(Publicado originalmente aqui)
Esta é a crónica de um concerto que já deveria ter sido. Esteve agendado para 17 de maio e foi cancelado, por motivos de saúde de Gary Burton, o vibrafonista americano que era suposto ter vindo actuar no CCB a convite do guitarrista portuense Sandro Norton. Tive algum receio de males maiores, devo confessar: afinal sempre são 73 os anos do americano. Mas, felizmente, tudo se resolveu e Burton subiu mesmo ao palco do Grande Auditório, com o quinteto de Sandro Norton, que é constituído por Luís Trigo no violino, harmónica e acordeão, João Salcedo no piano, Carlos Barretto no contrabaixo e Mário Barreiros na bateria.
Um primeiro ponto prévio: o vibrafone não é um instrumento que, nos meandros do jazz, receba muita atenção nos dias que correm, não é coisa que se veja por aí aos pontapés. E foi a ele que Gary Burton se dedicou de corpo e alma. O americano tornou-se um dos nomes incontornáveis do vibrafone na década de 60 ao explorar uma forma de tocar com as quatro baquetas quando, na altura, era comum tocar-se apenas com duas. A técnica é hoje relativamente difundida – há até quem toque com seis ou use ainda métodos menos convencionais – e permite uma abordagem parecida à do piano, com um cariz multi-linear. O curioso que o grande ponto de atracção do concerto (e sem qualquer desprimor apra os restantes músicos) é um vibrafonista, o que parece estar em nítido contraste com o que de dizer sobre o vibrafone.
Um segundo ponto prévio: Sandro Norton seguramente poderá sentir-se como um privilegiado – ele confessa-nos exactamente isso. É que é apenas o terceiro guitarrista a quem Burton dá a honra de se juntar e os restantes nomes dessa restrita lista são, nem mais nem menos, do que Pat Metheny e Ralph Towner. A colaboração mais profícua foi a que Burton manteve com o pianista Chick Corea, com quem tocou durante longos anos, uma parceria que projectou a formação de duo no jazz e que rendeu a módica quantia de seis (!!) prémios Grammy, o mais antigo em 1979 e o mais recente em 2013.
Mas foquemo-nos no concerto. O set que este quinteto adicionado de um convidado nos traz é baseado, em grande medida, no álbum de Norton, “Flying High… At the Heart of It”. Os temas como “The storm” ou “At the heart of it” são bastante melódicos e sem grandes dinâmicas, quase uma espécie de música contemplativa. O repertório de Burton também deu o seu contributo com, por exemplo, o tema “Remembering Tano”, uma homenagem a Astor Piazzolla. Pelo meio, um tema em que Norton, sozinho, faz um número de guitarra percussiva que arranca possivelmente a maior ovação da noite, batendo com as mãos no corpo da guitarra, pisando as cordas e fazendo slides, usando tappings e harmónicos.
E depois veio o mais inesperado no miolo do concerto. Sandro Norton diz ao público que tem um segundo convidado. É caso para dizer que afinal havia outro. Trata-se de alguém que ele considera responsável por ter posto muita gente a ouvir jazz, ao ter feito uma fusão desse estilo com música popular. Apesar dos esforços para não avançar o nome antes de terminar a explicação da razão do convite, um deslize ao mencionar o nome próprio Pedro leva o público a perceber de imediato que se trata de Pedro Abrunhosa. E o que se segue, como é fácil de adivinhar, são três temas de Abrunhosa: “Ilumina-me”, uma versão repleta de dinâmicas e kicks do “É preciso de ter calma” e, finalmente, o interlúdio terminou com o “Se eu fosse um dia o teu olhar”.
Por esta altura, era já bastante evidente que o set tinha um espectro bastante lato e alargado, uma espécie de tutti frutti de repertório para agradar a gregos e troianos. Após este parêntesis motivado pelo segundo convidado, o registo anterior foi retomado. Neste bloco final, saltou à vista (ou ao ouvido) a intro fabulosa de Burton num dos temas. A terminar, um encore que trouxe o único momento em que se ouviu swing a noite toda.
“Eu próprio estou muito emocionado, vocês nem sabem”, diz-nos Norton que, segundo os meus cálculos, apresentou os membros da banda trezentas e sessenta e uma vezes. Sabemos, Sandro, sabemos. O Natal veio mais cedo este ano, não foi?
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