quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Orquestra de Jazz de Matosinhos faz alongamentos com Peter Evans

(Publicado originalmente aqui)

Entre os dois blocos de música do set que se ouviu no Grande Auditório da Culturgest – e não sem antes fazer um gesto convidativo a Peter Evans, rapidamente declinado –, o maestro Pedro Guedes pegou no microfone para dizer umas palavras. Para além das músicas que havíamos ouvido, da apresentação dos músicos em palco, falou um pouco da colaboração com o trompetista Peter Evans. Registei no meu bloco uma expressão que utilizou: disse que o processo de colaboração da Orquestra de Jazz de Matosinhos (OJM) com o trompetista americano tem sido um “teste à elasticidade”

Eu, que sempre tive pouca elasticidade e que sempre compensei esse falha com uma imaginação fértil, rapidamente poderia visualizar os 16 músicos que compõem esta orquestra de equipamento de ginástica a esticarem-se em várias direcções. Mas, claro, contive-me e foquei-me antes no sentido não literal da expressão que, de facto, foi apropriada.

O primeiro bloco de música é uma suite que engloba três temas de Evans – Passing through, Mantra e Passage – e o standard I want to talk about you (recomendo a versão da Ella Fitzgerald com o Joe Pass). Os temas de Evans são aquilo que já conhecemos do músico, presença assídua em território nacional: um jazz contemporâneo, experimental, que mistura estruturas e sonoridades de outros registos, e com espaços de improvisação livre.

De tudo um pouco acontece em palco. Da exploração de diferentes técnicas e sons dos instrumentos de sopro, à liberdade quase desconcertante da secção rítmica, até ao sintetizador que também acompanhou o pianista e que, em certos momentos, me evocou filmes de ficção científica.

Pelo meio, temos também momentos em que quase parece um desperdício ter uma orquestra à mão de semear e não a empregar. Logo na fase inicial, há um momento em que Evans fica completamente sozinho, um solo sem qualquer acompanhamento. Uma intervenção notável do nova-iorquino, que parece retirar todo o tipo de sons e mais alguns do trompete. Olho para os naipes de sopros da OJM e reparo que eles próprios estão a apreciar a performance de Evans, como se fossem espectadores com um lugar privilegiado.

Noutras alturas, é a própria orquestra que tem um contributo surpreendente. Por exemplo, aquando de um solo de bateria, o acompanhamento não é nada mais do que um conjunto de padrões rítmicos soprados pelos diferentes naipes, uma espécie de contraponto de ritmo apenas. Só mesmo na recta final do tema final se ouve um bocadito do swing que costuma estar associado a este tipo de formações. E soube bem, devo confessar.

Caso esta colaboração tenha sido encarada como um desafio auto-imposto pela formação nortenha, então é caso para dizer que a prova foi superada com sucesso. Outra coisa não seria de esperar, devo acrescentar. Ou não fosse esta uma big band (vig vand?) do norte, carago!

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Regularização

Farto do espartilho da correcção e rigor, passou a falar num modo que definiu como cavernáculo.

domingo, 25 de novembro de 2018

Straightforward

"Straight answer" é uma expressão homofóbica. Assim como straight hair e straight edge. Straight flush.

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Pode ainda não ter passaporte mas Avishai Cohen já tem salvo-conduto para o público português

(Publicado originalmente aqui)

O primeiro ponto a fazer será desfazer uma possível confusão: esta é a crónica de um concerto do trio do baixista – e não do trompetista – Avishai Cohen. Sim, porque há dois israelitas com o mesmo nome, que tocam jazz para ganhar a vida: para além do instrumento, separa-os a barba e alguns anos. E, ao contrário dos Cohen da sétima arte, não há, aparentemente, nenhum grau de parentesco entre eles.

Um convite de Chick Corea acabou por ser o impulso decisivo para a já profícua carreira de Avishai Cohen, com quem tocou durante alguns anos. Entre outros, o israelita já participou em projectos de Herbie Hancock, Roy Hargrove e Kurt Rosenwinkel. 1970 é o título do seu último álbum, lançado há pouco mais de ano e, também, a sua data de nascimento.

Mas quando se apagam as luzes da sala e se acendem as do palco, não é o trio deste contrabaixista israelita que vemos: é um jovem guitarrista que se senta lá à frente, entre duas guitarras acústicas, e um mar de pedais e cabos à sua frente. São três as músicas que Francisco Sales teve o direito de tocar, com um som muito cheio, carregado de delay. Pelo meio, apresenta-se rapidamente, fala um pouco sobre si, num discurso rosado ao estilo Miss Mundo, sobre como a sua música apela aos sonhos e como espera que os nossos sonhos beneficiem dela.

Francisco Sales sai de cena com um aceno e os roadies esvaziam o palco da parafernália de gadgets com uma rapidez assinalável. Quase não dá tempo para me ajustar na cadeira e já estão três figuras a entrar, a agradecer a recepção calorosa do público. A acompanhar Cohen, estão Itamar Doari na percussão e Elchin Shirinov no piano.

Este não é, de todo, um trio tradicional. Primeiro porque a música de Cohen, com influências do Médio-Oriente, da Europa de leste e afro-americana é, ela própria, um reflexo e atestado à multiculturalidade do baixista: israelita, com raízes espanholas, portuguesas, gregas e polacas, cuja família se mudou para St. Louis no início da sua adolescência.

Segundo, a dinâmica do trio é bastante particular, na medida em que o contrabaixo adquire um protagonismo que, normalmente, não lhe é atribuído. Em vários momentos, parece existir uma troca de papéis, com o piano agarrado a uma função mais estrutural associada à secção rítmica, enquanto os dedos de Cohen passeiam alegremente pelo braço do contrabaixo.

Ao final da segunda música, pega no microfone. Começa por nos dizer que, fruto das origens luso-espanholas da sua mãe, se encontra neste momento a tratar de obter um passaporte português. “I’m becoming one of you”, acrescenta para gáudio da audiência.

Pelo meio das notas e da música, vêem-se amiúde luzes dos ecrans e até do flash dos telemóveis. Por várias vezes, os funcionários do CCB tiveram de descer as escadas para pedir aos espectadores que não fotografem. Em alguns casos de fotógrafos sentados no meio das filas – e, por isso, mais difíceis de alcançar – viram-se forçados a fazer sinais de luzes com a lanterna, uma espécie de proibição em código Morse.

Nem uma hora de música depois e os três músicos terminam o set e deixam o palco. Soube a pouco e, lá está, pouco depois, Cohen regressa sozinho. Pelo meio dos aplausos efusivos, Avishai diz “Maybe I shouldn’t go to London tomorrow”, enquanto ajusta um tripé de microfone. Alguém da plateia grita “Sing us a song!” ao que ele responde “Of course”, uma resposta óbvia (estava a ajustar um tripé de microfone à sua altura...).

O que se segue é “somewhat blues”, como Cohen classifica o “Sometimes I feel like a motherless child” de Odetta. Tal como o original, de uma forma crua e intensa, com um tempo lento. A voz grave encaixa nas quintas ainda mais graves do contrabaixo, produzidas com o arco. Temos ainda direito a um segundo tema interpretado por Cohen a solo, cantado em espanhol. O concerto termina com o regresso do trio ao palco para mais dois temas.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

terça-feira, 20 de novembro de 2018

4 dimensões

E então Einstein suspirou profundamente e disse à mulher: acho que precisamos de dar um espaço-tempo.

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

sábado, 17 de novembro de 2018

Halb

Meia-estação é uma expressão altamente desprestigiante para a Primavera e o Outono. Como se fossem menos estação que o Inverno e o Verão.

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Tédio II

« What - in other words - would modern boredom be without terror? One of the most boring documents of all time is the thick volume of Hitler's Table Talk. He too had people watching movies, eating pastries, and drinking coffee with Schlag while he bored them, while he discoursed theorized expounded. Everyone was perishing of staleness and fear, afraid to go to the toilet. This combination of power and boredom has never been properly examined. Boredom is an instrument of social control. Power is the power to impose boredom, to command stasis, to combine this stasis with anguish. The real tedium, deep tedium, is seasoned with terror and with death.»

Humboldt's gift, Saul Bellow

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Tédio I

«Suppose then that you began with the proposition that boredom was a kind of pain caused by unused powers, the pain of wasted possibilities or talents, and was accompanied by expectation of the optimum utilization of capacities. (...) Nothing actual ever suits pure expectation and such purity of expectation is a great source of tedium. People rich in abilities, in sexual feeling, rich in mind and in invention - all the highly gifted see themselves shunted for decades onto dull sidings, banished exiled nailed up in chicken coops. Imagination has even tried to surmount the problems by forcing boredom itself to yield interest.»

Humboldt's gift, Saul Bellow

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Pré-nupcial

O processo de divórcio do Reino Unido da União Europeia sugere que a adesão deveria ser precedida de um acordo pré-nupcial.

terça-feira, 13 de novembro de 2018

Sobre o voo da Air Astana, cujo desenlace acabou por ser bastante feliz.

A certa altura, foi veiculada a hipótese de uma amaragem no Tejo como solução para a emergência. Um gritante contra-senso: por definição, é impossível amarar num rio.

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

domingo, 11 de novembro de 2018

Estrangeiro

«"I want you to feel as insulted as I feel, not stick me with the whole thing. Why don't you have any indignation, Charlie - Ah! You're not a real American. You're grateful. You're a foreigner. You have that Jewish immigrant kiss-the-ground-at-Ellis-Island gratitude. You're also a child of the Depression. You never thought you'd have a job, with an office, and a desk, and private drawers all for yourself. It's still so hilarious to you that you can't stop laughing. You're a Yiddisher mouse in these great Christian houses. At the same time, you're too snooty to look at anyone.»

Humboldt's gift, Saul Bellow