«Se me perguntasses o que sinto teria dificuldade em responder. Fisicamente é uma espécie de lassidão, de desinteresse, de cansaço como antes da gripe ou outra doença qualquer, como antes da morte. As pernas doem-me, pesadas, a pele tornou-se mais atenta ao frio e ao calor, à dureza ou à rigidez das coisas. Não me apetece nada, acho-me desconfortável por estar quieto mas achar-me-ia mais desconfortável se me movesse. Não sei se falar me é penoso ou me aborrece. Fico assim sentado, a olhar em frente, sem desejos, sem vontades, oco. Nem sequer estou triste. Apenas passividade e indiferença. Os intestinos movem-se-me brandamente. Escuto sem prazer a minha respiração, as batidas do sangue nas orelhas. Sim, julgo que é isso: oco. Feito de gesso como as corças de enfeitar quintais.»
Crónicas, António Lobo Antunes
quinta-feira, 4 de agosto de 2016
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