quarta-feira, 31 de agosto de 2016
terça-feira, 30 de agosto de 2016
segunda-feira, 29 de agosto de 2016
Alguém que lhes explique, por favor.
Costumo ser interpelado com frequência na rua. As perguntas típicas: onde fica a rua ou um determinado local. Não me custa nada. A sério. Por vezes até saco do telemóvel quando não tenho certeza, ou quando me perguntam onde fica o número tal. Excepto quando vou a correr. Há qualquer coisa nos calções, nos ténis de corrida, nos auriculares nos ouvidos e, claro, na passada de corrida, que faz com que me queiram fazer perguntas que poderiam perfeitamente fazer a outra vítima em passo menos vigoroso. A semana passada, um tipo de sotaque espanhol, queria saber onde era a Avenida Praia da Vitória. Esta semana, o pedido foi mais original. Veio de uma senhora que quase me barrou o caminho, como se considerasse fazer-me uma placagem caso tentasse fugir dela (por exemplo, a correr). Desculpa (sim, logo por tu), sabes carregar o passe no multibanco? Felizmente nem tive que mentir. Desculpa (logo por tu), não faço a mínima ideia. Voltei a pôr o auricular no ouvido (Metallica!!) e segui (não alegremente, fiquei irritado).
domingo, 28 de agosto de 2016
quinta-feira, 25 de agosto de 2016
quarta-feira, 24 de agosto de 2016
terça-feira, 23 de agosto de 2016
segunda-feira, 22 de agosto de 2016
Fast forward
A box de TV que permite recuar e ver ume emissão passada é, sem dúvida, uma invenção simpática. Mas só vou ficar verdadeiramente rendido quando inventarem uma que dê para avançar.
domingo, 21 de agosto de 2016
Os dois juntos a desprezar tudo o resto.
Eu e tu contra o mundo. Nem é tanto contra, é mais parecido com colocar uma barreira entre nós e eles. Numa bolha, numa redoma ou campo magnético. Uma espécie de misantropia partilhada a dois. Nos primeiros tempos porque depois, a pouco e pouco, inevitavelmente, o círculo diminui de dimensão e, de repente, tu não estás no meu e eu não estou no teu, e o mesmo tratamento aplicado aos de fora passa a ser teu e meu. Quando damos por isso já é tarde, não dá para voltar atrás. Mas o mais curioso é que, de certa forma, não nos separou. Pelo contrário: continuámos unidos a desprezar tudo o resto, embora estivéssemos, pela mão do outro, ambos incluídos.
sábado, 20 de agosto de 2016
quinta-feira, 18 de agosto de 2016
quarta-feira, 17 de agosto de 2016
O Julho mais quente de sempre
terça-feira, 16 de agosto de 2016
Meu querido Jazz em Agosto, por ti levo o ano inteiro a sonhar.
(Publicado originalmente aqui)
A 33ª edição do Jazz em Agosto coincidiu com o 60º aniversário da Fundação Calouste Gulbenkian e trouxe uma enchente de música ao verão lisboeta, durante semana e meia. Um total de 14 concertos, mais um conjunto de outros eventos, desde projecções de filmes e da conversa “Sharpen Your Needles” com David Toop e Evan Parker, até ao lançamento do livro “The Sound of the North – Norway and the European Jazz Scene”, com a presença do autor, Luca Vitali.
O festival, como sempre, traz-me o que de mais arrojado e desafiante se faz no jazz actual, com músicos e formações de vanguarda dos dois lados do atlântico. Aqui ficam algumas impressões, à vol d’oiseau, da muita música que passou pelos concertos da sessão nocturna no anfiteatro ao ar livre. Por conveniência – e também para evitar o cliché cronológico –, agrupados pela dimensão das formações, das menores para as maiores. Mas sem nenhuma hierarquia implícita – até porque, segundo consta, o tamanho não importa. De fora vão ficar dois concertos a que não assisti: o primeiro, de Marc Ribot e os The Young Philadelphians (e do qual ouvi dizer muito bem) e a dupla de tubas e baterias, que contou com a representação nacional de Sérgio Carolino e Alexandre Frazão.
Trio
Comecemos pelos trios, mais precisamente pelo primeiro trio que actuou sábado dia 6, de seu nome Pulverize the Sound, e que são um excelente exemplo da irreverência e do carácter quase desafiante da música do Jazz em Agosto. Trompetista, baixista e baterista – os dois últimos sobem ao palco acompanhados de uma garrafa de Super Bock meia bebida (ou, para os mais optimistas, meia por beber).
O arranque do primeiro tema espelhou os 50 minutos de música seguintes. É uma autêntica entrada a pés juntos, com o baixo a fazer uma linha cromática ascendente, numa cadência que vai acelerando ao longo do tempo; o trompetista solta frases curtas e estridentes, por vezes só o ar a passar pelo instrumento em sons guturais; o baterista a massacrar velozmente o prato de choque.
Este é um power trio sem instrumento harmónico, função que é, por vezes, parcialmente assumida pelo baixista Tim Dahl, tocando várias notas em simultâneo (já agora, e para tirar esta piada duvidosa da frente de imediato: é caso para dizer que o Tim Dahl forte no baixo), embora outras tantas vezes acompanhe o tema com o trompetista Peter Evans. É uma música crua, quase visceral, que recorre amiúde a efeitos, loops e distorção. Os músicos testam os limites físicos dos respectivos instrumentos, em particular o trompete.
Estamos apenas uns dias mais à frente no festival – na quinta-feira dia 11, mas, de repente, saltamos para algo completamente diferente. Continuamos no trio – mais, no power trio – mas agora ganhamos uma guitarra eléctrica por troca com o trompete. E ganhamos outra coisa muito importante que, pensando bem, até pode fazer deste trio um quarteto virtual: é a primeira vez que temos um (neste caso uma) vocalista declarado(a) em palco. É certo que houve outros casos em que a voz foi utilizada pontualmente, mas não ao ponto de ser possível dizer que se esteve na presença de um vocalista.
Ava Mendoza – de Doc Martens e calças pretas – canta para um microfone que lhe reverbera a voz, de uma forma que parece envolver-nos. Tim Dahl – sim, o mesmo de há bocado – surge das escadas que dão acesso dos bastidores ao palco com uma Super Bock – a mesma de há bocado? – na mão (já vos disse que o Tim Dahl forte no baixo?).
Ava tem uma forma peculiar de tocar e abordar a guitarra. Aqui, ouve-se algo mais perto de rock (power chords, bends, tappings de sonoridade curiosa com cordas soltas pelo meio); ali, de repente estão licks e riffs e linhas com sonoridade de blues (a sua mais importante raiz?). Pelo meio, um fraseado com um travo mais jazzístico. Tudo isto com uma distorção bastante saturada. Se a isso somarmos a irreverência de Dahl (pronto, sem piada desta vez), é possível que tenhamos descoberto a génese do nome desta formação: “Unnatural ways”.
Um exemplo disso é o último tema do alinhamento, que recorre a uma sonoridade de escala harmónica, e que termina com um feedback grave simultâneo da guitarra e do baixo, que é mantido em loop quando os músicos saem de palco. Pouco depois, Ava regressa para um encore a solo. A primeira coisa que faz é desligar o loop do baixo. A segunda é começar a tocar ainda com o loop de guitarra a preencher o som.
Quarteto
Recuemos agora até terça-feira, dia 9, noite de um quarteto, Petite Moutarde, de origem francesa, mas um quarteto que não é bem um quarteto. Passo a explicar. No palco estiverem, de facto, quatro pessoas. No entanto, o espectáculo contou ainda com mais duas colaborações extra palco, que, embora não toquem uma nota que se veja (ou ouça), têm uma influência determinante: são responsáveis por exibir excertos de filmes surrealistas e dadaístas – o violista Théo Ceccaldi lembrou rapidamente, no final do concerto, que se comemora este ano o centésimo aniversário do movimento “dada” – de Man Ray, Marcel Duchamp e René Clair.
Há também outros efeitos visuais. Pequenas luzes, lâmpadas penduradas do tecto que se acendem sobre os músicos em determinados momentos. Um balão por cima do baterista: primeiro serviu para projectar imagens de um filme, revezando a tela enorme no fundo do palco que se encheu com as sombras movediças dos músicos; depois, foi uma espécie de piñata, sem recheio, rebentada, à terceira tentativa, pela baqueta do baterista.
É assim que acompanhamos a corrida de um conjunto de pessoas ou o percurso de uma montanha-russa, com a música a adensar e a acentuar os momentos de tensão e acalmia. A interacção entre o violino e o saxofone é particularmente interessante, com ambos os músicos, a espaços, a criarem uma espécie de acompanhamento harmónico: o violinista recorrendo a duas cordas em simultâneo e a saxofonista a dois saxofones soprano ao mesmo tempo.
Uma simbiose muito interessante entre a música e as imagens, uma espécie de sinestesia, talvez a forma mais literal de, como se costuma dizer, música para ser “ouvista”. Recorrendo a uma espécie de sinestesia, fica algo entre um som gráfico ou uma imagem musical
Uma rápida menção ao quarteto Tetterapadequ, que tocou na segunda-feira dia 8. Esta foi talvez a formação mais standard de todo o festival, um típico quarteto de jazz com pianista e saxofonista, com a representação portuguesa de Gonçalo Almeida no contrabaixo e João Lobo na bateria.
Quinteto
Recuemos novamente no tempo, desta vez até sábado dia 6, vez dos Snakeoil de Tim Berne. Trata-se de um quinteto recente, que assim ficou com a chegada do guitarrista Ryan Ferreira. Segundo consta, oriundo do metal, a sua elegante guitarra Parker acaba por ter neste quinteto um papel relativamente discreto.
Por várias vezes os solos não foram propriamente solos. Isto porque arrancaram a dois – os dois sopros, o pianista com o baterista, o clarinetista acompanhado pelo guitarrista, diferentes combinações de instrumentistas –, ou seja, foram uma espécie de bi-solo ou solo tandem. E, à medida que a intensidade ia aumentando, a dinâmica era alterada com outro instrumentista a juntar-se (num tri-solo?), até a banda toda entrar em força máxima (penta-solo?).
Talvez esteja aqui a razão de ser da banha da cobra, que estica e não dobra: na flexibilidade, na plasticidade destes Snakeoil, como que criam diferentes formações de menor dimensão a partir dos mesmos músicas – começando no duo, passando pelo trio e daí até ao quinteto – explorando diferentes combinações ao longo do mesmo tema e ao longo do concerto.
Um segundo quinteto esteve em acção na sexta-feira dia 12, os Z-Country Paradise. À cabeça, uma semelhança com os Unnatural ways de Ava Mendoza: a voz de Jelena Kuljic, quente e cheia. Mas usada de forma diferente por Jelena. Em grande parte da actuação, não é propriamente cantar, é mais uma espécie de dizer as letras das músicas, quase ao jeito do rap. E, por vezes, é declamativo, como no tema em que o baixista se junta ao microfone e, juntos, com um controle das acentuações e inflexões da voz notável, vão dizendo as palavras inglesas e francesas.
A certa altura, vieram-me à cabeça bandas como os Rage Against the Machine (!!), após a junção os seguintes elementos: (i) uma música repleta de acentuações rítmicas e kicks fortes; (ii) uma quase agressividade de Jelena – “I hate you” gritado repetidamente a acabar um tema –; (iii) um gosto funky, com wah na guitarra, por vezes tocada com slide; (iv) um ritmo estilo trash metal com a bateria a debitar tu-tu-pá-tu-tu-pá muito rápido.
Pouco dada a convenções no que toca a apresentar a banda e referir o nomes dos temas, Jelena avisa-nos logo que o próximo tema é o encore (que se chama “what the most successful people do before breakfast”), escusamos de ficar à espera e fazer aquela coisa de bater as palmas para eles voltarem. “Danke schon, I mean thank you”, engana-se e corrige de imediato Jelena, a certa altura. “Gerne, you’re welcome”.
Sexteto
A capa do CD, que comprei à saída, é preta, com uma série de símbolos matemáticos a branco, organizados simetricamente. Em letras maiúsculas douradas, arqueadas, lê-se Thomas de Pourquery e, por debaixo, na horizontal, Supersonic. Mais abaixo ainda, nas mesmas letras maiúsculas mas brancas, “PLAY SUN RA”.
Chegámos ao concerto de sábado dia 13, um sexteto de franceses liderado por Pourquery, um personagem de uma excentricidade curiosa e divertida. Distribui vários “thank you” em diferentes registos, ora mais agudos, ora mais graves. Diz-nos que este é “the hottest day of our lives” (segundo o IPMA, qualquer coisa como 37 graus de máxima e 23 de mínima, se não me falha a memória). Revela-nos uma citação que atribui a Sun Ra: “Humanity is on the right road, but going in the wrong direction”. Pergunta-nos se é possível parar com os aviões que fazem barulho enquanto fala ao microfone entre músicas.
Não são precisas muitas palavras para descrever a hora de meia de música. Foi excelente. Partilho um momento que colocaria na prateleira de “ridículo” que, cá em casa, está um degrau acima da de fantástico. No miolo do concerto, meia banda abandona o palco, fica Pourquery sozinho com a secção rítmica. O que se segue é uma desbunda brilhante do saxofonista, aquilo que em termos técnicos se designa por “partir-a-louça-toda”. O solo termina em intensidade máxima, e lentamente, sem interrupções, faz o seu caminho e converge para o tema seguinte, com os restantes músicos, entretanto, já confortavelmente instalados aos comandos dos respectivos instrumentos. Um segundo momento da categoria “ridículo” foi um solo saído do saxofone tenor no último tema do set.
Não é só a qualidade da música – tanto individual como colectiva. É também a forma como o espectáculo está montado. Há uma enorme atenção aos pormenores, nenhum detalhe é deixado ao acaso. Esta mise en scène tem, claro, o condão de potenciar o impacto que a música tem no público (e, também claro, torna ouvir o CD num exercício que sabe a pouco).
E notou-se no final. O primeiro encore foi iniciado pelo Korg, de cujas teclas saíram as primeiras notas do concerto. Sozinho no palco, os restantes juntaram-se a certa altura, num tema em que a secção rítmica esteve em destaque, com solo de baixo e bateria. E, quando parecia que estava arrumado, a ovação do público foi tão grande que conseguiu arrancar o tema “Enlightment”, com um excelente final em que os músicos vão largando os instrumentos progressivamente e juntando-se ao trio que canta até ficar só (adivinharam) o Korg a terminar o fade out, juntamente com o “thank you” de Pourquery. Tudo feito com uma fluidez brilhante. Numa palavra: supersónico.
(nota-se muito que foi o meu concerto preferido?)
Formações “mais-do-que-as-mães”
Domingo 7 de Agosto. Eve Risser explica-nos – meio em inglês, meio em francês, um inglês com sotaque meio francês – que a natureza – do quartzo às fumarolas da Islândia –, e as emoções que desperta, são a inspiração para as suas composições para esta White Desert Orchestra.
As composições são enriquecidas explorando as características e as particularidades dos metais – trompete, trombone, saxofones e clarinete – da palheta do fagote e da flauta. Estes dois últimos têm um destaque interessante. Aliás, o primeiro solo da noite saiu do fagote, um instrumento pouco associado a estas lides, assim como a flauta, que se seguiu pouco depois.
A influência da música clássica emana sobretudo do teclado do piano. Mas há muito mais para além disso. Por exemplo, no tema Tent Rocks sente-se o funk no balanço da baixista, que toca com slide no dedo e com imenso groove. Neste tema, o saxofonista Benjamin Dousteyssier faz um solo de mandar a casa abaixo. Noutro, o fagote faz, do princípio ao fim, uma nota contínua, uma espécie de pedal, acompanhado pela guitarra – que tem um papel mais agarrado à secção rítmica – que solta acordes com cordas abertas.
Finalmente, o último dia do festival, domingo 14 de Agosto. A Large Unit de Paul Nilssen-Love. Ou, nas palavras do próprio, “extra large unit”. E tem toda a razão, visto que se trata da módica quantia de 14 músicos. A secção rítmica é a dobrar: dois bateristas, dois baixistas e dois percussionistas. Já lá vão seis, outros tantos quanto o naipe de metais. A finalizar, guitarra eléctrica e electrónica.
Com esta mega formação, os recursos que Nilssen-Love tem à disposição são bastante vastos. Um exemplo interessante das possibilidades de ter tanta gente ao dispor é o do tema Culius em que, a páginas tantas, a (mega-)banda parece separar-se em duas sub-bandas, de dimensão mais convencional. Os solistas, trompete e saxofone, um de cada lado da barricada, vão dando a entrada e a respectiva secção rítmica acompanha, enquanto a outra abranda e pára por momentos.
É uma lógica de pergunta e resposta, normalmente empregue entre dois solistas que partilham irmãmente a mesma secção rítmica, mas que, neste caso, é extensível literalmente a duas bandas. É claro que a gestão deste processo é tudo menos fácil, sobretudo quanto há tanta gente envolvida. Sobretudo atesta à robustez da formação, que consegue gerir autonomamente estes momentos de improvisação descentralizada de forma fluída e convincente.
Resumindo, concluindo e baralhando
Como concluir, como resumir esta enchente de música, este waterboarding de notas e ritmos que é o Jazz em Agosto? Resolvi pedir emprestada a citação que Thomas de Pourquery, por sua vez, pediu emprestada a Sun Ra: é caso para dizer que, contrariamente à Humanidade, o Jazz em Agosto está não só na estrada correcta como também na direcção. No final desta 33ª edição do Jazz em Agosto, resta parafrasear os adeptos benfiquistas há duas épocas atrás: “dá-me o 34!”.
A 33ª edição do Jazz em Agosto coincidiu com o 60º aniversário da Fundação Calouste Gulbenkian e trouxe uma enchente de música ao verão lisboeta, durante semana e meia. Um total de 14 concertos, mais um conjunto de outros eventos, desde projecções de filmes e da conversa “Sharpen Your Needles” com David Toop e Evan Parker, até ao lançamento do livro “The Sound of the North – Norway and the European Jazz Scene”, com a presença do autor, Luca Vitali.
O festival, como sempre, traz-me o que de mais arrojado e desafiante se faz no jazz actual, com músicos e formações de vanguarda dos dois lados do atlântico. Aqui ficam algumas impressões, à vol d’oiseau, da muita música que passou pelos concertos da sessão nocturna no anfiteatro ao ar livre. Por conveniência – e também para evitar o cliché cronológico –, agrupados pela dimensão das formações, das menores para as maiores. Mas sem nenhuma hierarquia implícita – até porque, segundo consta, o tamanho não importa. De fora vão ficar dois concertos a que não assisti: o primeiro, de Marc Ribot e os The Young Philadelphians (e do qual ouvi dizer muito bem) e a dupla de tubas e baterias, que contou com a representação nacional de Sérgio Carolino e Alexandre Frazão.
Trio
Comecemos pelos trios, mais precisamente pelo primeiro trio que actuou sábado dia 6, de seu nome Pulverize the Sound, e que são um excelente exemplo da irreverência e do carácter quase desafiante da música do Jazz em Agosto. Trompetista, baixista e baterista – os dois últimos sobem ao palco acompanhados de uma garrafa de Super Bock meia bebida (ou, para os mais optimistas, meia por beber).
O arranque do primeiro tema espelhou os 50 minutos de música seguintes. É uma autêntica entrada a pés juntos, com o baixo a fazer uma linha cromática ascendente, numa cadência que vai acelerando ao longo do tempo; o trompetista solta frases curtas e estridentes, por vezes só o ar a passar pelo instrumento em sons guturais; o baterista a massacrar velozmente o prato de choque.
Este é um power trio sem instrumento harmónico, função que é, por vezes, parcialmente assumida pelo baixista Tim Dahl, tocando várias notas em simultâneo (já agora, e para tirar esta piada duvidosa da frente de imediato: é caso para dizer que o Tim Dahl forte no baixo), embora outras tantas vezes acompanhe o tema com o trompetista Peter Evans. É uma música crua, quase visceral, que recorre amiúde a efeitos, loops e distorção. Os músicos testam os limites físicos dos respectivos instrumentos, em particular o trompete.
Estamos apenas uns dias mais à frente no festival – na quinta-feira dia 11, mas, de repente, saltamos para algo completamente diferente. Continuamos no trio – mais, no power trio – mas agora ganhamos uma guitarra eléctrica por troca com o trompete. E ganhamos outra coisa muito importante que, pensando bem, até pode fazer deste trio um quarteto virtual: é a primeira vez que temos um (neste caso uma) vocalista declarado(a) em palco. É certo que houve outros casos em que a voz foi utilizada pontualmente, mas não ao ponto de ser possível dizer que se esteve na presença de um vocalista.
Ava Mendoza – de Doc Martens e calças pretas – canta para um microfone que lhe reverbera a voz, de uma forma que parece envolver-nos. Tim Dahl – sim, o mesmo de há bocado – surge das escadas que dão acesso dos bastidores ao palco com uma Super Bock – a mesma de há bocado? – na mão (já vos disse que o Tim Dahl forte no baixo?).
Ava tem uma forma peculiar de tocar e abordar a guitarra. Aqui, ouve-se algo mais perto de rock (power chords, bends, tappings de sonoridade curiosa com cordas soltas pelo meio); ali, de repente estão licks e riffs e linhas com sonoridade de blues (a sua mais importante raiz?). Pelo meio, um fraseado com um travo mais jazzístico. Tudo isto com uma distorção bastante saturada. Se a isso somarmos a irreverência de Dahl (pronto, sem piada desta vez), é possível que tenhamos descoberto a génese do nome desta formação: “Unnatural ways”.
Um exemplo disso é o último tema do alinhamento, que recorre a uma sonoridade de escala harmónica, e que termina com um feedback grave simultâneo da guitarra e do baixo, que é mantido em loop quando os músicos saem de palco. Pouco depois, Ava regressa para um encore a solo. A primeira coisa que faz é desligar o loop do baixo. A segunda é começar a tocar ainda com o loop de guitarra a preencher o som.
Quarteto
Recuemos agora até terça-feira, dia 9, noite de um quarteto, Petite Moutarde, de origem francesa, mas um quarteto que não é bem um quarteto. Passo a explicar. No palco estiverem, de facto, quatro pessoas. No entanto, o espectáculo contou ainda com mais duas colaborações extra palco, que, embora não toquem uma nota que se veja (ou ouça), têm uma influência determinante: são responsáveis por exibir excertos de filmes surrealistas e dadaístas – o violista Théo Ceccaldi lembrou rapidamente, no final do concerto, que se comemora este ano o centésimo aniversário do movimento “dada” – de Man Ray, Marcel Duchamp e René Clair.
Há também outros efeitos visuais. Pequenas luzes, lâmpadas penduradas do tecto que se acendem sobre os músicos em determinados momentos. Um balão por cima do baterista: primeiro serviu para projectar imagens de um filme, revezando a tela enorme no fundo do palco que se encheu com as sombras movediças dos músicos; depois, foi uma espécie de piñata, sem recheio, rebentada, à terceira tentativa, pela baqueta do baterista.
É assim que acompanhamos a corrida de um conjunto de pessoas ou o percurso de uma montanha-russa, com a música a adensar e a acentuar os momentos de tensão e acalmia. A interacção entre o violino e o saxofone é particularmente interessante, com ambos os músicos, a espaços, a criarem uma espécie de acompanhamento harmónico: o violinista recorrendo a duas cordas em simultâneo e a saxofonista a dois saxofones soprano ao mesmo tempo.
Uma simbiose muito interessante entre a música e as imagens, uma espécie de sinestesia, talvez a forma mais literal de, como se costuma dizer, música para ser “ouvista”. Recorrendo a uma espécie de sinestesia, fica algo entre um som gráfico ou uma imagem musical
Uma rápida menção ao quarteto Tetterapadequ, que tocou na segunda-feira dia 8. Esta foi talvez a formação mais standard de todo o festival, um típico quarteto de jazz com pianista e saxofonista, com a representação portuguesa de Gonçalo Almeida no contrabaixo e João Lobo na bateria.
Quinteto
Recuemos novamente no tempo, desta vez até sábado dia 6, vez dos Snakeoil de Tim Berne. Trata-se de um quinteto recente, que assim ficou com a chegada do guitarrista Ryan Ferreira. Segundo consta, oriundo do metal, a sua elegante guitarra Parker acaba por ter neste quinteto um papel relativamente discreto.
Por várias vezes os solos não foram propriamente solos. Isto porque arrancaram a dois – os dois sopros, o pianista com o baterista, o clarinetista acompanhado pelo guitarrista, diferentes combinações de instrumentistas –, ou seja, foram uma espécie de bi-solo ou solo tandem. E, à medida que a intensidade ia aumentando, a dinâmica era alterada com outro instrumentista a juntar-se (num tri-solo?), até a banda toda entrar em força máxima (penta-solo?).
Talvez esteja aqui a razão de ser da banha da cobra, que estica e não dobra: na flexibilidade, na plasticidade destes Snakeoil, como que criam diferentes formações de menor dimensão a partir dos mesmos músicas – começando no duo, passando pelo trio e daí até ao quinteto – explorando diferentes combinações ao longo do mesmo tema e ao longo do concerto.
Um segundo quinteto esteve em acção na sexta-feira dia 12, os Z-Country Paradise. À cabeça, uma semelhança com os Unnatural ways de Ava Mendoza: a voz de Jelena Kuljic, quente e cheia. Mas usada de forma diferente por Jelena. Em grande parte da actuação, não é propriamente cantar, é mais uma espécie de dizer as letras das músicas, quase ao jeito do rap. E, por vezes, é declamativo, como no tema em que o baixista se junta ao microfone e, juntos, com um controle das acentuações e inflexões da voz notável, vão dizendo as palavras inglesas e francesas.
A certa altura, vieram-me à cabeça bandas como os Rage Against the Machine (!!), após a junção os seguintes elementos: (i) uma música repleta de acentuações rítmicas e kicks fortes; (ii) uma quase agressividade de Jelena – “I hate you” gritado repetidamente a acabar um tema –; (iii) um gosto funky, com wah na guitarra, por vezes tocada com slide; (iv) um ritmo estilo trash metal com a bateria a debitar tu-tu-pá-tu-tu-pá muito rápido.
Pouco dada a convenções no que toca a apresentar a banda e referir o nomes dos temas, Jelena avisa-nos logo que o próximo tema é o encore (que se chama “what the most successful people do before breakfast”), escusamos de ficar à espera e fazer aquela coisa de bater as palmas para eles voltarem. “Danke schon, I mean thank you”, engana-se e corrige de imediato Jelena, a certa altura. “Gerne, you’re welcome”.
Sexteto
A capa do CD, que comprei à saída, é preta, com uma série de símbolos matemáticos a branco, organizados simetricamente. Em letras maiúsculas douradas, arqueadas, lê-se Thomas de Pourquery e, por debaixo, na horizontal, Supersonic. Mais abaixo ainda, nas mesmas letras maiúsculas mas brancas, “PLAY SUN RA”.
Chegámos ao concerto de sábado dia 13, um sexteto de franceses liderado por Pourquery, um personagem de uma excentricidade curiosa e divertida. Distribui vários “thank you” em diferentes registos, ora mais agudos, ora mais graves. Diz-nos que este é “the hottest day of our lives” (segundo o IPMA, qualquer coisa como 37 graus de máxima e 23 de mínima, se não me falha a memória). Revela-nos uma citação que atribui a Sun Ra: “Humanity is on the right road, but going in the wrong direction”. Pergunta-nos se é possível parar com os aviões que fazem barulho enquanto fala ao microfone entre músicas.
Não são precisas muitas palavras para descrever a hora de meia de música. Foi excelente. Partilho um momento que colocaria na prateleira de “ridículo” que, cá em casa, está um degrau acima da de fantástico. No miolo do concerto, meia banda abandona o palco, fica Pourquery sozinho com a secção rítmica. O que se segue é uma desbunda brilhante do saxofonista, aquilo que em termos técnicos se designa por “partir-a-louça-toda”. O solo termina em intensidade máxima, e lentamente, sem interrupções, faz o seu caminho e converge para o tema seguinte, com os restantes músicos, entretanto, já confortavelmente instalados aos comandos dos respectivos instrumentos. Um segundo momento da categoria “ridículo” foi um solo saído do saxofone tenor no último tema do set.
Não é só a qualidade da música – tanto individual como colectiva. É também a forma como o espectáculo está montado. Há uma enorme atenção aos pormenores, nenhum detalhe é deixado ao acaso. Esta mise en scène tem, claro, o condão de potenciar o impacto que a música tem no público (e, também claro, torna ouvir o CD num exercício que sabe a pouco).
E notou-se no final. O primeiro encore foi iniciado pelo Korg, de cujas teclas saíram as primeiras notas do concerto. Sozinho no palco, os restantes juntaram-se a certa altura, num tema em que a secção rítmica esteve em destaque, com solo de baixo e bateria. E, quando parecia que estava arrumado, a ovação do público foi tão grande que conseguiu arrancar o tema “Enlightment”, com um excelente final em que os músicos vão largando os instrumentos progressivamente e juntando-se ao trio que canta até ficar só (adivinharam) o Korg a terminar o fade out, juntamente com o “thank you” de Pourquery. Tudo feito com uma fluidez brilhante. Numa palavra: supersónico.
(nota-se muito que foi o meu concerto preferido?)
Formações “mais-do-que-as-mães”
Domingo 7 de Agosto. Eve Risser explica-nos – meio em inglês, meio em francês, um inglês com sotaque meio francês – que a natureza – do quartzo às fumarolas da Islândia –, e as emoções que desperta, são a inspiração para as suas composições para esta White Desert Orchestra.
As composições são enriquecidas explorando as características e as particularidades dos metais – trompete, trombone, saxofones e clarinete – da palheta do fagote e da flauta. Estes dois últimos têm um destaque interessante. Aliás, o primeiro solo da noite saiu do fagote, um instrumento pouco associado a estas lides, assim como a flauta, que se seguiu pouco depois.
A influência da música clássica emana sobretudo do teclado do piano. Mas há muito mais para além disso. Por exemplo, no tema Tent Rocks sente-se o funk no balanço da baixista, que toca com slide no dedo e com imenso groove. Neste tema, o saxofonista Benjamin Dousteyssier faz um solo de mandar a casa abaixo. Noutro, o fagote faz, do princípio ao fim, uma nota contínua, uma espécie de pedal, acompanhado pela guitarra – que tem um papel mais agarrado à secção rítmica – que solta acordes com cordas abertas.
Finalmente, o último dia do festival, domingo 14 de Agosto. A Large Unit de Paul Nilssen-Love. Ou, nas palavras do próprio, “extra large unit”. E tem toda a razão, visto que se trata da módica quantia de 14 músicos. A secção rítmica é a dobrar: dois bateristas, dois baixistas e dois percussionistas. Já lá vão seis, outros tantos quanto o naipe de metais. A finalizar, guitarra eléctrica e electrónica.
Com esta mega formação, os recursos que Nilssen-Love tem à disposição são bastante vastos. Um exemplo interessante das possibilidades de ter tanta gente ao dispor é o do tema Culius em que, a páginas tantas, a (mega-)banda parece separar-se em duas sub-bandas, de dimensão mais convencional. Os solistas, trompete e saxofone, um de cada lado da barricada, vão dando a entrada e a respectiva secção rítmica acompanha, enquanto a outra abranda e pára por momentos.
É uma lógica de pergunta e resposta, normalmente empregue entre dois solistas que partilham irmãmente a mesma secção rítmica, mas que, neste caso, é extensível literalmente a duas bandas. É claro que a gestão deste processo é tudo menos fácil, sobretudo quanto há tanta gente envolvida. Sobretudo atesta à robustez da formação, que consegue gerir autonomamente estes momentos de improvisação descentralizada de forma fluída e convincente.
Resumindo, concluindo e baralhando
Como concluir, como resumir esta enchente de música, este waterboarding de notas e ritmos que é o Jazz em Agosto? Resolvi pedir emprestada a citação que Thomas de Pourquery, por sua vez, pediu emprestada a Sun Ra: é caso para dizer que, contrariamente à Humanidade, o Jazz em Agosto está não só na estrada correcta como também na direcção. No final desta 33ª edição do Jazz em Agosto, resta parafrasear os adeptos benfiquistas há duas épocas atrás: “dá-me o 34!”.
segunda-feira, 15 de agosto de 2016
sábado, 13 de agosto de 2016
sexta-feira, 12 de agosto de 2016
quinta-feira, 11 de agosto de 2016
Perder peso
O médico disse-lhe que estavam reunidas as condições para invocar um autêntico casus belly e declarar guerra ao perímetro abdominal.
quarta-feira, 10 de agosto de 2016
segunda-feira, 8 de agosto de 2016
Circulação
De tão feia que era, a policia punha-a à beira de troços de estrada congestionados para fazer andar o trânsito.
domingo, 7 de agosto de 2016
sexta-feira, 5 de agosto de 2016
quinta-feira, 4 de agosto de 2016
«Se me perguntasses o que sinto teria dificuldade em responder. Fisicamente é uma espécie de lassidão, de desinteresse, de cansaço como antes da gripe ou outra doença qualquer, como antes da morte. As pernas doem-me, pesadas, a pele tornou-se mais atenta ao frio e ao calor, à dureza ou à rigidez das coisas. Não me apetece nada, acho-me desconfortável por estar quieto mas achar-me-ia mais desconfortável se me movesse. Não sei se falar me é penoso ou me aborrece. Fico assim sentado, a olhar em frente, sem desejos, sem vontades, oco. Nem sequer estou triste. Apenas passividade e indiferença. Os intestinos movem-se-me brandamente. Escuto sem prazer a minha respiração, as batidas do sangue nas orelhas. Sim, julgo que é isso: oco. Feito de gesso como as corças de enfeitar quintais.»
Crónicas, António Lobo Antunes
Crónicas, António Lobo Antunes
quarta-feira, 3 de agosto de 2016
A boca está sempre aberta, escancarada, como se lutasse para respirar.
Deixa entrever uma grande ausência de dentes, os que sobram semeados aqui e ali, um pouco ao acaso. O casaco sujo, as calças rotas, um aspecto andrajoso. Caminha lentamente, quase titubeante - às vezes tem um cigarro, e então parece que caminha por entre o nevoeiro do fumo. E nunca fala. A poucos metros de se cruzar com alguém, estende a mão direita, de palma virada para cima, na sua direcção. Fala com a mão. E a cara: uma expressão gasta de olhos suplicantes, um esgar acentuado por uma ligeira inclinação da cabeça. Nunca lhe respondo. Quer dizer, ergo a mão e é ela que lhe diz que não. Baixa a dele, desfaz a expressão facial e segue. Sabe desistir, nunca insiste.
Há dias, pela primeira vez, passei por ele e não me estendeu a mão. Estava em frente a uma caixa multibanco e era na direcção do aparelho que estendia a mão.
Há dias, pela primeira vez, passei por ele e não me estendeu a mão. Estava em frente a uma caixa multibanco e era na direcção do aparelho que estendia a mão.
terça-feira, 2 de agosto de 2016
segunda-feira, 1 de agosto de 2016
Bollani de ouro em Cascais
(Publicado originalmente aqui)
Vamos assumir que tenho um piano de cauda na sala-de-jantar. Assim mais ou menos como no teledisco em que o John Lennon toca o “Imagine” com a Yoko Ono pelas costas. Um piano e um Fender Rhodes mesmo ao lado, de forma a que seja possível ir alternando de teclado ou mesmo tocando nos dois ao mesmo tempo, uma mão em cada um. Vamos também assumir que Stefano Bollani é meu convidado e que, depois do jantar, resolve, por iniciativa própria, sentar-se à frente do teclado do(s) dito(s) cujo(s) e desatar a tocar. Por esta altura, eu estou sentado no sofá, de digestivo na mão, a ouvir.
Arrisco-me a dizer que não terei sido o único dos que se deslocaram ao Parque Palmela, em Cascais, para ver o pianista italiano tocar a quem esta imagem passou pela cabeça. O pianista apresenta-se a solo, numa performance minimalista e intimista ao ponto de parecer que somos uns felizes contemplados com um concerto privado. São cerca de uma centena de concertos privados que têm lugar no auditório daquele parque.
As primeiras notas são um tiro de partida para uma prova de fundo, uma espécie de maratona musical, que se desenrola durante cerca de uma hora e meia (ok, se calhar meia-maratona). O que acontece daí para a frente é um pouco como a descrição que ouvimos amiúde de pessoas que passaram por um acontecimento traumático: vi a vida toda, em retrospectiva, naquele curto espaço de tempo mas que pareceu uma eternidade, a passar-me à frente dos olhos (aconteceu-me parcialmente da única vez que tive um ligeiro acidente de viação). Neste caso, ouvimos toda a vida musical de Bollani a passar ao lado dos nossos ouvidos, com a vantagem de não ser no espaço de uns segundos, por muito tempo psicológico que possam parecer durar.
O repertório é variado. A música italiana, como não podia deixar de ser, embora temas do próprio Bollani não tenham tido muito tempo de antena – apenas um, se não me falham as contas. A banda sonora do filme “Amarcord” de Federico Fellini e música popular napolitana, incluindo uma lindíssima “Reginella”. Pelo meio, o blues de Mungo Jerry no clássico “In the summertime” e o “Frame by frame” de King Crimson. E música brasileira: entre outros, o “Samba de uma nota só” em que Bollani também cantou.
Aliás, a espaços, o pianista mostra-nos que não é só à frente de um teclado que está como peixe na água. Revela-nos uma segunda faceta de entertainer e arranca várias gargalhadas do público, falando um português de sotaque transatlântico. O ponto alto é, no entanto, a caricatura que faz da língua alemã, uma algaravia de quem fala alemão que nem uma vaca italiana e que, perto do final, acompanha ao piano com muita graça.
Como se ainda não chegasse, o encore é um autêntico exercício de loucos. Ao estilo dos pedidos de música da rádio, o pianista traz um papel na mão e, qual lista de supermercado, toma nota de dez pedidos musicais que, de seguida, vai tocar. Sinto, uma vez mais, que estou na minha sala-de-jantar e ouço-me dizer “Ó Stefano, toca lá aquela, pá!” Aqui vai a lista que consegui, a custo, tomar nota: “Tico tico”, Whisper not”, “Voo do moscardo” (“em português?”, pergunta), “Trem das onze”, “Garota de Ipanema”, “Sherazade” (“Rimsky-Korsakov?”), qualquer coisa de Ennio Morricone, “Marcha Turca”, “Volare” e o final do “Layla” do Eric Clapton.
O pianista, munido do rol de compras, senta-se novamente de frente para as teclas e, como se costuma dizer, meio Bollani e força. Todos estes temas são prontamente enfiados num medley fantástico e indescritível, com passagens onde se ouve uma fusão entre o “Whisper Not” e a “Garota de Ipanema”, onde, de repente, o “Tico tico” sobressai pelo meio da “Marcha Turca”, e onde o moscardo, qual mosca na sopa, se vem intrometer.
Um resumo rápido, de duas palavras: Bravo Bollani.
Vamos assumir que tenho um piano de cauda na sala-de-jantar. Assim mais ou menos como no teledisco em que o John Lennon toca o “Imagine” com a Yoko Ono pelas costas. Um piano e um Fender Rhodes mesmo ao lado, de forma a que seja possível ir alternando de teclado ou mesmo tocando nos dois ao mesmo tempo, uma mão em cada um. Vamos também assumir que Stefano Bollani é meu convidado e que, depois do jantar, resolve, por iniciativa própria, sentar-se à frente do teclado do(s) dito(s) cujo(s) e desatar a tocar. Por esta altura, eu estou sentado no sofá, de digestivo na mão, a ouvir.
Arrisco-me a dizer que não terei sido o único dos que se deslocaram ao Parque Palmela, em Cascais, para ver o pianista italiano tocar a quem esta imagem passou pela cabeça. O pianista apresenta-se a solo, numa performance minimalista e intimista ao ponto de parecer que somos uns felizes contemplados com um concerto privado. São cerca de uma centena de concertos privados que têm lugar no auditório daquele parque.
As primeiras notas são um tiro de partida para uma prova de fundo, uma espécie de maratona musical, que se desenrola durante cerca de uma hora e meia (ok, se calhar meia-maratona). O que acontece daí para a frente é um pouco como a descrição que ouvimos amiúde de pessoas que passaram por um acontecimento traumático: vi a vida toda, em retrospectiva, naquele curto espaço de tempo mas que pareceu uma eternidade, a passar-me à frente dos olhos (aconteceu-me parcialmente da única vez que tive um ligeiro acidente de viação). Neste caso, ouvimos toda a vida musical de Bollani a passar ao lado dos nossos ouvidos, com a vantagem de não ser no espaço de uns segundos, por muito tempo psicológico que possam parecer durar.
O repertório é variado. A música italiana, como não podia deixar de ser, embora temas do próprio Bollani não tenham tido muito tempo de antena – apenas um, se não me falham as contas. A banda sonora do filme “Amarcord” de Federico Fellini e música popular napolitana, incluindo uma lindíssima “Reginella”. Pelo meio, o blues de Mungo Jerry no clássico “In the summertime” e o “Frame by frame” de King Crimson. E música brasileira: entre outros, o “Samba de uma nota só” em que Bollani também cantou.
Aliás, a espaços, o pianista mostra-nos que não é só à frente de um teclado que está como peixe na água. Revela-nos uma segunda faceta de entertainer e arranca várias gargalhadas do público, falando um português de sotaque transatlântico. O ponto alto é, no entanto, a caricatura que faz da língua alemã, uma algaravia de quem fala alemão que nem uma vaca italiana e que, perto do final, acompanha ao piano com muita graça.
Como se ainda não chegasse, o encore é um autêntico exercício de loucos. Ao estilo dos pedidos de música da rádio, o pianista traz um papel na mão e, qual lista de supermercado, toma nota de dez pedidos musicais que, de seguida, vai tocar. Sinto, uma vez mais, que estou na minha sala-de-jantar e ouço-me dizer “Ó Stefano, toca lá aquela, pá!” Aqui vai a lista que consegui, a custo, tomar nota: “Tico tico”, Whisper not”, “Voo do moscardo” (“em português?”, pergunta), “Trem das onze”, “Garota de Ipanema”, “Sherazade” (“Rimsky-Korsakov?”), qualquer coisa de Ennio Morricone, “Marcha Turca”, “Volare” e o final do “Layla” do Eric Clapton.
O pianista, munido do rol de compras, senta-se novamente de frente para as teclas e, como se costuma dizer, meio Bollani e força. Todos estes temas são prontamente enfiados num medley fantástico e indescritível, com passagens onde se ouve uma fusão entre o “Whisper Not” e a “Garota de Ipanema”, onde, de repente, o “Tico tico” sobressai pelo meio da “Marcha Turca”, e onde o moscardo, qual mosca na sopa, se vem intrometer.
Um resumo rápido, de duas palavras: Bravo Bollani.
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