«Duas formas de loucura, portanto: alguém que perdeu o real e alguém que perdeu o irreal, o imaginário.
Mas é evidente que há dois tipos de punição: alguém que perdeu a ligação com o real é punido socialmente, pelo conjunto dos homens e das suas relações, e é ainda punido materialmente, isto é: punido pela matéria: porque perceber minimamente o real é saber lidar com ele perceber coisas simples, como a provável queda de uma pedra que se encontra num ponto alto e está desequilibrada. (Apanhar na cabeça com uma pedra é um exemplo de uma punição do real.) Perder a função do real é assim perder os homens e o mundo, ou mais propriamente, é perder o mundo e a cidade, perder a natureza, as suas regras, previsibilidades e repetições e ainda a ligação com os homens, com os seus modos de viver.
Perder a função do irreal, perder o imaginário é, de facto, menos grave, temos de o reconhecer. Quem perdeu o imaginário privado pode ainda viver tranquilamente no mundo, defendendo-se dos homens por via dos bons negócios e defendendo-se da natureza por via dos sensato comportamento do corpo. No entanto, esse homem perde algo de substancial pois o imaginário individual é isto mesmo: a marca de um indivíduo, a marca privada que separa um homem do outro, que os distingue, que os faz merecer uma morte individual.»
Atlas do corpo e da imaginação, Gonçalo M. Tavares
domingo, 14 de dezembro de 2014
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário