A única coisa que me disseram que precisava era do meu cartão de cidadão. Saí com ele na carteira naquela noite sabendo perfeitamente a finalidade para a qual iria precisar dele. O caminho até ao centro da cidade levou-nos por avenidas largas e compridas, pelo meio das obras, perto da Câmara Municipal. Daí até às ruas pedonais repletas de lojas, bares, restaurantes, é um pulinho. Locais e turistas preenchem as ruas, sentam-se nas esplanadas. Os locais com copos de café à frente – bebem pouco álcool mas têm o hábito do café –, os turistas é mais comum vê-los de caneca alta de cerveja à frente. Gatos pululam por todo o lado, muitos sentados à espera que caia algo da mesa de quem come.
Algures lá à frente, depois de passar pela animação da rua, vê-se um pré-fabricado, daqueles que normalmente associamos a escritórios em locais de obras. Branco. Uma bandeira. Chegamos e mostramos a nossa identificação ao oficial fardado à nossa frente. Olha para os cartões e faz-nos sinal com a mão para avançarmos. Poucos passos depois e estamos na no man’s land, um segmento (um quarteirão?), da mesma rua de há alguns passos atrás, completamente deserta, as lojas com as grades corridas em baixo, as portas e as janelas entaipadas. E, lá à frente, num pré-fabricado similar, um outro oficial fardado, com uma farda diferente, aguarda-nos. Mostramos novamente o cartão e obtemos autorização para entrar na República Turca do Norte do Chipre, de acordo com uma inscrição.
A rua continua a ser mesma mas agora as placas têm um nome em turco, escrito num fundo diferente. As lojas têm um aspecto diferente, assim como as pessoas. Os transeuntes são agora muito menos e praticamente não se vislumbram turistas, a maioria são locais e do sexo masculino. Locais que também se sentam nas esplanadas dos poucos cafés e falam uns com os outros. E que parecem ficar ao seguir-nos com os olhos enquanto passamos. Os gatos também marcam presença, passam ao nosso lado, atravessam à nossa frente enquanto vou olhando em todas as direcções. Ao fundo, à direita, ergue-se a mesquita, a partir da qual vêm os cânticos que se ouvem também do outro lado da cidade. Que é já ali ao lado.
Pouco depois resolvemos voltar: este local parece-me estranhamente inóspito, pouco convidativo. Talvez pela estranha diferença incutida por uma fronteira inesperada em algo que, de outra forma, não tem razão para ser diferente. Como se a nossa fronteira com Espanha fosse em plena Rua Augusta. Fazemos o percurso inverso de passar pelos pré-fabricados e pela zona deserta que os separa, que em tempos deveria ter tanta vida como qualquer parte da mesma rua. À chegada ao ponto de origem, olho para a placa que se ergue à beira da fronteira. Em cima, lê-se Nicósia escrito em grego; por debaixo, em inglês, francês e alemão, lê-se “a última capital dividida”.
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