo alto inconscientemente – evito os carrinhos de outras pessoas, manobro o meu por entre o espaço que me parece exíguo. Deixo cavalheiristicamente uma senhora passar-me à frente num mini-cruzamento e só depois me apercebo do erro estratégico: ela rouba-me a balança diante dos meus olhos. O número, a referência para pesar as bananas sempre a correr em loop na minha cabeça – e continuo a rezar para que não o esteja a dizer alto – e começo a ir em direcção à outra balança. Imagino todas as outras pessoas a repetir mecanicamente números diferentes nas cabeças delas, números de pêssegos, maçãs, tomates, melões; imagino-os todos a apressarem-se para as balanças com medo de se esquecerem. Chego à balança, pouso as bananas na chapa metálica e, quando vou digitar o número, não o consigo reproduzir.

domingo, 13 de outubro de 2013

sábado, 12 de outubro de 2013

Vidro

(...) a crise está a provocar um aumento do abuso de drogas e uma alteração dos padrões de consumo, com um regresso à heroína, que vinha a decrescer desde o final dos anos 90.

No início deste ano saiu este documentário impressionante sobre um fenómeno semelhante na Grécia. Neste caso, pior na medida em que a droga cujo consumo mais está a expandir é a uma nova forma de chrystal meth altamente destrutiva. E mais barata.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Herd behaviour

«Most of us are affected by the eating habits of our eating companions, whatever their intentions. As we have said, obesity is contagious; you’re more likely to be overweight if you have a lot of overweight friends. An especially good way to gain weight is to have dinner with other people. On average, those who eat with one other person eat about 35 percent more than they do when they eat alone; members of a group of four eat about 75 percent more; those in groups of seven or more eat 96 percent more*.

We are also greatly influenced by consumption norms within the relevant group. A light eater eats much more in a group of heavy eaters. A heavy eater will show more restraint in a light-eating group. The group average thus exerts a significant influence. But there are gender differences as well. Women often eat less on dates; men tend to eat a lot more, apparently with the belief that women are impressed by a lot of manly eating. (Note to men: they aren’t.) So if you want to lose some weight, look for a thin colleague to go to lunch with (and don’t finish the food on her plate).

*A colleague who raises chickens tells us that they behave the same way. A chicken who has already eaten enough to feel sated will start eating again if a hungry chicken is brought into the next cage.»

Nudge, Richard Thaler e Cass Sunstein

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Sapo

Come e cala. Embrulha.
E não bufa.
Não quero ouvir queixas, resmunguices.
Barriga para dentro, peito para fora.
Força. Engole.
Caluda! Mas a formiguinha já tem catarro?
Sem questões. Sem mas nem meio mas.
Não tuge nem muge. Aguenta.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Sting

Não se lembrava da última vez que tinha sido picado – se é que alguma vez tinha sido, talvez em miúdo, uma memória distante e difusa – mas sempre tivera um medo inexplicável de abelhas. Naquele dia, pouco tempo após ter sido picado, percebeu, enquanto o choque anafilático o sufocava, a razão: esse medo era uma reacção natural, era uma defesa do seu corpo.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Aspirar

«’(…) Colonel Cathcart wants to be a general and I want to be a colonel, and that’s why we have to send you home.’
‘Why does he want to be a general?’
‘Why? For the same reason that I want to be a colonel. What else have we got to do? Everyone teaches us to aspire to higher things. A general is higher than a colonel, and a colonel is higher than a lieutenant colonel. So we’re both aspiring.»

Catch-22, Joseph Heller

domingo, 6 de outubro de 2013

Ser muito bom a não dizer nada.

Calado, quedo e mudo. Mesmo quando a situação pede, grita por palavras, frases, qualquer coisa. Silêncio. Um vazio desconcertante. Incompreensível. Sério candidato às medalhas, caso ficar calado fosse um desporto olímpico.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Agridoce

Num documentário sobre filhos abusados pelos pais, um deles, agora adulto, fala do seu constante dilema: querer odiar quem o maltratou e não conseguir porque não se odeia uma mãe ou um pai. O mais perto que esteve foi, um dia, numa sessão de terapia, ao dar murros num sofá imaginando que era o pai quem agredia; não conseguiu o mesmo com a mãe. Uma outra revela que aprendeu a sentir raiva e ódio face aos seus pais. Diz: estou contente por poder estar triste.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Intérprete

Nicole Kidman: “What do you do when you can’t sleep”
Sean Penn: “I stay awake”

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

É possível que o Joseph Heller tenha criado a PAC

«His specialty was alfalfa, and he made a good thing out of not growing any. The government paid him well for every bushel of alfalfa he did no grow. The more alfalfa he did not grow, the more money the government gave him, and he spent every penny he didn’t earn on new land to increase the amount of alfalfa he did not procude. Major Major’s father worked without rest at not growing alfalfa. On long winter evenings he remained indoors and did not mend harness, and he sprang out of bed at the crack of noon every day just to make sure the chores would not be done. He invested in land wisely and soon was not growing more alfalfa than any other man in the country. Neighbors sought him out for advice on all subjects, for he had much money and was therefore wise. ‘As ye sow, so shall ye reap,’ he counseled one and all, and everyone said, ‘Amen.’»

Catch-22, Joseph Heller

terça-feira, 1 de outubro de 2013

O movimento e o som do comboio embalam-me.

Os olhos começam a pesar-me. Luto para chegar ao próximo sítio do livro onde posso parar. Marco a página, pouso o livro. Pego nos auscultadores, coloco nos ouvidos, fecho os olhos. Não sei quanto tempo terá passado quando, de repente, ouço uma voz. Autoritária, quase ameaçadora. Vem em crescendo e acaba por me fazer acordar do sono leve. À minha frente está o tipo que vinha na mesma divisória, a falar comigo. Tiro os auscultadores mas isso não me ajuda a entendê-lo: fala comigo em eslovaco. Digo-lhe
I can’t understand you
E ele muda para um inglês pobre e entrecortado. Diz-me qualquer coisa sobre dormir e o comboio parar e respondo qualquer outra coisa sem grande sentido – estará a dizer-me para não dormir?
No, you don’t undertand me.
(pois não, pois não...)
Repete a mesma lengalenga, desta vez acrescenta uns sons quando descreve o comboio a parar que fazem lembrar naves espaciais. E finalmente percebo e digo-lhe que sim, parámos numa estação enquanto ele dormiu, estava eu a ler o meu livro. Larga um suspiro raivoso, vira costas e faz um gesto brusco de quem vai dar um murro na porta mas aguenta o impulso ao último instante. Sai disparado. Volto pôr os auscultadores nos ouvidos. Ele regressa passados uns minutos, senta-se encolhido, a falar (praguejar?) sozinho. Subo o volume.