Onde os turistas se concentram para olhar de boca aberta para aquela que é considerada a passadeira mais movimentada do mundo. Máquinas fotográficas em tripés, estrategicamente colocadas de forma a conseguir captar, a baixas velocidades de obturação, a deslocação de uma mole de gente de cada vez que o sinal para os peões abre. Mais turistas que se juntam àquela mole e fazem filmes com os telefones como se estivessem no olho do furacão.
Este é um dos sítios onde se percepciona o outro lado. O lado em que os nipónicos dão asas à possível necessidade de extravasar uma vida contida e delimitada por regras, costumes e comportamentos agrilhoados. Como se se quisessem livrar de um espartilho, de um cinto que já não comporta o perímetro abdominal mais dilatado. E aqui as manifestações são variadas. Incluem métodos relativamente universais como a intoxicação alcoólica: a primeira vez que vejo pessoas bêbedas, adolescentes a rir descontroladamente, no chão, encaracolados no canto da entrada de um edifício em Tokyo.
Mas há tanto mais e algumas manifestações que serão mais características deste canto do mundo. Dentro de uma das inúmeras arcades, vários pisos amplos e escuros, repletos das mais variadas máquinas de jogos – dos clássicos Super Mario e Sega até aos jogos de combate, corridas de carros e cestos de basquete para tentar encestar o maior número de vezes – vemos hordas de locais a despejar moeda atrás de moeda dentro das ranhuras para ter acesso a mais algum tempo em frente aos monitores gritantes e botões coloridos. Sendo certo que as camadas mais jovens são o principal alvo deste tipo de estabelecimentos, não é de todo incomum ver extratos de maior idade. Engravatados, embora com o nó possivelmente alargado, a pasta de pele no chão de um dos lados, gesticulam avidamente à frente do aparelho. Descomprimem da intensidade da jornada de trabalho recorrendo a uma outra intensidade, exigida por aquele jogo, que mais parece uma aula de aeróbica. A mania dos jogos chega ao cúmulo de ser possível vestir-se de um qualquer personagem do Super Mario e conduzir karts pelas avenidas de Tokyo, pelo meio dos outros veículos. E isto sem falar dos inúmeros bonecos do Sangoku, Pikaxu e companhia que enfeitam algumas ruas.
O ambiente é totalmente distinto na loja de manga. Temos, é verdade, uma vez mais, pisos e pisos dedicados à mesma temática, neste caso forrados de prateleiras repletas de livros com lombadas coloridas, aqui e ali alguns posters alusivos nas paredes. Mas já este é um local mais solitário, não como os bandos que jogam entre e contra si nas máquinas dos árcades, ou cujos amigos observam as performances: aqui os utentes folheiam em silêncio, um pouco como se estivéssemos novamente nas carruagens do metro e os smartphones fossem substituídos por livros. E, nos pisos cimeiros, onde as publicações se debruçam em matérias mais sensíveis, tais como o erotismo, sente-se um certo desconforto quando o interesse de um leitor é exposto por presenças alheias, como se se tratasse de um interesse ilegítimo ou censurável.
O pináculo deste desconforto é, no entanto, reservado para as secções eróticas das grandes lojas onde se vende de tudo. Depois de passar o primeiro piso do supermercado, nos pisos onde se vendem de roupas a aparelhos domésticos, é comum existir uma zona, por vezes delimitada por um cortinado opaco que assinala a imposição ou advertência de uma idade mínima de 18 anos, onde se podem adquirir vibradores, roupas, mamas de borracha e vários outros produtos íntimos. Alguns cuja existência desconhecia em absoluto e que só após ter virado a caixa e ter olhado para instruções ou imagens ilustrativas consegui perceber, algo surpreendido, devo dizer, qual o propósito a que se destinam. E aqui, apesar da minha total ausência de julgamento, alguns autóctones sentem um verdadeiro embaraço perante presenças alheias naqueles espaços e chegam inclusivamente a desaparecer rapidamente sem virar as costas.
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